Proteção contra o coronavírus: por que grupos defendem máscaras transparentes como padrão
Máscaras transparentes permitem que pessoas surdas se comuniquem -- mas são escassas onde são mais necessárias.
Agora faz parte da rotina de muitos de nós: lutar para descobrir o que alguém em um supermercado ou no trabalho está dizendo quando está usando uma máscara facial.
Mas para as pessoas surdas ou com perda auditiva, as máscaras podem impedir que elas entendam qualquer coisa.
"Você pode estar falando em francês", diz Fizz Izagaren, médica pediatra no Reino Unido que é surda desde os dois anos de idade. "Eu posso ouvir uma ou duas palavras, mas é aleatório, não faz sentido... Quando alguém está usando uma máscara facial, perco a capacidade de ler os lábios e perco as expressões faciais, então perco as principais coisas que compõem uma frase."
Esse é um problema que ela compartilha com 466 milhões de pessoas em todo o mundo que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), têm perda auditiva.
As máscaras faciais comuns, que se espalharam à medida que os países tentam impedir a disseminação do coronavírus, abafam as palavras e escondem a boca.
Mas, agora, instituições de caridade e fabricantes estão apresentando uma solução.
Main dans la Main, uma associação que apoia surdos e deficientes auditivos em Chevrières, norte da França, está entre as organizações em todo o mundo que criaram uma máscara com uma janela transparente.
A fundadora, Kelly Morellon, trabalhou com sua mãe, Sylvie, para criar um design de máscara capaz de cobrir o nariz, mas tornando a boca visível, e que pode ser lavada em alta temperatura para reduzir riscos de infecção.
"O objetivo básico dessas máscaras transparentes é permitir que surdos e deficientes auditivos leiam os lábios de alguém que está falando com eles", disse Kelly à BBC.
"Mas elas também são muito úteis para pessoas autistas, pessoas com dificuldades de aprendizado e crianças pequenas que podem ter medo de máscaras ou precisam ser capazes de ver expressões faciais. De qualquer forma, uma máscara transparente permite que você veja os sorrisos um do outro, e nesse momento triste isso não poderia ser mais importante."
Ao contrário de algumas empresas de outras partes do mundo (como na Escócia, EUA e Indonésia, por exemplo), Kelly e sua mãe não conseguem produzir suas máscaras em escala comercial.
Em vez disso, elas estão aconselhando as pessoas sobre como criar suas próprias máscaras e existem diretrizes online para ajudar. A dica principal é usar um pouco de detergente para impedir o embaçamento da tela de plástico.
Mas as máscaras caseiras não são apropriadas nos hospitais — onde tanto os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) quanto a comunicação são cruciais.
Há apenas uma empresa nos EUA que conseguiu a aprovação da Food and Drug Administration (FDA) para fazer máscaras com janela para uso clínico.
Quinhentas dessas máscaras estão sendo usadas no hospital Brigham and Women's, na cidade americana de Boston. No momento, elas estão sendo reservados para os funcionários usarem quando estão conversando com pacientes com perda auditiva ou vice-versa. Intérpretes de linguagem de sinais, que usam expressões faciais e movimentos labiais juntamente com movimentos corporais para criar sinais mais complexos e culturalmente ricos, também usam essas máscaras.
"Quando vimos o início da pandemia de covid-19, logo percebemos que haveria um desafio por causa do uso escalonado de EPIs e como isso criaria barreiras na comunicação", disse Cheri Blauwet, que lidera a força-tarefa de acessibilidade em Brigham.
"Tivemos um feedback brilhante dos pacientes e estamos recebendo solicitações mais amplas de outras partes do hospital, especialmente os pisos pediátricos".
O único fabricante americano não está aceitando mais pedidos, pois lida com uma demanda muito grande.
Fizz Izagaren, médica pediátrica em Surrey, no Reino Unido, que também é surda, diz que máscaras comuns a impedem de colher a história dos pacientes verbalmente. Ela também diz que se sente isolada no trabalho porque não consegue falar com seus colegas.
"Máscaras transparentes devem ser a norma para todos em um ambiente de saúde", diz ela.
Agora, ela está trabalhando com um designer de produto para tentar criar uma máscara que o sistema de saúde pública britânico, o NHS, possa usar amplamente. Porém, mesmo quando um projeto e um fabricante são encontrados, isso pode levar algum tempo para ser implementado.
Enquanto isso, há preocupações de que os EPIs comumente usados em hospitais possam impedir a equipe médica de obter o consentimento necessário dos pacientes.
Uma enfermeira de terapia intensiva que trabalha em Londres, que é surda, disse à BBC que teve uma experiência em que uma paciente, que também teve perda auditiva, não foi capaz de entender seus colegas quando eles estavam explicando um procedimento. O paciente não pôde dar consentimento e o procedimento não prosseguiu.
"Máscaras transparentes facilitariam as coisas para mim", disse ela. "Eu seria capaz de fazer meu trabalho de maneira adequada e segura. Eu teria mais independência."
No Reino Unido, oito instituições de caridade escreveram aos chefes do NHS pedindo que máscaras transparentes fossem comissionadas, alertando sobre "situações potencialmente perigosas" decorrentes de problemas de comunicação. O NHS ainda não respondeu à carta ou ao pedido de comentário da BBC.
O governo do Reino Unido diz que está apoiando o Cardmedic, que fornece cartões digitais e outros meios de comunicação para o NHS Trusts. Também existem aplicativos que transcrevem a fala em texto em um celular.
Mas os trabalhadores surdos dizem que essas soluções alternativas nem sempre são adequadas para situações sensíveis ou de emergência.
"À medida que as máscaras se tornam mais difundidas na comunidade, fica cada vez mais difícil", diz Izagaren. "Estou preocupada que o público fique cada vez mais frustrado e haverá mais discriminação em relação à comunidade de surdos".
Não são apenas as pessoas com perda auditiva que podem se beneficiar, diz ela.
Especialistas sugerem que as máscaras transparentes podem ser úteis, durante a crise do coronavírus, para várias outras profissões, como taxistas ou mesmo professores. Um produto de nicho projetado inicialmente para ajudar a comunidade de surdos poderia, de fato, melhorar a vida de todos.
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