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Em CPI, funcionário que denunciou sobrepreço em remédios relata intimidação

O então governador Geraldo Alckmin em visita à Furp - Governo do Estado/Divulgação
O então governador Geraldo Alckmin em visita à Furp Imagem: Governo do Estado/Divulgação

Tulio Kruse

19/06/2019 16h48

Um operador de empilhadeira, responsável pela denúncia que levou à abertura de um inquérito por suspeita de improbidade administrativa na Furp (Fundação para o Remédio Popular), relatou casos de intimidação às vésperas de seu depoimento na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Funcionário da fundação desde 2010, Willian Januário, 31, depôs ontem em uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga o caso. Ele diz que as próprias declarações da direção da Furp confirmam sua denúncia, feita em 2017.

"Do dia para a noite, não só eu como vários foram demitidos e entregaram uma carta para nós de 'crise financeira' (como justificativa) e a gente sabia, por outro lado, que não era o salário de 30 a 40 funcionários que estava gerando essa crise financeira", disse, ao explicar por que resolveu denunciar os indícios de irregularidade na fábrica.

Ele afirma que, após a demissão, teve tempo para estudar o contrato firmado entre a Furp e a Concessionária Paulista de Medicamentos (CPM), e chegou à conclusão de que os termos do contrato elevaram o preço do remédio em relação ao que é praticado no mercado. Além disso, constatou que a concessionária não estaria cumprindo exigências como reformas na infraestrutura e entrega de registros de remédios em nome da fundação na Anvisa.

Um inquérito do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e declarações da atual gestão da Furp corroboram as suspeitas. A dívida contraída pela fundação pública com a empresa, somada aos juros, chega a R$ 94 milhões.

Por causa do cargo raso que ocupou na fábrica, os deputados quiseram saber como ele ficou sabendo das irregularidades. O operador de empilhadeira contou que, antes da denúncia do MP, conversou com quase todos os 40 funcionários que estavam lotados na unidade. Ele disse que alguns repassaram documentos e, além disso, solicitou dados por meio do Sistema de Informação ao Cidadão (SIC) do governo.

Sindicância

Poucos minutos depois de ter sua convocação aprovada na CPI, na semana passada, Januário recebeu um e-mail com um convite para prestar informações a uma comissão de sindicância interna da Furp. A sindicância foi instalada em março com base em uma reportagem do jornal Estado de S. Paulo, que revelou, dez meses antes, uma delação premiada de executivos da Camargo Corrêa. Eles admitiram terem pago propina a funcionários da Furp em um caso relacionado à construção de uma fábrica de remédios em Américo Brasiliense, no interior paulista. Até onde se sabe, o pagamento de propina não tem relação com os problemas no contrato de concessão da fábrica, denunciadas pelo funcionário.

O convite, que ao longo da semana se tornou uma convocação obrigatória, foi marcado para um dia antes do depoimento na CPI. Januário pediu um adiantamento do salário para poder arcar com os custos da viagem à sede em Guarulhos, onde seria ouvido pela direção da Furp, o que não ocorreu.

"Não compareci, justifiquei a ausência", disse. "Até fiquei um pouco preocupado de ser convocado hoje porque, de certa forma, estou me expondo", contou Januário.

A Furp afirma que o próprio servidor "se dispôs a colaborar com a apuração, e foi notificado no dia 11 de junho sobre a necessidade de comparecimento à sindicância". Segundo a fundação, "não há qualquer relação com a data da oitiva na CPI da Furp, que ocorreu nesta terça-feira (18), visto que a confirmação de seu comparecimento na CPI da Furp foi publicada em Diário oficial no último dia 15".

"A Furp aguarda a disponibilidade de comparecimento do servidor. Mais de dez funcionários e ex-funcionários têm contribuído com a sindicância, que será prorrogada e tem conclusão prevista até meados de julho", diz a fundação, em nota.

Visita

Januário também disse que, na última semana, recebeu a visita de um ex-colega de trabalho, que hoje trabalha na CPM e administra a fábrica de remédios.

O colega teria perguntado se ele estava "preparado" para o depoimento e, ao final da conversa, comentou: "Você sabe que está sozinho nessa, né?", se referindo às denúncias. Funcionário da Furp, Januário hoje foi transferido para o Departamento Regional de Saúde de Araraquara, e não trabalha mais na cidade vizinha de Américo Brasiliense.

A deputada Beth Sahão (PT) propôs na CPI a convocação do gerente administrativo Francisco Caravante. Ele gerenciava a fábrica durante a transição como funcionário da fundação pública, e posteriormente foi contratado pela CPM. A convocação ainda deve ser votada.

"Quero eu pensar que isso não seja uma pressão no depoente", comentou o presidente da CPI, deputado Edmir Chedid (DEM). "Quero pensar que a atual gestão da Furp esteja procurando ter a agilidade que a diretoria anterior não teve, nem para ouvir um denunciante."

Questionada, a CPM disse que cumpre o contrato e que não conhece os outros fatos relatados