Violência
que perdura

Brasil não aprende as lições, mantém erros do passado e usa extermínio dos corpos negros como política de Estado

Monica Benicio (texto)

Yuri Lueskas (ilustrações)

A vida nas grandes cidades não está nada fácil. Na verdade, nunca foi. Mas com pandemia e Bolsonaro tudo piorou.

Combustível mais caro, comida mais cara, mais desemprego e muita, muita gente passando fome de novo.

Se olharmos para a situação nas favelas do Rio de Janeiro então, tudo se agrava. Além de sofrer com todos os problemas do asfalto, é nas favelas que o Estado revela sua face mais cruel: a de executor da política de extermínio de jovens negros.


Foi exatamente o que aconteceu no Jacarezinho, no dia 6 de maio de 2021. Após a decisão política do governador Cláudio Castro (PL), amparada pelo desejo de matar de Jair Bolsonaro, 29 pessoas foram executadas na mais violenta ação policial dos últimos tempos.

Os governantes do Rio de Janeiro são pródigos em oferecer os piores exemplos para o mundo. Infelizmente o que aconteceu no Jacarezinho não é um caso isolado. É o retrato mais bem acabado da política de segurança pública posta em prática nos últimos anos, que deixa marcas de sangue por onde passa.

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Em novembro, quando ainda tratávamos do massacre anterior, veio a chacina do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana. Nove pessoas mortas, mais de 1.500 tiros de fuzil disparados numa nova ação policial. Vingança? Ação coordenada? Não importa a motivação quando o objetivo atende à política de extermínio do governo estadual, atingindo sempre corpos negros em favelas.


Infelizmente não há nada que indique melhora no curto prazo. É histórico. É cultural. E vem dando um dinheirão para as elites brancas. O Brasil foi forjado em muita violência, a começar pelo genocídio indígena. Atravessamos quase quatro séculos de escravidão, época em que negros e negras nem eram considerados cidadãos. As consequências estão aí para quem quiser ver.


Nos séculos 20 e 21, o Brasil sofreu dois golpes de Estado e viveu ditaduras que sequestraram, torturaram e assassinaram milhares de pessoas. Nosso país não trata do passado, não aprende as lições, não preserva a sua memória, não fez a devida reparação para que nunca mais aconteça.


Como resultado, a violência perdura. E vai aumentando. O ano de 2018 foi uma aula de política: em março daquele ano, a vereadora Marielle Franco (PSOL), eleita com quase 50 mil votos, foi executada no centro de uma das maiores metrópoles do mundo, às 21h30, num crime que está há três anos e nove meses sem resposta.


Ou seja, o recado é muito claro: existe um grupo político, hoje, capaz de matar como forma de fazer política. Dá para dizer que vivemos num Estado Democrático de Direito?

No mês seguinte, Lula (PT), o candidato que liderava as pesquisas, foi preso injustamente —como se provou posteriormente— por um juiz ladrão, que virou ministro da Justiça poucos meses depois.


A verdade é que não há saída dentro do sistema capitalista. Lula pode vencer as próximas eleições --e dados os candidatos apresentados até o momento é de longe a melhor opção--, mas isso não será suficiente para vislumbrarmos um novo paradigma.


A mudança estrutural de que nós precisamos, uma que garanta a vida de todas as pessoas, passa pela derrota do bolsonarismo, expressão máxima do capitalismo patriarcal no Brasil de hoje. Não haverá solução enquanto houver discriminação, preconceito, racismo, enquanto nós mulheres formos exploradas.


Esse é o meu objetivo para 2022: trabalhar incansavelmente para devolver Bolsonaro e sua família para o esgoto e, ao mesmo tempo, construir as bases para disputar um outro projeto de sociedade.

Monica Benicio, 35, é arquiteta urbanista e vereadora pelo PSOL do Rio de Janeiro. É viúva de Marielle Franco.

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Este é um capítulo da série

Cartas para 2022

Convidados escrevem sobre como momentos-chave de 2021 impactam no que vai acontecer no ano que vem

Publicado em 28 de dezembro de 2021.

Texto: Monica Benicio
Ilustrações: Yuri Lueskas
Produção: Marcela Leite
Edição de texto: Clarice Sá e Lúcia Valentim Rodrigues
Direção de arte: René Cardillo e Gisele Pungan