Denunciar médico por estar em programa federal é perseguição, diz analista
A denúncia feita pelo Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe) a dois médicos do Estado por participarem como tutores do programa Mais Médicos, do governo federal, é uma forma de perseguição com padrões medievais, segundo o professor de saúde coletiva Marcelo Pelizzoli, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também pós-doutor em bioética.
Os médicos Rodrigo Cariri, 36, e Paulo Roberto Santana, 57, ambos professores da UFPE que trabalham como coordenadores do programa em Pernambuco, tiveram a denúncia acolhida pelo Cremepe (Conselho Regional de Medicina de Pernambuco) em 5 de setembro e deverão responder por infração do código de ética médica por se oporem a interesses da categoria.
As entidades médicas do Estado são contrárias ao programa federal e ratificaram a denúncia após uma assembleia geral em 27 de agosto, que aprovou por unanimidade a concessão do título de “persona non grata” ao senador Humberto Costa (PT) e ao secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mozart Sales, além de encaminhar a denúncia contra os dois médicos ao Cremepe.
“A motivação do conselho é totalmente moral, não tem nenhuma base ética, é uma perseguição. A ordem de 'persona non grata' é uma ideia medieval que foi adotada para várias pessoas. Não existe isso legalmente de declarar uma pessoa [persona non grata], já que o governo pode fazer isso [o programa] sem consultar o Conselho Federal de Medicina, porque não se trata de uma disputa, mas de um problema emergencial”, afirma Pelizzoli.
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Médicos vão recorrer
Cariri recebeu a denúncia nesta quarta-feira (25) e disse que vai recorrer pela AGU (Advocacia Geral da União) e que está preparando sua defesa. Santana ainda não recebeu a denúncia, mas confirmou que o advogado Rodrigo Veloso, representante da AGU no Estado, será seu defensor.
Segundo Cariri, especialista em medicina da família, e coordenador do curso de medicina em Caruaru, a decisão do Cremepe é coercitiva, pois ele não foi procurado para explicar sua função no programa.
“É uma decisão paradoxal, uma clara medida coercitiva, política, desesperada [do Cremepe]. Jamais fui ouvido. Estou no exercício da minha profissão, sou professor universitário e estou exercendo a medicina, trabalhando em um programa que levará médicos aonde ninguém vai”, disse.
Professor do Departamento de Medicina Social, que ensina, entre outras questões, a ética médica, ele protesta sobre o teor da denúncia. “Tenho minha ética contestada porque trabalho com o povo. Veja como fica minha situação”, reclamou.
Opinião: Dráuzio Varella
A questão dos médicos estrangeiros caiu na vala da irracionalidade. No meio desse fogo cruzado, com estilhaços de corporativismo, demagogia, esperteza política e agressividade contra os recém-chegados, estão os usuários do SUS.
Insisto que sou a favor da contratação de médicos estrangeiros para as áreas desassistidas, intervenção que chega com anos de atraso. Mas devo reconhecer que a implementação apressada do programa Mais Médicos em resposta ao clamor popular, acompanhada da esperteza de jogar o povo contra a classe médica, é demagogia eleitoreira, em sua expressão mais rasa.
Leia, na íntegra, o artigo de Drauzio Varella
Para Santana, especialista em medicina geral comunitária e ex-secretário de Saúde de Camaragibe (região metropolitana do Recife), a denúncia foi um equívoco, já que o programa é regido por lei.
“Eu vejo um equívoco no fato de o conselho acatar a denúncia porque os conselhos estão liberando os registros por força de lei, o que vem mostrando que estamos na linha certa. Todas as medidas que os conselhos tentaram até agora foram consideradas nulas”, afirmou.
Até quarta-feira (25), 29 registros provisórios haviam sido emitidos pelo Cremepe aos profissionais que trabalharão em Pernambuco pelo Mais Médicos.
Problema ético gravíssimo
Para o especialista em bioética, a motivação do sindicato e do conselho de Pernambuco de fazer a denúncia é um reflexo de uma queda de braço entre as entidades e o governo. Começou com a votação da Lei do Ato Médico, que regulamenta o exercício da medicina no país, vetada pela presidente Dilma Rousseff.
Para Pelizzoli, dizer que a conduta dos médicos denunciados fere o Código de Ética Médica é forçar uma conjuntura, além de ser um “problema ético gravíssimo”.
“Não há uma infração direta do código de ética médica. Tiveram que fazer um ajeitamento, porque a classe representada pelo conselho e pelo sindicato diz que não se deve apoiar o programa e eles interpretam isso como se os médicos tivessem ferido a ética médica. É uma conjuntura completamente forjada. É um problema ético gravíssimo quando uma corporação faz isso”, disse.
Outro lado
Em nota, o presidente do Simepe, Mário Jorge Lôbo, afirmou que as entidades decidiram denunciar os médicos por eles estarem “demonstrando um comportamento completamente contrário aos anseios e interesses da categoria”.
“Todos os médicos envolvidos no processo [de trazer pessoas para atuarem sem validação do diploma] estão sujeitos a serem denunciados”, declarou Lôbo.
A presidente do Cremepe, Helena Carneio Leão, não quis dar detalhes sobre as denúncias porque os processos de sindicância correm em sigilo no conselho. Mas disse que a denúncia contra os médicos foram acolhidas porque o órgão “acolhe qualquer tipo de denúncia que chega ali”. Mas afirmou que “não procede” dizer que a sindicância é uma forma de perseguição “porque a denúncia veio de fora e foi protocolada no conselho”.
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