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Tratar pacientes com ebola é tão perigoso quanto 'andar no trânsito do Rio'

O médico carioca Paulo Reis, 42, trabalhou por um mês com pacientes infectados com o vírus ebola em um hospital de Serra Leoa - Marcelo Fonseca/Estadão Conteúdo
O médico carioca Paulo Reis, 42, trabalhou por um mês com pacientes infectados com o vírus ebola em um hospital de Serra Leoa Imagem: Marcelo Fonseca/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio de Janeiro

21/08/2014 16h08Atualizada em 21/08/2014 22h39

O médico carioca Paulo Reis, 42, que trabalhou por um mês com pacientes infectados com o vírus ebola em um hospital do MSF (Médicos Sem Fronteiras) em Serra Leoa, afirmou nesta quinta-feira (21) que, se cumpridos todos os protocolos de segurança, entrar nas áreas de isolamento "não é mais arriscado do que andar no trânsito do Rio".

Segundo ele, há bastante confiança na roupa impermeável utilizada pelas equipes médicas. O traje é capaz de vedar qualquer contato com o ambiente externo. "Temos uma bota de borracha, sobretudo e capuz impermeável, um avental de borracha, máscara e óculos de segurança", explicou.

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"Quando você tem conhecimento do problema e possui mecanismos para se proteger, não considero mais arriscado do que andar no trânsito do Rio de Janeiro, por exemplo. A gente tem uma visão bem clara e os pacientes infectados ficam em isolamento", disse.

Reis afirmou ainda que, no período em que trabalhou na cidade de Kailahun, no leste de Serra Leoa, viu pelo menos 70 pessoas morrerem em razão do ebola. "Todo dia tinha gente morrendo", declarou.

"Nunca antes a gente teve uma única epidemia [de ebola] com tantos pacientes. Essa não é uma epidemia localizada. Ela está se espalhando em uma área que a gente não consegue controlar. Ela está afetando uma área muito grande", afirmou Reis, citando Libéria e Guiné. Nesses países, o MSF realiza o que diz ser "a maior operação de sua história na resposta ao Ebola, com a mobilização de 1.086 profissionais nacionais e internacionais. Até dezembro, serão investidos 16 milhões de euros.

O caso mais trágico, de acordo com o médico, foi o de um menino de 12 anos que lutou contra a morte por semanas. Pouco antes de morrer, o vírus chegou a ser neutralizado no organismo. Porém, ele já estava muito debilitado e acabou não resistindo.

"A família toda desse jovem morreu e ele ficou muito tempo no centro de isolamento. Ele ficou em coma, ficamos muito tempo com ele, tentamos fazer tudo... Até colocar um tubo gástrico para alimentá-lo, já que ele não estava consciente. Infelizmente, ele morreu", relatou.

"Quando isso aconteceu, ele não estava mais com o vírus. Ele morreu porque o corpo já estava debilitado, já tinha falência de órgãos. Mas o último teste dele foi até negativo. Isso chocou muito a gente. Ele conseguiu se livrar do vírus, mas infelizmente veio a óbito. A gente tentou de tudo", completou.

Vida normal

Reis afirmou também que levava uma vida normal, apesar das limitações, e que voltará à África no fim de agosto para retomar o trabalho de atendimento a pacientes contaminados pelo ebola. "Nós morávamos em uma espécie de hotel com todos os funcionários de órgãos internacionais", comentou o médico, que disse ainda estar ansioso para tirar alguns dias de folga. "Acho que eu mereço."

A unidade em que Reis atuava conta com 80 leitos e tem obras de expansão para mais oito. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 783 pessoas já foram infectadas em Serra Leoa, sendo que a minoria recebe tratamento. O brasileiro citou dificuldades no processo de atendimento, em especial a falta de organização e logística.

"Risco de importação"

Na visão do médico, o "risco de importação" não pode ser descartado, pois ele "sempre existe". No entanto, ele disse considerar que, em caso de contaminação com o vírus ebola no Brasil, o problema não seria tão grave quanto na África.

"Não seria um problema mais sério, já que temos hábitos culturais diferentes. Seria controlado rapidamente. Estamos falando de uma população diferente, com hábitos diferentes, e é difícil convencer uma população grande de que eles têm de se prevenir. Por exemplo, nas práticas de enterro, eles têm muito contato com o corpo, coisa que não acontece no Brasil", afirmou.

Calor, o grande desafio

Reis disse que a combinação entre o calor de Serra Leoa --a temperatura gira em torno de 40ºC em dias quentes-- e o traje especial de proteção, que contém peças impermeáveis e que pesam bastante, era o maior desafio da equipe de médicos.

Segundo ele, o equipamento não possibilita a transpiração, já que a ideia é justamente impedir o contato com o ambiente externo. Com isso, não há liberação de suor. "Quando tiramos a roupa, estamos ensopados", comentou. Reis disse ainda que não chegou a perder peso durante o período em que trabalhou em Serra Leoa. "Sempre fui magrinho mesmo."

"Dentro da roupa é sempre muito quente. Se tiver sol, você rapidamente vai ficar exausto. É bastante comum que o óculos fique embaçado por dentro, por conta da condensação. Às vezes, você tem que sair porque não enxerga mais. Você tem um limite. Em dia quente, não dá para ficar mais de 40 minutos com aquela roupa", declarou.