Entenda por que a vida nas grandes cidades faz você ficar mais doente
Duas horas para chegar ao trabalho, esmagado no meio de estudantes e trabalhadores, entre uma estação e outra de trem ou metrô. Pela rua pode ser pior se houver pelo caminho trechos de congestionamento. E as chances são grandes. Só na cidade de São Paulo são mais de sete milhões de veículos, segundo dados do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) – sendo a maioria carros particulares (cinco milhões) que entopem as avenidas. No Rio de Janeiro, a frota chega a quase 2,5 milhões de veículos.
No escritório, o estresse continua: aparecem as pressões por resultados e metas. Quase não sobra tempo para exercícios físicos. Para fechar o dia, uma cerveja no bar com os amigos. E o dia seguinte recomeça igual ao anterior.
Essa vida carregada de estresse deixa marcas na saúde da população. Não é à toa que em uma pesquisa feita pelo médico Gilberto Ururahy, especialista em medicina preventiva na Med-Rio Check Up, com 70 mil pessoas, 68% dos homens e 55% das mulheres demonstravam altos níveis de estresse. E metade deles levava uma vida sedentária. Por conta disso, os níveis de cortisol no sangue, hormônio relacionado ao estresse, e adrenalina aumentam e podem desencadear uma série de doenças.
Hormônios do estresse
Estresse é para ser algo bom. Quando o organismo pressente o perigo, libera uma descarga de adrenalina e cortisol para acelerar os batimentos cardíacos, dilatar a pupila, fortalecer os músculos, e aumentar a reserva de energia por meio da conversão de açúcar em glicose. Enfim, prepara o corpo para correr ou lutar.
“A agitação do dia-a-dia, o trânsito, as grandes distâncias para deslocamento, dificuldades de acesso à educação e saúde... A vida na cidade grande nos expõe a inúmeras variáveis que podem contribuir para o estresse”, conta a psicóloga Daniela Achette, do Hospital Sírio-Libanês, acrescentando que, em excesso, essas substâncias geradas pelo estresse acabam com o corpo.
A começar pela imunidade: o cortisol deixa o organismo tão exausto que reduz a produção de anticorpos, inibe a ação de proteínas que alertam sobre inflamações e dificulta a ação de enzimas de proteção do corpo. Assim é mais fácil contrair vírus e desenvolver gripes e resfriados, ou mesmo alergias.
A conversão de açúcar em glicose acaba por causar obesidade e diabetes. E a contração (fortalecimento) dos músculos gera dores no pescoço, ombros e costas. O cortisol também prejudica a digestão e o acúmulo de suco gástrico pode render úlceras ou gastrite no estômago.
“O indivíduo que vive num grande centro está mais exposto a todas essas doenças. Tudo mexe com o nosso emocional, com os hormônios liberados pelo nosso corpo”, confirma Ururahy. E aí surge outro problema bem conhecido: a depressão. O cortisol, em níveis extremos, pode alterar até a anatomia do cérebro, deixando o hipocampo menor – pesquisadores acreditam que essa área esteja ligada com produção de serotonina e, portanto, tenha relação com a depressão.
Segundo estudo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), 18% dos paulistanos sofrem com a doença – proporção maior que a média nacional, de 10%, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Coração castigado
Para piorar, a alta concentração de adrenalina também faz mal. É ela quem acelera o coração e aumenta a pressão arterial. Por isso pode provocar arritmia, hipertensão arterial e aumentar o risco de infarto, uma vez que também contrai os vasos sanguíneos. E ainda prejudica a qualidade do sono (e aumenta os riscos de insônia): um organismo acelerado pelo estresse não consegue renovar por completo as baterias.
“A adrenalina é um potente estimulador. Sob estresse, a pessoa dorme mal e acorda cansada. Então, começa a tomar muito café, fumar e ir atrás de alimentos açucarados para ficar mais ativo. É um ciclo vicioso”, explica Ururahy. “E para relaxar vai tomar um chope com os amigos. O álcool relaxa toda a musculatura das vias aéreas superiores, isso faz o indivíduo roncar muito e dormir mal. Aí o corpo não para de produzir adrenalina e cortisol mesmo durante o sono”, conclui.
Um dia, dois cigarros
Não bastassem os problemas emocionais, as cidades grandes ainda agridem fisicamente o corpo. Especialistas do Laboratório de Poluição da USP (Universidade de São Paulo) dizem que passar um dia em São Paulo equivale a fumar dois cigarros. A cidade tem índice de poluição duas vezes superior ao recomendado pela OMS. E o Rio de Janeiro é ainda pior: a taxa é três vezes maior que a recomendação.
No fim das contas, tanta sujeira no ar resulta em rinite, bronquite e asma. Segundo pesquisa da Omint, empresa de plano de saúde, realizada com 15 mil executivos destas duas cidades, em 2011, quase 30% dos entrevistados sofriam com rinite. Outros 13% tinham asma ou bronquite.
Tudo isso é tão grave que até 70% das internações por doenças respiratórias em São Paulo acontecem por culpa de poluentes e variações climáticas, segundo pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e do Inpe ( Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
É culpa da poluição também o aumento da temperatura. Mas não só dela. Os asfaltos e a falta de árvores transformam as cidades em ilhas urbanas de calor. E o esforço constante do organismo para manter a temperatura corporal, apesar do calor, deixa o corpo ainda mais cansado.
Antidepressivo natural
Mas há soluções – pelo menos para driblar os problemas emocionais. Para lidar com o estresse, a melhor saída é fazer exercícios físicos. “A atividade física regular não tem contraindicação. Levanta mais o nível de serotonina que qualquer antidepressivo”, diz Ururahy.
Além da serotonina, as atividades físicas, quando feitas de forma adequada, sem excessos, também estimulam a produção de endorfina, um analgésico natural do corpo. Isso tudo reduz o nível de cortisol no sangue.
Cuidar da alimentação e do sono também é importante. Além de acrescentar frutas e legumes à dieta, evitar alimentos industrializados, tomar muita água (dois litros por dia) e comer a cada três horas também. Criar uma rotina alimentar também ajuda: o organismo se acostuma a receber alimentos em determinados horários; se a ingestão atrasar uma hora, o corpo já começa a se estressar.
Fora isso, cuidar da saúde mental é importante. “É preciso conhecer a si mesmo, os próprios limites e possibilidades, aprender a dizer sim e não, conciliar vida e bem-estar”, diz Achette.
E aí entra a parte boa da cidade grande: há uma infinidade de opções. Dá para entrar em aulas de ioga, reiki ou musicoterapia, por exemplo. Ir a parques, praças, bibliotecas e eventos gratuitos. Pode-se escolher um show ou concerto, de qualquer estilo musical, que acontece quase todos os dias em várias regiões das cidades. Ou aproveitar a vasta oferta de salas de cinema e ver um filme para relaxar ou extravasar.
“O equilíbrio individual pode ser favorecido à medida que as pessoas conseguem ter acesso a esses espaços”, completa a psicóloga. Só não há como fugir da poluição e do trânsito. Pelo menos não nos dias de trabalho – e enquanto os carros forem maioria nas ruas.
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