Sem registro, bolivianos do Mais Médicos não trabalham há quase um mês
Apesar de manter há quase um mês uma rotina de oito horas diárias na Unidade Básica de Saúde Vila Curuçá, na zona leste de São Paulo, a médica boliviana Melissa Cristal Caballero, de 26 anos, não pode atender um paciente sequer. Formada pela ELAM (Escola Latino-Americana de Medicina), em Cuba, com especialidade em Saúde da Família, ela passa os dias acompanhado as equipes que deveria reforçar.
Isso porque ela e os seis médicos estrangeiros que chegaram em agosto a capital paulista, pelo programa Mais Médicos, ainda não receberam o registro profissional provisório emitido pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo), que permite o exercício da medicina no Brasil.
“Não estou trabalhando ainda. Estou em processo de treinamento, conhecendo o território, os protocolos específicos e o perfil epidemiológico. Ainda estamos esperando a liberação do CRM para começar o atendimento”, disse em português com sotaque carregado.
O Cremesp, responsável pela emissão dos registros, alega estar analisando a documentação entregue pelo Ministério da Saúde que comprove a formação desses médicos.
Bolivianos são maioria
Natural de Cochabamba, Melissa chegou a São Paulo em 26 de agosto com o marido Diego Villalpando, de 28 anos, também médico selecionado pelo programa. Com Melissa e o marido, a capital paulista contará com quatro médicos da Bolívia, um da Venezuela, um da Argentina e um de Portugal entre os estrangeiros que atuarão nas regiões sul, sudeste, leste e norte da cidade.
Desde então, o casal procura por um apartamento nas mediações da unidade básica onde trabalham. Enquanto não acham, vivem em um apartamento no Itaim Paulista, na zona leste, alugado de uma enfermeira.
Para arcar com o custo, eles usam a bolsa de auxílio-moradia de R$ 2.000 e a bolsa integral de R$ 10 mil, dadas a cada um. Eles recebem também um auxílio-transporte de mais de cem reais e um vale-alimentação de R$ 356, segundo Melissa.
Brasil x Cuba
A comodidade pouco lembra sua vida em Cuba, onde o médico da família mora na própria clínica para garantir atendimento às famílias das redondezas o dia e a hora que for.
“Aqui [no Brasil] vocês têm as agentes comunitárias que lá não tem; têm equipes de apoio à saúde da família que lá não tem. Como o médico mora no posto, ele tem que ficar disponível todo o tempo. Ele tem obrigação de atender, mas aqui no Brasil tem horário estabelecido”, disse.
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Motivada com a cidade, Melissa disse ter sido bem recebida por pacientes e pela comunidade boliviana de São Paulo.
“Até agora fui atendida com muito respeito. Minha motivação é ajudar as pessoas carentes, por isso sempre trabalhei na saúde pública”, afirmou.
Boliviano critica burocracia
O médico boliviano Flavio Alejandro Baldiviezo Gomez, de 33 anos, também aguarda o registro para trabalhar na UBS Reunidas 2, em Sapopemba, na zona leste de São Paulo.
Contemporâneo de Melissa na ELAM, em Havana, Gomez reconhece semelhanças entre o SUS (Sistema Único de Saúde) brasileiro e o sistema público de saúde cubano, mesmo não podendo ainda atuar.
“A concepção teórica do SUS é para todos e lá [em Cuba] é a mesma coisa, gratuito para todo mundo. A estrutura também é a mesma: o sistema primário com o consultório da família, o secundário com as policlínicas de especialidades e o terceiro com hospitais”, disse o clínico-geral.
Quando se trata de diferenças entre os sistemas, a burocracia brasileira surge como um fator negativo na opinião do boliviano.
“Aqui tem mais burocracia para fazer um exame. Vocês tem uma demora, tem que ficar esperando... Em Cuba não tem tanta demora. Se você precisar de um exame, tem que fazer e pronto”, disse.
Nascido em Sucre, mas criado em Cochabamba, Gomez chegou ao Brasil em fevereiro já na tentativa de ser médico no país. Em agosto, além de se inscrever no Mais Médicos, ele prestou o Revalida pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e espera o resultado.
“Vim aqui para o Brasil com o objetivo de fazer o Revalida, por isso vim meses antes para me preparar e fazer a prova, que é bem mais complexa do que a prova do Mais Médicos”, disse.
Questionado se abandonará o programa, caso seja aprovado, Gomez disse apenas que pretende “fazer um bom trabalho no Brasil”.
“Eu quero fazer um bom trabalho. Se você faz um bom trabalho, você tem a certeza que o sistema de saúde vai para frente no Brasil. Quero também fazer carreira e ter preparação para trabalhar como um bom médico”, disse.
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