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Histórias levantam questões sobre como tratar pacientes com morte cerebral

Benedict Carey e Denise Grady

The New York Times

11/01/2014 07h00

De certa maneira, os casos a seguir se encaixam em polos opostos: os pais de Jahi McMath, de Oakland, na Califórnia, lutaram para manter sua filha ligada a um respirador, enquanto os pais e o marido de Marlise Munoz, de Fort Worth, no Texas, querem desesperadamente desligar o mesmo aparelho, que mantém a paciente viva. Mas, sob outro aspecto, os dois casos são idênticos: as duas famílias ficaram chocadas ao saber que um ente querido recebeu o diagnóstico de morte cerebral – e que os funcionários dos dois hospitais desafiaram os desejos das famílias em relação ao tratamento desejado.

Família é contra manter jovem viva

  • Munoz Family/The New York Times

    Aos 33 anos, Marlise Munozteve morte cerebral depois de desmaiar no chão de sua cozinha em novembro do ano passado, devido ao que pareceu ser um coágulo nos pulmões. Mas, enquanto seus pais e seu marido se preparavam para dizer seu último adeus na unidade de terapia intensiva do hospital John Peter Smith, em Fort Worth, no Texas, e para honrar o desejo da paciente de não ser mantida viva com a ajuda de aparelhos, eles ficaram surpresos quando um médico lhes disse que o hospital não ia cumprir suas instruções

As histórias dolorosas dessas duas famílias levantam questões sobre como a morte cerebral é determinada e sobre quem tem o direito de decidir como esses pacientes serão tratados.

“Esses casos são muito diferentes daqueles que observamos no passado”, como os de Karen Ann Quinlan, de Nancy Cruzan ou de Terri Schiavo, afirmou Joseph J. Fins, diretor da divisão de ética médica no Hospital New York-Presbyterian/Weill Cornell. Segundo explicou o médico, “todas essas pacientes podiam respirar sem a ajuda de um respirador. Elas estavam em estado vegetativo, e não apresentavam morte cerebral. E essa distinção faz toda a diferença”.

Uma pessoa que tenha recebido um diagnóstico de morte cerebral não consegue respirar sozinha e está legalmente morta, em todos os 50 Estados norte-americanos. Mas, em dois Estados, Nova York e Nova Jersey, os hospitais devem levar em consideração os pontos de vista morais ou religiosos da família para decidir como proceder nesses casos. Em todos os outros Estados, incluindo a Califórnia e o Texas, os hospitais não são obrigados a consultar a família para decidir como o tratamento do paciente será concluído.

Os médicos do Hospital Infantil de Oakland pronunciaram a morte cerebral de Jahi, 13, no dia 9 de dezembro. Ela desenvolveu complicações após uma cirurgia para corrigir sua apneia do sono e perdeu uma grande quantidade de sangue. Munoz, 33 anos, recebeu o mesmo diagnóstico no Hospital John Peter Smith, em Fort Worth, depois de ter desmaiado devido a um coágulo quando estava na 14ª semanas de gravidez. O hospital, citando uma lei estadual, se recusa a retirar o respirador de Munoz, pois isso iria prejudicar o feto, agora em sua 20ª semana de vida.

Coração batendo

Os dois casos são pungentes, em parte, por causa de um capricho biológico do corpo: apesar da falta de sinais de vida, o coração dos pacientes segue batendo.

O coração tem seu próprio marca-passo e, com a ajuda do respirador, o coração pode continuar batendo por dias – ou até mesmo pelo período máximo de uma semana. Mas, segundo especialistas, com a ajuda de um tratamento mais agressivo, o coração pode seguir batendo durante meses, muito depois da morte cerebral, dependendo da saúde do paciente e da qualidade do tratamento oferecido.

Essa respiração artificial salvou o feto no caso de Munoz e, provavelmente, isso aconteceu no último minuto, diz R. Phillips Heine, diretor de medicina materno-fetal da faculdade de medicina da Universidade de Duke. A redução do fluxo sanguíneo para o feto quando a mãe desmaiou – acredita-se que ela ficou desmaiada durante cerca de uma hora até receber tratamento – “pode provocar efeitos adversos ao longo do tempo, mas não temos como prever isso”, disse Heine.

A manutenção dos batimentos cardíacos fez a família de Jahi acreditar na percepção de que ela estava viva, enquanto que, para os parentes de Munoz, os batimentos representam a negação do direito da paciente de morrer.

Morte cerebral

Para determinar a morte encefálica, são necessários quatro elementos, segundo os especialistas. Primeiro, o médico deve excluir outras explicações possíveis para a ausência de resposta por parte do paciente, como anestesia, coma diabético ou hipotermia. Uma lesão também deve ser procurada, como um golpe na cabeça ou perda de sangue.

  • Nailah e Martin Winkfield, pais da jovem Jahi McMath, querem que a filha seja mantida viva, apesar de o Hospital Infantil de Oakland, na Califórnia, ter anunciado sua morte cerebral

Em seguida, os médicos testam a função dos chamados nervos cranianos, grupo que inclui um nervo que vai até o olho e ativa o ato de piscar. Outro nervo fica na garganta e provoca engasgos e um terceiro, localizado no ouvido interno, permite que os olhos foquem um objeto quando a cabeça está se movendo. Cada um desses nervos envolve o tronco cerebral. Se o toque na córnea do paciente com um cotonete não acionar uma piscada de olho ou se o toque na parte de trás da garganta não provocar engasgos, o tronco cerebral ou está paralisado ou está próximo do colapso total.

A última etapa é chamada de teste de apneia. Para realizar esse teste, os médicos permitem que o nível de dióxido de carbono aumente lentamente no sangue do paciente. Quando a concentração do gás atinge um determinado limiar, qualquer um que tenha um tronco cerebral parcialmente funcional irá arquejar para tentar respirar. Essa é a verdadeira prova de fogo para se detectar a morte cerebral – e pode levar cerca de 20 minutos para realizar esse teste. Durante esse período, os médicos não devem sair da sala por nenhum momento sequer, diz Panayiotis N. Varelas, diretor da unidade de tratamento intensivo relacionado à neurociência do Hospital Henry Ford, em Detroit.

“Se o paciente tenta respirar, você aborta o teste imediatamente e diagnostica que o paciente não está com morte cerebral”, disse Varela.

  • Ernst e Lynne Machado, pais de Marlise Munoz, e o neto do casal, Mateo, com 15 meses