Brasil precisa misturar ações para combate efetivo do Aedes aegypti
A emergência do zika no país, associada à suspeita de ligação com casos de microcefalia, jogou os holofotes da saúde pública sobre o controle do mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus. Mas bem antes do zika, havia a dengue, e muito antes dela, a febre amarela - além da chikungunya, também relativamente recente. Por trás de todas as doenças está o mesmo Aedes, mosquito que atazanou o país na primeira metade do século 20, chegou a ser erradicado, mas voltou a circular nos anos 80, saindo do controle na última década.
Diante do zika, o Brasil volta a encará-lo. Só que agora a praga está muito mais adaptada e à vontade nas cidades. Para combatê-la, será preciso ir além da básica combinação: campanhas de eliminação dos criadouros e fumacê.
Na semana que passou, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma orientação aos países que abrigam o mosquito, encorajando-os a ir além dos métodos tradicionais e a adotar também novas estratégias de controle como linha imediata de defesa.
O órgão lembra que mais da metade da população mundial vive em áreas onde a espécie do mosquito está presente e que ele é oportunista. "Mostra uma notável capacidade de adaptação a ambientes modificados, especialmente aqueles criados por ações humanas", lembra o guia da OMS.
É algo que os principais especialistas em mosquito e em epidemiologia no País já vêm chamando a atenção. Na situação atual, apesar de necessárias, as ações-padrão citadas acima não são mais suficientes. É preciso, dizem eles, lançar mão de um arsenal de ferramentas e adotar um programa de controle integrado, que ataque o mosquito em todas as etapas de sua vida. O problema é que muitas ainda estão em fase de teste e não há uma estimativa de quanto custaria colocá-las em prática.
Além da vacina
No Brasil, fica-se esperando a vacina como a solução para a dengue, para a zika. Só que as pessoas esquecem que a vacina serve somente para uma doença. E o mosquito tem competência para transmitir dezenas de doenças. Então o foco tem de ser nele
Margareth Capurro, bióloga do Instituto de Ciências Biomédicas da USP
"Nas décadas de 40, 50, já existia a dengue, mas como sua gravidade era bem menor, o foco era febre amarela. Conseguiram controlar a febre amarela com a vacina, mas aí a dengue se espalhou. E agora tem zika e chikungunya. Então se tiver vacina para dengue e zika, ainda vamos ter a chikungunya - que causa dores fenomenais - e sei lá mais qual outros vírus", diz a pesquisadora. "É claro que precisamos ter vacina. Mas o Brasil precisa ter um controle integrado mais efetivo do mosquito. E precisa ter comunicação em tempo real, diagnóstico rápido, assim como saneamento básico", completa.
Segundo os especialistas ouvidos pelo Estado, eliminar o mosquito nos mesmos moldes do que foi feito no século passado talvez seja impossível. Na época, as ações eram à força e se usava como arma o polêmico DDT, inseticida tão eficiente contra o mosquito quanto danoso ao ambiente, que chegou a ser banido em vários países - incluindo o Brasil. Aqui e ali, alguns entomologistas (especialista em insetos) até têm aventado a hipótese de voltar a usá-lo, mas por enquanto as saídas são outras.
As opções têm pipocado nos últimos meses: vão desde mosquitos transgênicos machos carregando um gene que torna a prole inviável e mosquitos machos tornados inférteis com radiação a até opções biológicas que matem as larvas e outras intervenções que impeçam que o mosquito seja infectado pelos vírus e, assim, não transmita doenças.
De acordo com os pesquisadores, não existe uma solução única. "Temos de fazer um controle integrado com a maior quantidade de armas que tivermos", afirma Jayme Augusto de Souza-Neto, pesquisador do Instituto de Biotecnologia da Unesp de Botucatu, que investiga o potencial de bactérias que vivem no intestino dos próprios mosquitos de impedir que eles sejam infectados pelos vírus.
Em geral se defende que o controle mais básico e prioritário é eliminar de modo mecânico os criadouros. Isso inclui as recomendações tradicionais de não deixar água acumulada e aberta em lugar nenhum. Mas essa é uma prática que, com mais ou menos adesão, vem sendo adotada nos últimos anos sem muita eficácia - tanto que o mosquito hoje se espalha por quase todo o País. Modelagens matemáticas de estudos epidemiológicos calculam, por outro lado, que acabar com os adultos deveria ser mais eficiente se não estivéssemos falando de bichos que voam e se escondem.
Fases do mosquito
Aplicar o fumacê, comentam os especialistas, equivale a apagar um incêndio. Serve só para diminuir a população adulta em locais muito infestados. Por isso tem de vir acompanhado de várias outras ações. "A melhor saída é aplicar metodologias nas diferentes fases do mosquito, enquanto jovem, na fase aquática, e no adulto, na fase alada, que é quando ele transmite os patógenos", explica Alice Varjal, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco, que coordena um trabalho de esterilização de mosquitos por meio de radiação que estão sendo soltos em fase de teste em Fernando de Noronha.
Tanto a técnica do mosquito infértil quanto a do transgênico, que foi desenvolvido pela empresa Oxitec, têm como princípio colocar em circulação machos de algum modo modificados que, quando acasalarem com as fêmeas, não vão gerar filhotes. Elas colocam ovos, mas deles não saem larvas.
A ideia da radiação já foi usada para combater pragas agrícolas, mas pela primeira vez está sendo testada para o Aedes. Os desafios, conta Alice, são enormes. Para começar, é difícil saber quanto mosquitos inférteis são necessários soltar no ambiente. Em laboratório se viu que uma taxa adequada seria de 10 inférteis para 1 selvagem. Mas fazer esse cálculo na hora de liberá-los também é complicado porque não é possível saber qual é a densidade populacional do Aedes na natureza.
A pesquisadora trabalha ainda com armadilhas para atrair as fêmeas a colocarem seus ovos e então destruí-los e com os chamados biolarvicidas. O mais comum deles, que já é usado em alguns locais do Brasil, como Recife, é à base do Bacillus thuringiensis israelensis, que é lançado em criadouros para matar as larvas.
Várias outros grupos de pesquisa no Brasil vêm investigando outras saídas. E mesmo se tudo isso puder ser aplicado, ainda será muito difícil erradicar o mosquito.
Paulo Ribolla, entomologista da Unesp de Botucatu, pondera, no entanto, que não é preciso erradicar para resolver o problema. "Para as doenças serem transmitidas, é preciso ter muito mosquito. Cidades que tinham poucos até há alguns anos praticamente não tinham dengue. Nem todos os mosquitos se infectam quando picam alguém doente. Se reduzirmos a população, podemos não ter mais transmissão."
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