Coronavírus: contágio nos locais de trabalho foi intenso no início da epidemia, diz estudo de Harvard
A pesquisa mostra também que o risco de infecção não se limitou aos profissionais de saúde; outras ocupações de risco incluem motoristas, vendedores, empregados domésticos e de zeladoria e trabalhadores de segurança pública
Em janeiro de 2020, um taxista em Taiwan transportou em seu carro um passageiro que havia acabado de chegar da China.
O taxista foi infectado pelo novo coronavírus e o transmitiu a quatro de seus parentes, e se tornou um dos primeiros casos de transmissão local da covid-19 em Taiwan.
A história desse taxista está longe de ser caso isolado, indica pesquisa feita pela Escola de Saúde Pública T.H. Chan da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.
O estudo concluiu que transmissões no local de trabalho provavelmente tiveram um papel importante na disseminação da doença durante os estágios iniciais do surto em seis países ou regiões asiáticas: Hong Kong, Japão, Cingapura, Taiwan, Tailândia e Vietnã.
Possíveis contágios no trabalho foram especialmente significativas nos primeiros dias de transmissão local, respondendo por 47% dos primeiros casos.
A pesquisa tinha o objetivo de identificar quais profissões estavam mais vulneráveis à transmissão do coronavírus no início do surto. Sabe-se que equipes de saúde estão muito expostas a risco, mas há poucos dados sobre outras profissões.
Taxistas, vendedores e guias
O estudo mostrou que o risco de infecção não se limitou aos profissionais de saúde. Nos primeiros 10 dias, foram outras as profissões mais expostas a risco.
Motoristas de táxi, vendedores e guias turísticos correram maior risco por causa do contato frequente com viajantes.
Os seis países ou regiões foram escolhidos por sua proximidade com a China, onde o surto começou, e porque a transmissão local neles começou mais ou menos ao mesmo tempo.
Pesquisadores usaram dados de casos confirmados de covid-19 entre 23 de janeiro e 14 de março e excluíram casos importados, de modo que ficassem apenas com exemplos de transmissão local.
Depois, procuraram por casos possivelmente ligados a trabalho - seja porque a pessoa infectada havia tido contato no ambiente profissional com alguém que testou positivo ou porque sua profissão se baseia em contato com muitas pessoas, o que aumenta o risco de contágio.
Assim, chegaram ao número de possíveis infectados por motivo de trabalho. Em seguida, observaram como essas infecções aconteceram ao longo do tempo - nos 10 primeiros dias após o começo da transmissão local e nos 30 dias seguintes.
Os pesquisadores chamam esses casos de "provavelmente ligados a trabalho" porque uma vez que há transmissão comunitária, não é possível afirmar com certeza a origem das infecções.
"A contribuição substancial de profissionais que não são da área da saúde para o total de casos transmitidos localmente deixa clara a importância de implementar um controle eficaz de infecções nos locais de trabalho para proteger os trabalhadores nesta pandemia. O controle precoce de infecção e manter trabalhadores bem informados, bem como fornecer equipamentos de proteção adequados, são medidas cruciais para proteger esses trabalhadores e toda a sociedade", escrevem os autores.
Três deles são taiwaneses alunos de doutorado da universidade e médicos de trabalho, Fan-Yun Lan, Chih-Fu Wei, Yu-Tien Hsu. O estudo também é assinado pelos pesquisadores David C. Christiani e Stefanos N. Kales.
A pesquisa é publicada no momento em que alguns países estão relaxando medidas de isolamento social e reabrindo a economia. A situação agora é diferente da que é descrita no estudo, diz Kales. Hoje, sabe-se mais sobre a doença e como evitá-la. Mas ainda há espaço para avanços na proteção de trabalhores, diz ele.
O que pode ser feito? O estudo recomenda que sejam adotadas estratégias de prevenção e de controle de casos de trabalhadores de profissões de alto risco.
Profissões dos infectados
Durante os 40 dias analisados, de um total de 690 casos de transmissão local, 103 foram atribuídos ao trabalho do doente (15%).
À medida que os dias iam passando, o número total de casos crescia, mas o de casos ligados a trabalho permaneceu estável. Isso porque no início a maioria dos casos eram importados, então as pessoas mais vulneráveis eram aquelas que tinham contato com viajantes.
Os cinco grupos com mais casos totais foram trabalhadores da área da saúde (22%).
Motoristas e trabalhadores de transporte e equipes de serviços e vendas não ficaram muito atrás de profissionais de saúde. Responderam por 18% do total de infecções possivelmente ligadas a trabalho.
Em seguida vieram profissionais de limpeza e trabalhadores domésticos (9%) e trabalhadores de segurança pública (7%), religiosos (6%), construção (5%) e outros (15%)
Primeiros infectados
Algumas profissões tiveram mais casos mais cedo, enquanto outras viram um aumento de casos mais tarde.
No início do surto, não foram profissionais de saúde os mais afetados, mas sim vendedores de lojas, motoristas, trabalhadores de construção, trabalhadores religiosos, guias turísticos e recepcionistas.
A partir do 11º dia, o perfil mudou um pouco, e passou a ser composto por profissionais de saúde, motoristas, trabalhadores de limpeza e domésticos, policiais e profissionais religiosos.
Isso pode ser porque pacientes demoram alguns dias até desenvolverem sintomas e terem necessidade de ir a um hospital.
Também pode ter a ver com outros fatores, escrevem os pesquisadores. Provavelmente reflete "o isolamento de pacientes com covid-19 no ambiente de saúde, bem como melhores equipamentos de proteção pessoal e melhores hábitos de higiene entre os profissionais de saúde. Essas pessoas são de modo geral mais bem equipadas, têm mais conhecimento e são mais conscientes sobre conduta e higiene do que outros profissionais", avaliam.
Proteger a todos, principalmente os mais vulneráveis
O estudo chama a atenção para a importância de proteger profissionais de outras áreas, além da saúde, pois eles costumam ter menos acesso a equipamentos de proteção, trabalham em ambientes onde há menos controle de transmissão e são profissões em que é muito mais difícil identificar e localizar pessoas com quem tiveram contato.
Além disso, dizem os pesquisadores, essas são profissões exercidas, geralmente, por pessoas mais pobres, condição que acarreta desvantagens.
"É mais provável que tenham doenças crônicas de saúde, o que poderia levar a mais consequências graves de uma infecção. Proteger os trabalhadores de alto risco ajudaria a impedir a propagação da doença e mitigar o aprofundamento das desigualdades na saúde", escrevem os autores.
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