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Após polêmicas e divisões na direita, coronavírus faz manifestações pró-Bolsonaro serem adiadas

12/03/2020 - O presidente Jair Bolsonaro de máscara de proteção fala em live sobre coronavírus - Reprodução/Facebook
12/03/2020 - O presidente Jair Bolsonaro de máscara de proteção fala em live sobre coronavírus Imagem: Reprodução/Facebook

Mariana Schreiber e André Shalders

Da BBC News Brasil, em Brasília

12/03/2020 22h29

Presidente recomendou que atos em seu apoio fossem 'repensados' devido ao avanço da doença no país.

O presidente Jair Bolsonaro recomendou hoje que os atos convocados em seu apoio para este domingo fossem "repensados" devido ao avanço do coronavírus no país. Ele próprio é suspeito de ter contraído a doença durante viagem que fez aos Estados Unidos — o resultado do exame deve sair nesta sexta.

A recomendação do presidente foi reforçada esta noite em pronunciamento nacional em rede de televisão. Pouco antes, Bolsonaro já havia sugerido a suspensão dos atos em uma transmissão pelo Facebook ao lado do ministro da Saúde, Luiz Mandetta, em que ambos usaram máscaras no rosto.

"O sistema de saúde brasileiro, como os demais países, tem um limite de pacientes que podem ser atendidos. O governo está atento para manter a evolução do quadro sob controle. É provável que o número de infectados aumente nos próximos dias, sem no entanto ser motivo de qualquer pânico", disse durante o pronunciamento em cadeia nacional de TV.

Após destacar a "recomendação das autoridades sanitárias para que evitemos grandes concentrações populares", o presidente disse também: "Os movimentos espontâneos e legítimos marcados para o dia 15 de março atendem os interesses da nação, balizados pela lei e pela ordem. Demonstram um amadurecimento da nossa democracia presidencialista e são expressões evidentes de nossa liberdade. Precisam, no entanto, diante dos fatos recentes, serem repensados. Nossa saúde e de nossos familiares deve ser preservada".

No Brasil, os casos de Sars-cov-2, como é chamado oficialmente o novo coronavírus, têm crescido exponencialmente nos últimos dias — até esta quinta-feira eram 77 registros, segundo o Ministério da Saúde.

Grupos como o Movimento Avança Brasil e Nas Ruas, que mais cedo ainda mantinham o chamado para os protestos, decidiram cancelar as convocações para domingo após a sinalização do presidente pela suspensão dos atos. Os movimentos ainda vão decidir nova data para as mobilizações.

"Conclamamos porém, que todos juntem-se a nós em um MEGA PANELAÇO no dia 15/03 às 20h em desagravo às atitudes de congressistas IRRESPONSÁVEIS que não tem o BRASIL ACIMA DE TUDO e que somente pensam em seus benefícios particulares", convocou por meio de nota o Movimento Avança Brasil, ao anunciar o adiamento dos atos.

O grupo República de Curitiba também desistiu de participar dos atos horas antes da solicitação presidencial.

"Continuaremos através de nossas redes sociais e equipe combatendo a corrupção e lutando por um Brasil melhor, apoiando o governo eleito democraticamente do presidente Jair Messias Bolsonaro", disse o presidente do grupo, Paulo Generoso.

Polêmicas

A mobilização em apoio ao presidente estava prevista para dezenas de cidades do país e foi marcada com semanas de antecedência. A convocação gerou críticas de parte dos brasileiros que enxergou no movimento pró-governo um víes antidemocrático de defesa de fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

Por causa disso, um vídeo de divulgação dos atos compartilhado por Bolsonaro pelo WhatsApp no final de fevereiro gerou forte reação, inclusive com manifestações críticas do ministro Celso de Melo, decano do STF, e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Nas redes sociais, mensagens de convocação aos atos com ataques a Rodrigo Maia e aos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e do STF, Dias Toffoli, foram comuns.

Monitoramento da FGV Dapp (Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas) entre os dias 20 de fevereiro e 10 de março indicou que as dez hashtags mais usadas nas postagens em convocação aos atos incluíam: #dia15porbolsonaro, #somostodosbolsonaro, #maiagolpista e #queromaianacadeia.

Lideranças ouvidas pela BBC News Brasil, porém, negam que os atos sejam a favor do fechamento do Congresso e do STF. Eles acusam, no entanto, os dois poderes de agirem contra iniciativas do governo Bolsonaro. Já os que defendem essa atuação do Legislativo e do Judiciário argumentam que os dois Poderes têm legitimidade para barrar propostas do Executivo.

"Obviamente a gente tem restrições contra alguns congressistas e alguns membros do STF, por causa de suas atitudes, mas não é em reação às instituições", disse o coordenador do Avança Brasil, Nilton Caccáos.

Divergências no foco dos protestos

As últimas semanas de mobilização pelos atos foram marcadas por forte tensão entre o governo e o Congresso devido à disputa pelo controle de cerca de R$ 30 bilhões do Orçamento Federal, questão que ainda está em aberto.

Um dos momentos de maior desgaste entre os dois Poderes ocorreu quando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, acusou o Congresso de estar chantageando o governo na tentativa de controlar essas verbas. Sem ele saber, a fala foi captada por uma transmissão ao vivo da página oficial do presidente no Facebook, tornando-se pública.

"Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se", disse a autoridades próximas a ele no evento.

Em meio às críticas ao teor das manifestações, alguns apoiadores das mobilizações defenderam dar maior enforque à defesa das reformas econômicas ? como o empresário Winston Ling, forte apoiador de Bolsonaro. Outros bolsonaristas, porém, insistiram que os atos deveriam ter uma pauta única de defesa de Bolsonaro, contra o Congresso, e referendaram a fala de Heleno.

"Vejo movimentações para incluir reformas e ideais como pautas, mas pensem comigo, não haverá efetividade, se antes não livrarmos o executivo das garras do establishment, que semanalmente inventa uma nova forma de chantagear o Governo Bolsonaro. Esse foi o desabafo do Gen. Heleno!", escreveu no Twitter Maurício Costa, coordenador nacional do Movimento Brasil Conservado, no dia 5 de março.

"Não permitam que subvertam a pauta ÚNICA do dia 15, mesmo que seja para incluir reformas que apoiamos. Neste momento, estamos indo às ruas ESPECIFICAMENTE para demonstrar apoio total a Jair Bolsonaro. Como o prof. Olavo já alertou tantas vezes, é hora de defendermos o Presidente", escreveu também, em seguida.

O grupo também criticou o movimento República de Curitiba por enfatizar nas suas convocações para os atos a defesa da aprovação pelo Congresso da prisão após condenação em segunda instância.

"Nós incluímos nessa pauta de apoio ao governo a prisão em segunda instância, que é uma pauta do projeto anticrime do (ministro da Justiça, Sergio) Moro. Então, nós consideramos que ao apoiar a segunda instância estamos apoiando o governo da mesma forma", explicou à BBC News Brasil Paulo Generoso, presidente do movimento República de Curitiba.

"Fomos criticados por isso por alguns movimentos de São Paulo, mas não respondemos a crítica, entendemos a posição de cada um. Acho que é importante a gente focar naquilo que a gente concorda, do que nas pequenas diferenças que possam ter surgido", ressaltou.

O enfoque de defesa de Bolsonaro, porém, afastou da mobilização movimentos que lideraram os atos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2015 e 2016, como Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, apesar de eles apoiarem as agendas dos ministros Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) e Paulo Guedes (Economia).

"Essa manifestação foi marcada tendo pauta única e nacional o apoio ao presidente Bolsonaro, e o Vem Pra Rua nunca apoiou e não apoia pessoas incondicionalmente. A gente apoia causas", disse à BBC News Brasil Rogério Chequer, um dos integrantes do movimento.

"Não apoiamos a manifestação por ser uma manifestação governista. Nós somos um movimento crítico e de fiscalização, não importa o governo", afirmou também à reportagem o coordenador do Movimento Brasil Livre, Renan Santos.

Mobilização nas redes vinha em queda

Mesmo antes do cancelamento, o monitoramento da FGV Dapp nas redes sociais já indicava que a convocação para os atos vinha perdendo força. Segundo esse levantamento, o debate sobre as manifestações de 15 de março somou 3,6 milhões de menções no Twitter de 20 de fevereiro a 10 de março, mas houve queda de 62% no engajamento sobre os protestos que ocorreriam neste domingo entre a última semana de fevereiro e a primeira semana de março.

"O pico de interações sobre os protestos, em mobilização ativa das bases digitais a favor do governo, foi em 26 de fevereiro, após divulgação de que o presidente compartilhou no WhatsApp vídeo de endosso ao #15m. Desde então, os protestos apresentam contínua queda de impacto no Twitter, com leve aumento de repercussão no sábado (07), após fala do presidente em defesa das manifestações", nota o estudo da FGV Dapp.

Monitoramento da consultoria Quaest entre 24 de fevereiro e 10 de março teve conclusão semelhante.

"Dados que temos das manifestações (em apoio a Bolsonaro) em maio do ano passado mostram que, dias antes do protesto, a coisa estava esquentando. Não tava tão fria como essa semana no Twitter, às vésperas dos atos", nota Felipe Nunes, diretor da Quaest e professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

'Momento é de prudência, não de pânico', dizem especialistas

No fim da tarde desta quinta-feira (12), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgou um novo boletim sobre a evolução da doença Covid-19, causada pelo novo coronavírus Sars-CoV-2. Segundo a SBI, o momento no Brasil é de "prudência".

"O momento da epidemia no Brasil é de prudência; não de pânico. A epidemia é dinâmica e as informações e recomendações deste informe podem ser atualizadas em poucos dias, à medida que a epidemia aumente e que novos conhecimentos científicos são publicados", diz o boletim da entidade.

No boletim, a SBI também desaconselha medidas como o fechamento de escolas, faculdades ou escritórios — decisões deste tipo foram anunciadas esta semana pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clovis Arns, frisa que a disseminação do novo coronavírus é muito dinâmica: neste momento não há transmissão comunitária da doença, isto é, o vírus ainda não circula de forma livre no país — mas a situação deve ser reavaliada constantemente.

"Hoje, o risco em Brasília, em Curitiba (PR) seria pequeno (em participar de uma manifestação), porque a gente não tem ainda a transmissão chamada comunitária. Que é quando o número de pessoas fica tão grande que você não consegue mais identificar quem passou para quem."

"Sempre que alguém nos pergunta sobre um evento, a gente diz: 'hoje pode. Mas me pergunte de novo amanhã'", diz ele.

"Cada cidade vai ter que avaliar como vai estar o vírus naquele momento (da manifestação). Qual que deve ser a primeira cidade com alguma restrição? São Paulo. Pois é a mais populosa, e a que a mais recebe viajantes (de fora do país). Se chega na sexta-feira (13) e São Paulo já tem, digamos, 300 casos, o ideal seria cancelar as manifestações", diz Arns à BBC News Brasil.

Eduardo Sprinz é chefe do departamento de infectologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre e professor da disciplina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo ele, as pessoas que forem ao protesto "ficarão potencialmente mais expostas". "Mas a gente não sabe ainda em que medida", diz ele.

"O vírus ainda não está circulando muito no nosso meio. Mas, de qualquer forma, se a gente vai tentar conter a epidemia, o melhor seria ficar em casa ou evitar essas aglomerações", diz Sprinz à BBC.

"O mais importante neste momento é manter a boa educação sanitária. Manter as mãos longe da face, da boca. E, se tocar em alguém, vale a pena usar o álcool em gel", diz ele.

Sprinz estima ainda que a chamada "transmissão comunitária" do vírus deve começar em questão de "alguns dias" nas principais cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro.

Heloisa Ravagnani Muniz é a presidente da seção local da Sociedade Brasileira de Infectologia no Distrito Federal. Neste momento, diz ela, a entidade "não orienta que seja proibido este tipo de evento".

"Como é um evento em local aberto, não teria uma taxa de transmissão tão alta do coronavírus", diz ela.

"Agora, claro que as pessoas que tem mais de 60 anos, com alguma comorbidade, com alguma doença crônica, devem evitar aglomeração. Tanto pelo corona quanto por causa de outros vírus que possam estar circulando pelo local", diz a especialista.