Com crianças e pais na cozinha, educadora cria estratégia simples contra obesidade infantil
As 33 crianças e adolescentes que participam da iniciativa de uma ONG em São Paulo reduziram pela metade suas circunferências abdominais e, juntas, perderam dezenas de quilos.
Mas o que esses meninos e meninas conquistaram vai bem além de peso e centímetros a menos. Eles agora conseguem "jogar bola de boa" e calar os que os chamavam de "baleia, saco de areia". Também conseguiram trocar o "vício" por bolacha recheada e salgadinho de pacote por biscoitos de banana ou chocolate feitos por eles mesmos. Tudo isso em um espaço de poucos meses.
Para os que pensam em dietas milagrosas ou fórmulas de emagrecimento mirabolantes, a educadora física e especialista em nutrição infantil Vera Lúcia Perino Barbosa apenas vira os olhos com um misto de impaciência e bom humor.
A ONG que ela preside, o Instituto Movere, vem conseguindo controlar e reduzir a obesidade infantil. No estudo mais recente, as 33 crianças envolvidas conseguiram melhorar em um trimestre todos os índices importantes quando se analisa alguém que precisa perder peso e ganhar saúde: reduziram uma média de 71% do IMC (índice de massa corporal), 67% de circunferência de cintura e 55% de circunferência abdominal.
"O que mais vejo aqui são famílias com informações malucas, dietas milagrosas. O grau de desinformação é total. Atendemos uma menina de 5 anos que comia bolacha e tomava refrigerante no café da manhã. Uma outra, que também se alimenta mal, pesa 40 quilos e tem apenas 3 anos", conta Barbosa.
"Para lidar com isso, a fórmula é simples: a família precisa estar envolvida. Essa é uma das nossas principais premissas aqui. Fora isso, precisamos atacar em outras três frentes: reeducação alimentar, muita atividade física e acompanhamento psicológico. Tudo isso com informações simples e diretas."
Mão na massa e mães sobrecarregadas
A ONG, que foi criada em 2004 e tem sede no bairro de Artur Alvim, zona leste de São Paulo, recebe crianças e adolescentes de toda a região, por iniciativa dos pais ou por encaminhamento de centros de saúde.
Para entrarem no projeto, as crianças precisam ir duas vezes por semana ao Movere para colocar a mão na massa e aprenderem receitas saudáveis e também para se exercitarem. Os pais também são obrigados a comparecer ao menos uma vez por semana.
"Sem a participação dos pais, nada funciona. Não adianta. Muitas escolas não colaboram em nada, muito pelo contrário. Temos mães sobrecarregadas, muitas acumulando empregos e trabalho em casa, que não têm tempo ou fôlego para cozinhar. Também temos pais que não se envolvem na alimentação dos filhos, muitos nem estão presentes", diz Vera.
A participação da família vem sendo apontada, cada vez mais, como uma elemento fundamental para combater a epidemia de obesidade infantil no mundo todo, segundo o endocrinologista Walmir Coutinho, professor da PUC-Rio e ex-presidente da organização World Obesity Federation.
"Hoje, consideramos a estratégia mais importante envolver a família. Aliás, um estudo feito em Israel mostrou que é até mais importante do que tratar com a própria criança. As crianças de um dos grupos faziam um tratamento mais usual, com o pai ou a mãe indo ao nutricionista. No segundo, que obteve resultados melhores, e pai e a mãe precisavam ir à consulta - a criança não precisava", conta Walmir.
Em uma entrevista anterior à BBC Brasil, o médico já havia alertado para o fato de o Brasil correr o risco de se tornar o país mais obeso do mundo daqui a 15 anos, caso não passe a cuidar de suas crianças.
Walmir diz que enfrentar o problema é tão complexo e desafiador quanto o aquecimento global, por sua complexidade e por envolver diversos fatores e atores - como governo, escola, empresas e sociedade.
Ele comentou dois aspectos que estão na mira da Movere. "O trabalho psicológico é certamente um fator crucial, tanto para preparar as crianças para combater o bullying, mas principalmente para aprender a se controlar em momentos de risco", diz.
"Há escolas fora do Brasil em que a criança repete de ano se não emagrece. Aqui, muitas ainda precisam proibir a venda de guloseimas na cantina e aumentar o tempo de atividade física, já que duas horas por semana é insuficiente."
Confira agora trechos de depoimentos de mães e filhos que conseguiram mudar os hábitos alimentares, começaram a cozinhar em casa, abriram mão de lasanhas congeladas - tudo sem fórmulas mágicas.
Fabiana da Silva, 36 , e seus filhos Lucas, 15, e João, 11
"Meus meninos emagreceram muito. E agora eles fazem esporte. É o máximo. Os dois trocaram os pacotes de bolacha por cookies que fazemos em casa. Antes, a gente comia mais de 10 miojos por mês, hoje não comemos mais. Nenhum. Faço macarrão com legumes, faço o molho. Eles ajudam em tudo. Se querem batata frita, faço de sábado", conta Fabiana.
"Antes, eu não conseguia correr. Agora, jogo futebol de boa. É bem legal. Eu comia muita bolacha recheada e chocolate. Mudei bastante nisso. No total, emagreci 14 quilos em quase um ano. Eu também sofria muito bullying, mas agora eu não ligo mais. Aprendi isso aqui (no Movere) com as psicólogas", diz Lucas.
"Era normal eu tomar refrigerante todo dia. Agora, só de domingo. Eu não comia cenoura - hoje eu como, refogada com chuchu. Mas eu não gosto da comida da escola. Tem um macarrão gosmento. Perdi 10 quilos no total", diz João.
Vanessa Ayers, 39, e Nicolas, 10
"Aqui aprendemos muita coisa, como ler rótulos. Também passei a vetar tempero caseiro industrializado, pipoca de microondas e salsicha. Uma ideia que eu tive depois que comecei a acompanhar meu filho aqui é fazer cestas de piquenique e ir para o parque com os meninos. O pessoal se interessou, passei a vender as cestas, só com coisas saudáveis. Não é só comida, mas também é ter mais natureza, mais qualidade de vida. Adorei o que li outro dia, que precisamos descascar mais e desembrulhar menos. Na cesta eu também coloco suco de uva integral e vinho com frutas para as mães, porque elas merecem, né?", conta Vanessa.
"Eu aprendi a comer menos e também mais devagarzinho. E agora eu comecei a gostar de brócolis, abobrinha e chuchu. Parei de comer salgadinho. Não, não sinto falta. E eu agora ajudo a minha mãe a cozinhar. Tem criança que me chamava de "baleia e saco de areia" - agora, eles pararam", lembra Nicolas.
Fernanda Soares, 37, e Fernando
"Hoje, se meu filho toma suco industrializado ele fala, "que suco ruim, mãe". Fico orgulhosa. Agora fazemos receitas juntos. Ele adora bolo de cenoura com beterraba, virou o hit do café da manhã; antes, ele só comia bolacha. O pão de queijo com mandioquinha que aprendemos aqui também é um sucesso. Ele sofria muito com bullying. Os colegas chamavam de porquinho da índia e a professora deixava. Tirei ele dessa escola, porque quando chegava no portão até vomitava de nervoso. Acredita que eles vendiam refrigerante na cantina? Na que ele estuda agora, tem salgados assados, vitamina... Prefiro", diz Fernanda.
"Eu agora consigo correr bem mais e mais rápido. E eu sei fazer várias coisas na cozinha agora, tipo temperar filé de frango. Quando eu cozinho, sinto orgulho de mim", diz Fernando.
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