Coronavírus: sob críticas por condução da crise, Irã liberta 54 mil presos contra proliferação da doença
Um porta-voz Judiciário disse que os presos testados negativamente para o novo vírus e com sentenças de menos de 5 anos estavam liberados para deixar as prisões.
O Irã, que tem sido questionado sobre a forma como está conduzindo e divulgando a propagação do novo coronavírus em seu território, libertou temporariamente mais de 54 mil presos em um esforço para conter a proliferação em prisões lotadas.
O porta-voz do Judiciário do país, Gholamhossein Esmaili, disse a repórteres que os presos com sentença de até cinco anos estavam liberados para sair da prisão depois de serem examinados para detecção do vírus e pagarem fiança. Há dúvidas, no entanto, sobre a capacidade do Irã de testar todos os presos para saber se têm ou não o vírus.
Houve mais de 90 mil casos reportados da covid-19 no mundo inteiro e 3.110 mortes desde que a doença surgiu no fim do ano passado — a grande maioria na China. O Irã é o segundo país, depois da China, com mais mortes causadas pelo coronavírus.
O surto no Irã matou ao menos 77 pessoas em menos de duas semanas. Nesta terça-feira (03/03), o Ministério da Saúde informou que o número de casos confirmados cresceu em mais de 50% pelo segundo dia seguido.
Agora, segundo o governo, há 2.336 infectados. Mas acredita-se que o número de infectados e mortos seja muito maior que o divulgado pelas autoridades. O serviço iraniano da BBC, a BBC Persa, calcula que o número real de vítimas por coronavírus esteja em torno de 300. O Ministério de Saúde iraniano desmentiu o dado.
Casos de pacientes contaminados com alguma ligação com o Irã também foram registrados no Afeganistão, Canadá, Líbano, Paquistão, Kuwait, Bahrein, Iraque, Omã, Qatar e nos Emirados Árabes Unidos.
Autoridades com o vírus
Diversas autoridades iranianas já contraíram o vírus. Entre os casos mais recentes, está o chefe de serviços médicos de emergência, Pirhossein Kolivand.
Vinte e três dos 290 membros do Parlamento também foram infectados.
Na segunda-feira (02/03), um membro do conselho que assessora o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, morreu de covid-19 em Teerã. A imprensa estatal disse que Mohammad Mirmohammadi, 71, tinha uma relação próxima com Khamenei.
Para Ghanbar Naderi, comentarista da rede estatal Press TV, a cifra de mortos que as autoritaridades sanitárias divulgam tem ao menos uma semana de atraso.
"Nossos médicos e enfermeiras levam tempo para examinar cada caso e determinar se alguém padece de gripe comum ou coronavírus, então temo que o número será muito mais alto", contou ao Today Programme da Rádio 4 da BBC.
"Sobretudo se levarmos em conta que há Províncias que não levaram o assunto a sério, especialmente cidades sagradas como Qom, que recebem milhares de peregrinos que podem estar infectados", agrega.
'Sinceridade e transparência'
O líder supremo pediu aos cidadãos que sigam as orientações de higiene do governo e pediu a todos os órgãos do Estado para providenciarem ajuda ao Ministério da Saúde.
Khamenei também afirmou que as autoridades iranianas não estão escondendo informação sobre a escala da propagação do vírus no país. "Nossas autoridades têm reportado com sinceridade e transparência desde o primeiro dia. No entanto, alguns países onde o surto foi mais sério estão tentando escondê-lo."
O surto no Irã, ele disse, "não vai durar muito no país e vai arrefecer".
As autoridades religiosas, por enquanto, se negaram a fechar mesquitas ou lugares sagrados, embora o governo tenha ordenado, pela primeira vez na história, que a oração de sexta-feira não seja conduzida.
Ajuda da OMS
O ministro da Saúde iraniano, Saeed Namaki, disse que uma campanha de triagem começará nesta quarta-feira.
Equipes vão visitar pacientes suspeitos de estarem infectados com covid-19 e que não têm acesso a serviços médicos de saúde.
Uma equipe de especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que chegou ao Irã na segunda-feira, está dando apoio às autoridades locais.
A OMS disse que eles iriam "revisar o preparo e os esforços para resposta, visitar locais de tratamento, laboratórios e pontos de entrada, e providenciar orientações técnicas".
O avião que levou os especialistas também continha um carregamento de suprimentos médicos e equipamento de proteção para auxiliar mais de 15 mil trabalhadores de saúde, assim como kits de laboratório suficientes para testar e diagnosticar quase 100 mil pessoas.
A França, Alemanha e o Reino Unido ofereceram ao Irã um pacote de ajuda de US$ 5,6 milhões para lutar contra a epidemia.
Alguns veículos locais citaram um importador iraniano de equipamentos médicos que afirmava que não podia comprar kits de teste por conta das sanções impostas pelos Estados Unidos.
"Muitas empresas internacionais estão prontas para vender ao Irã os kits de teste do coronavírus, mas não podemos enviar o dinheiro", disse Ramin Fallah, membro da Associação de Importadores de Equipamentos Médicos do Irã, segundo a agência de notícias Ilna.
Os EUA negaram que suas sanções restrinjam a capacidade do Irã de importar seus equipamentos médicos — apontam que existe uma isenção para bens humanitários.
Paranoia
"Quando chegava em casa, eu deixava meus filhos prepararem para mim um chá ou algo de comer. Agora, cada vez que chego, só me sinto culpado porque penso, de forma paranoica, se sou portador do vírus, se vou infectar minha família", afirma o comentarista de televisão Ghanbar Naderi.
"A mentalidade mudou no Irã dessa forma. Ninguém está mandando seus filhos ao colégio. Eu também não. O governo mandou fechar de forma temporária as escolas, universidades e lugares públicos", diz.
Outro dos debates mais fortes entre a população nesses dias é de como enterrar os cadáveres. As leis do Islã mandam que o corpo de uma pessoa morta seja lavado antes de enterrado.
Mas os riscos sanitários que essa prática acarreta fizeram com que, em alguns locais, os corpos sejam sepultados sem esse passo.
Como consequência do pânico, "muita gente que trabalha fora de casa, que tem contato com o exterior, decidiu alugar outros locais para morar e não colocar em risco suas famílias", conta Naderi.
"Não querem voltar para casa porque não sabem o que vai acontecer. E, considerando que não estamos realmente preparados para uma epidemia do vírus, há muita gente que não quer correr esse risco."
Prisioneiros políticos
A notícia de que o Irã está libertando seus presos reacendeu esperanças de que a britânica-iraniana Nazanin Zaghari-Ratcliffe, trabalhadora de uma entidade de caridade, possa deixar a prisão.
Ela trabalhava como gerente de projeto na fundação Thomson Reuters e, antes disso, foi funcionária da entidade internacional de caridade BBC Media Action.
Zaghari-Ratcliffe foi detida em abril de 2016 e sentenciada mais tarde a cinco anos de prisão por "conspirar para derrubar o governo iraniano", o que ela nega. O governo britânico também defende sua inocência.
Segundo uma parlamentar britânica, Tulip Siddiq, Zaghari-Ratcliffe pode ser libertada em breve. Ela citou informações que teriam sido passadas pelo embaixador iraniano no Reino Unido dizendo que ela poderá ser libertada "hoje (no dia 3) ou amanhã".
Seu marido disse no sábado que acreditava que ela havia contraído o novo coronavírus na prisão e que as autoridades estavam se recusando a testá-la.
Gholamhossein Esmaili, o porta-voz do Judiciário do país, afirmou que Zaghari-Ratcliffe esteve em contato com seus familiares e "informou sobre sua boa saúde".
Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores britânico pediu que o governo iraniano permita imediatamente que "profissionais de saúde avaliem a situação de saúde dos cidadãos que têm dupla cidadania, britânica e iraniana".
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