Evangelho x
bolsonarismo

Chegada de André Mendonça, o 'terrivelmente evangélico', ao STF faz parte de projeto de fanatismo religioso

Pastor Henrique Vieira (texto)

Yuri Lueskas (ilustrações)

André Mendonça foi nomeado ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), com a justificativa de ser "terrivelmente evangélico".

Em primeiro lugar, cabe afirmar que este argumento expressa total desrespeito à democracia, ao Estado laico, à pluralidade religiosa e ao direito à não crença.


Trata-se, portanto, de um projeto de poder que busca se apropriar das instituições para impor ao conjunto da sociedade uma determinada forma de ver o mundo.


É um projeto violento, incapaz de respeitar as diferenças e a diversidade do povo. Todas as vezes na história em que se usou a religião como forma de imposição o resultado foi a produção de preconceito, discriminação, intolerância, sofrimento e morte.

Não é exagero nem espetacularização, o projeto bolsonarista de fanatismo religioso é capaz de matar.

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Trata-se da continuação e da atualização do espírito das Cruzadas, da colonização, da escravidão, das fogueiras da Inquisição, da chicotada e da tortura.


Peço aos leitores e às leitoras que não subestimem o potencial de morte desse projeto que hoje governa o Brasil.


Em segundo lugar, peço licença para fazer uma consideração teológica e pastoral. Preciso dizer que o bolsonarismo é absolutamente irreconciliável e incompatível com os ensinamentos do Evangelho.


Jesus viveu sob a ética do amor, o bolsonarismo se alimenta do ódio.


Jesus tinha compaixão diante do sofrimento humano, o bolsonarismo zomba do luto das pessoas.

Jesus cultivou a paz, renunciou à vingança e ensinou o perdão; o bolsonarismo estimula a guerra, o justiçamento com as próprias mãos e o uso de armas e violência.


Jesus andou ao lado das pessoas amaldiçoadas socialmente, quebrando preconceitos; o bolsonarismo se alimenta do ódio contra mulheres, negros, quilombolas, LGBTQIA+, indígenas e diversos grupos historicamente massacrados.


Jesus defendeu a causa dos pobres e denunciou o acúmulo de riquezas, o bolsonarismo conduz a economia massacrando o povo, ampliando a desigualdade e causando mais sofrimento aos pobres.


Jesus foi torturado, o bolsonarismo exalta torturadores. Jesus cuidou das pessoas, o bolsonarismo destrói famílias. O bolsonarismo mataria Jesus hoje.


Cabe ainda apontar que o campo evangélico é diverso, plural, majoritariamente popular, feminino e negro. Não se trata de um bloco coeso, monolítico e uniforme.

Muitas igrejas servem como espaço de acolhimento, socorro, consolo e empoderamento de pessoas desprezadas em nossa sociedade.


Peço aos leitores e leitoras: não generalizem os evangélicos! Toda generalização tende ao reducionismo, ao preconceito e não consegue dar conta da complexidade da realidade.


O ano de 2021 confirma uma tendência: existe um projeto de fanatismo religioso representado por Bolsonaro. Se este projeto vence, a democracia morre, levando um monte de gente junto.


Para 2022, precisamos: identificar e denunciar este fanatismo; defender a democracia e o respeito à diversidade e estabelecer um diálogo sincero com a experiência evangélica popular, para além de um calendário eleitoral.


Não é tarefa apenas para um ano eleitoral, mas para um momento histórico.


Não me refiro a um diálogo eleitoreiro e utilitário, mas defendo uma articulação importante com parcela expressiva da classe trabalhadora no Brasil. Trata-se de gente que luta para sobreviver numa sociedade desigual, racista e elitista.


Precisamos priorizar o combate à fome, a superação da dramática desigualdade social em nosso país, o enfrentamento ao racismo estrutural que todos os dias mata o povo negro.


Também se faz necessária uma mudança no nosso modelo de desenvolvimento, pois a emergência climática é uma realidade.


Para um projeto de justiça social, democracia e liberdade para o Brasil é necessário e urgente um diálogo profundo com o campo evangélico.


Por fim cabe a nós, cristãos e cristãs, com humildade e coragem, afirmar que a principal marca de quem caminha com Jesus não é sinal de arma que mata, mas gesto de abraço que cuida e que salva!

Pastor Henrique Vieira é teólogo, ator, professor e historiador. Tem se dedicado ao combate ao fundamentalismo religioso no Brasil. Pastoreia a Igreja Batista do Caminho, comunidade itinerante que realiza suas celebrações em Niterói e Rio de Janeiro. É também membro do Conselho Deliberativo do Instituto Vladimir Herzog.

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Este é um capítulo da série

Cartas para 2022

Convidados escrevem sobre como momentos-chave de 2021 impactam no que vai acontecer no ano que vem

Publicado em 27 de dezembro de 2021.

Texto: Pastor Henrique Vieira
Ilustração: Yuri Lueskas
Produção: Marcela Leite
Edição de texto: Clarice Sá e Lúcia Valentim Rodrigues
Direção de arte: René Cardillo e Gisele Pungan