A Mãe-Terra

pede socorro

O planeta pede para que a floresta seja protegida e o povo da cidade não sabe escutar

Davi Kopenawa Yanomami (texto)

Yuri Lueskas (ilustrações)

Estamos muito preocupados, tristes e revoltados.

O ano de 2021 foi muito ruim para os povos indígenas.

Na Terra Yanomami, aumentaram as xawaras [doenças] e também a quantidade de invasores. São mais de 20 mil garimpeiros rasgando todos os dias nossas comunidades para extrair ouro e ganhar dinheiro fácil. Por onde eles passam, deixam um rastro de destruição, violência, drogas, prostituição e morte. Em 2022, a invasão vai continuar. Bolsonaro não está tomando as providências para expulsar os garimpeiros. Ele não quer tirá-los de lá — muito pelo contrário! E não só da Terra Yanomami. Existem vários projetos de invasão das terras indígenas no Brasil.


Eu sou xamã e não estou sozinho. Só os xamãs sabem a visão do futuro do Brasil e do mundo. O T+t+ri [Espírito da Floresta] se comunica com os xamãs. Somos ligados à terra e à floresta. Todos nós, povo do planeta, vamos sofrer, como já estamos sofrendo. O nosso mundo, o planeta Terra, está totalmente ameaçado.


Milhões já morreram com a doença Krukuri s+k+wai [covid-19]. O não indígena da cidade pensa que não vai adoecer, mas vai. A poluição traz a xawara, que já está toda espalhada, na floresta e no mar. O mundo está cheio de problemas.


O povo da cidade pensa que o planeta está bem, mas, no fundo, nós, que conversamos com T+t+ri, sabemos que não. O planeta Terra está gritando, pedindo socorro para que a floresta seja protegida. O povo da cidade não consegue escutar o pedido de socorro da Mãe-Terra.


Precisamos deixar o planeta Terra em paz, porque ele está sentindo muita dor. Ele também pede isso de mim, e eu enxergo e escuto esse sofrimento. Eu estou preocupado. Não sabemos como vamos curar o pulmão da Terra. Não temos remédio. Nós, Yanomami e não indígenas, precisamos curá-la juntos. Eu sou uma formiguinha, faço a minha parte e cuido do meu povo. Essa é a minha função.


Por isso que eu denuncio para o mundo todo o que está acontecendo na Terra Yanomami.

Se os invasores não forem retirados, o sofrimento vai piorar! Na cabeceira do rio Apiaú, onde dizem que tem muito ouro, é a casa dos meus parentes Moxihatëtëa --os índios 'isolados', como os não indígenas chamam. Eles não estão preparados para se defender.

PUBLICIDADE

Eles não conhecem os garimpeiros, não sabem nem que existe o garimpo. Eu estou muito preocupado com eles. Eles protegem a minha casa, e eu projeto a casa deles.


O rio Alto Catrimani está cheio de garimpo também e, com o aumento da malária, a saúde está fraca. Não temos apoio. A Sesai (Secretaria e Distrito Sanitário Especial Indígena) não está cuidando dos Yanomami e Ye'kwana. Por isso que estou hixiu [bravo], porque o garimpo está nos matando, junto com os governos federal e estadual.


Na região do Palimiú, aconteceu um problema sério, virou notícia mundial. Uma comunidade foi atacada em 10 de maio pelos garimpeiros. Duas crianças correram dos ataques e morreram afogadas. Na região de Parima perdemos outras duas crianças afogadas pela ação de uma máquina de garimpo.


Em Homoxi, a situação está péssima e só piora. Ali, já teve garimpo nos anos de 1986 e 1991, mas agora ele voltou ainda mais forte. No Xitei, o garimpo desmatou muito, segundo os especialistas aumentou 1.000% entre dezembro de 2020 e setembro deste ano. O total histórico de floresta destruída pelo garimpo em toda a Terra Yanomami é de 3.000 hectares --isso equivale a cerca de 3.000 campos de futebol.


Quem compra o ouro ilegal é garimpeiro também. Os donos das lojas que compram e vendem ouro também estão envolvidos nesse crime. Os donos de avião e os pilotos são criminosos.

É crime garimpar na Terra Yanomami e em todas as outras terras indígenas no Brasil! Por que o artigo 231 da Constituição, que foi criada pelos não indígenas, não é aplicado? Por que as autoridades estão deixando os Yanomami morrer?


Sobre 2022, eu só vou dar conselhos a quem apoia os povos indígenas. Eu não vou aconselhar o governo, que mata os povos indígenas. Eu vou aconselhar os próprios parentes que estão na luta, como os Kayapó, Xavante, Tucano, Macuxi, Wapichana, Wamiri-Atroari, Munduruku, Ye'kwana e Yanomami --os amigos dos povos da floresta.


Vamos continuar andando juntos, lutando juntos, até o presidente Jair Bolsonaro sair do poder. Eu vou esperar para ver se outro presidente vai cuidar da floresta e do Brasil. Estou sempre desconfiado. Eu já conheço o jeito da civilização, só fazem o bem para eles. O homem da cidade só pensa nele. Só pensa na mercadoria. Mas eu vou continuar pedindo apoio para tentar salvar a nossa natureza, a nossa Mãe-Terra.

Essa é a minha fala!

Davi Kopenawa Yanomami é escritor, xamã, líder yanomami e presidente da Hutukara Associação Yanomami, sendo a principal liderança do povo Yanomami.


Também é autor do livro "A Queda do Céu, Palavras de um Xamã Yanomami", com coautoria do antropólogo francês Bruce Albert, além de roteirista do filme "A Última Floresta", com o cineasta Luiz Bolognesi.


Ainda é membro colaborador da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e vencedor dos prêmios United Nations Global 500 Award, da Ordem do Rio Branco, da Ordem do Mérito Cultural do Brasil e da Menção Honrosa pelo júri do Prêmio Bartolomé de las Casas da Espanha.

As grafias de origem indígena foram mantidas na língua original e não aportuguesadas.

PUBLICIDADE

Este é um capítulo da série

Cartas para 2022

Convidados escrevem sobre como momentos-chave de 2021 impactam no que vai acontecer no ano que vem

Publicado em 28 de dezembro de 2021.

Texto: Davi Kopenawa Yanomami
Ilustrações: Yuri Lueskas
Produção: Marcela Leite
Edição de texto: Clarice Sá e Lúcia Valentim Rodrigues
Direção de arte: René Cardillo e Gisele Pungan