É possível pegar zika duas vezes?
Um estudo da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), publicado nesta terça-feira (28) na revista científica "Nature Communications", revela que a primeira infecção do vírus da zika causa imunização contra futuros contágios.
A descoberta foi feita depois que os pesquisadores conseguiram infectar, primeira vez, macacos Rhesus, habitualmente usados como cobaias. O experimento --que mostra que os primatas podem ser infectados por zika e, portanto, servem como modelo animal para estudar a doença-- foi reproduzido, num segundo momento, em macacas grávidas.
Elas ficaram imunizadas após a contaminação, mas também notou-se que a gravidez prolonga drasticamente o tempo de permanência do vírus no corpo.
É importante demonstrar em laboratório o que as pessoas têm observado em humanos: que a infecção pelo vírus da zika cessa dentro de cerca de uma semana e que, depois disso, o paciente está protegido de futuras infecções pelo vírus
Emma Mohr, da Universidade de Wisconsin, uma das autoras do estudo
Segundo ela, o que ficou provado no estudo com macacos "é bastante coerente com o que foi observado em pessoas em estudos epidemiológicos".
A descoberta sugere que o tipo de imunização produzida de forma natural é suficiente. Podemos imitar essa reação com uma vacina e provavelmente teremos sucesso
David O'Connor, autor principal do estudo, em comunicado
Os cientistas infectaram macacos com a linhagem do vírus da zika que está causando a epidemia no Brasil. Eles constataram que, 10 semanas depois, os mesmos macacos já resistiam à mesma linhagem do vírus.
Grávidas em perigo
Por outro lado, o estudo mostrou um claro contraste na duração da infecção em macacas grávidas, em comparação aos macacos machos e às macacas que não estavam grávidas. Embora os animais não-gestantes tenham ficado livres do vírus após dez dias, o vírus persistiu no sangue das macacas prenhas por períodos de 30 a 70 dias.
A infecção prolongada causa impactos severos. Cientistas já haviam comprovado que a zika está ligada à ocorrência de problemas neurológicos em bebês, como a microcefalia.
David O'Connor explica:
Temos boas notícias para a maior parte das pessoas: se você não está grávida e não tem risco de ficar grávida, você nem precisa se preocupar com a zika. Por outro lado, minha preocupação com a zika na gravidez é muito maior agora
Uma possível explicação para a persistência do vírus na gravidez é que o sistema imunológico das mães esteja comprometido demais para eliminar o vírus com a rapidez suficiente. "A outra hipótese é que essa persistência seja um indicativo da infecção no feto e aquilo que observamos na corrente sanguínea da mãe seja a presença do vírus no feto, voltando para o organismo da mãe por meio da corrente sanguínea", disse O'Connor.
Segundo ele, se a segunda hipótese estiver certa, é provável que os fetos tenham uma infecção prolongada, que permanece muito mais tempo do que a infecção da mãe.
Caso se confirme esse processo, proposto pela primeira vez pela obstetra Rita Driggers, da Universidade Johns Hopkins (EUA), ele poderia oferecer uma oportunidade para avaliar os riscos para um feto em desenvolvimento sem recorrer a testes invasivos.
"Se for esse o caso, poderemos medir semanalmente a carga viral presente em uma mulher grávida infectada com o zika. Isso nos forneceria uma indicação de qual é o grau provável de danos ao feto. Se uma mulher grávida for a uma clínica com zika e uma semana depois não apresentar mais sinais da infecção, isso poderia ser uma boa indicação de que o feto provavelmente não será afetado", explicou O'Connor.
Os autores do estudo, no entanto, alertam que ninguém ainda compreende realmente a gama de problemas que a infecção por zika durante a gravidez pode causar aos bebês. "No Brasil, as crianças mais velhas nascidas de mães com zika durante a gravidez têm apenas um ano de idade, aproximadamente. Nós não temos nenhuma ideia se algumas das crianças que são aparentemente normais terão algum problema que só se manifestará em outras fases da vida", disse O'Connor.
Peter Openshaw, da Sociedade Britânica de Imunologia, diz ser importante realizar testes em humanos o mais rápido possível. "Quando a vacina estiver pronta, muitos da população considerada vulnerável já terão sido infectados", explica. "O objetivo da vacinação será, então, proteger quem viaja e aquelas que desejam ficar grávidas. Será vital verificar como as vacinas funcionam nesses casos e como superar as barreiras práticas e econômicas para a aplicação da vacina."
Dengue potencializa zika
Novos estudos sobre os vírus da zika e da dengue mostram que a relação de familiaridade entre eles pode ser também de amor e ódio.
Por um lado, dois anticorpos específicos contra a dengue se mostraram capazes de, potencialmente, também neutralizar a zika, indicando a possibilidade de desenvolvimento de uma vacina capaz de proteger contra as duas doenças simultaneamente.
Por outro lado, viu-se que muitos dos outros anticorpos gerados nas pessoas infectadas com dengue acabam, na verdade, favorecendo a replicação do zika, o que traz novas pistas que podem indicar por que a epidemia de zika se espalhou tão rapidamente em um país que já vinha sofrendo com surtos de dengue.
Os trabalhos, publicados na quinta-feira (23), nas revistas "Nature" e "Nature Immunology", podem parecer contraditórios à primeira vista, mas na prática eles jogam luz sobre a complexa relação da família dos flavivírus, da qual fazem parte os dois vírus, e também na imunologia.
Essa era uma suspeita que pesquisadores brasileiros já tinham há muito tempo e o efeito já é conhecido com a dengue. Acredita-se que ele explique por que, quando uma pessoa é contaminada pela dengue uma segunda vez, a infecção muitas vezes é mais séria do que a primeira. (Com agências)
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