Estudo recomenda teste antes de vacinação para dengue; entenda os riscos
Estudo publicado na revista Science desta sexta-feira (2) indica que a vacina contra a dengue leva a um aumento de casos graves e hospitalizações em quem nunca teve a doença. Por isso, onde a incidência da dengue não é tão alta, os pesquisadores defendem que testes sejam feitos para detectar se a pessoa foi infectada antes da imunização. Os resultados corroboram os achados de pesquisa anterior, publicado no periódico científico Lancet (acesse os links no fim do texto).
A vacina é aprovada no Brasil, e o Estado do Paraná conta com uma campanha de vacinação em 30 cidades. Chamada Dengvaxia, ela é indicada para indivíduos de 9 anos a 45 anos. Esse limite de 9 anos é exatamente porque foram observadas reações nas crianças menores. Agora, os pesquisadores dos Estados Unidos e da Inglaterra sugerem que não é idade (como foi imaginado anteriormente) que causa o aumento nos casos graves, mas o não contato com vírus. Pelo menos, essa é a hipótese mais provável.
Explico. Nos testes realizados na Ásia, verificou-se um aumento nos casos de hospitalização e dengue severa entre crianças de dois e cinco anos que tinham sido vacinadas. Então, acreditaram que a idade favorecia o aparecimento de casos graves, mas os pesquisadores fizeram modelagens matemáticas a partir dos testes e viram que a não infecção explicava melhor os resultados.
Existem quatro variações (sorotipos) do vírus da dengue. Quem é infectado, fica imunizado apenas contra aquele determinado sorotipo, podendo contrair a doença se contaminado pelos outros três. E a segunda infecção tende a ser mais grave.
Nas pesquisas com a vacina realizadas na América Latina e na Ásia, se verificou uma eficácia de 81,9% entre os participantes que já tinham tido dengue, enquanto a eficácia entre os que nunca tinham sido infectados foi de 52,5%. É como se a vacina agisse mais ampliando a imunidade pré existente de quem já teve dengue do que aumentando a proteção em quem nunca teve.
Os pesquisadores indicam que o risco de casos graves não está presente apenas entre crianças de menos de 9 anos, mas para toda a população na qual a maioria das pessoas nunca teve contato com a dengue.
Importa mais saber se a pessoa é soropositiva [se já foi infectada pelo vírus] do que saber a idade
Isabel Rodríguez, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins, de Baltimore (EUA)
Entre os que já pegaram a doença e que tomaram a vacina, a probabilidade de hospitalização e dengue grave é 90% menor em comparação com vacinados que nunca tiveram dengue, segundo o estudo.
Áreas com menos dengue devem ter maior cuidado
A OMS (Organização Mundial da Saúde) só recomenda a introdução da vacina em lugares em que 70% ou mais da população já teve dengue, e não indica a vacina onde esse número seja menor do que 50%.
O raciocínio é simples. Em locais e grupos em que a grande maioria das pessoas já teve dengue, você provavelmente estará imunizando pessoas que já tiveram o vírus. Vale lembrar que muitas vezes o primeiro contágio por dengue é assintomático, e a pessoa não sabe se já teve a doença. Por isso, as estratégicas de vacinação levam em consideração os dados estatísticos, a chamada soroprevalência.
"Em locais com soroprevalência entre 30% e 50%, o impacto da vacinação é limitado, mas positivo em termos gerais", diz Neil Ferguson, pesquisador do Imperial College, de Londres. Ele explica que o número de casos de dengue leve é reduzido nessas situações. Contudo, para o pesquisador, o benefício ocorre "à custa do aumento do risco [de dengue severa] em quem nunca teve dengue".
Ferguson sugere que as consequências negativas da vacinação em grupos com baixa soroprevalência podem ser evitadas elevando-se a idade das crianças a serem vacinadas. Onde há, por exemplo, soroprevalência de 30%, "um aumento global nas hospitalizações por dengue pode ser evitado ao se vacinar crianças de 13 anos de idade, em vez de 9 anos de idade", afirma.
Devo tomar a vacina?
Segundo especialistas consultados pelo UOL, não há contra indicação no uso da Dengvaxia. As pesquisas mostram que em regiões onde a grande maioria da população já teve dengue, a vacina garante redução de hospitalizações de 80,3%.
Assim, a decisão de tomar a vacina deve levar em consideração principalmente o local em que a pessoa mora ou planeja morar. A taxa que indica a exposição de uma população ao vírus da dengue chega a 90% em algumas cidades do Nordeste. Já no Sul do país, a incidência é mais baixa devido ao clima, menos propício à proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. Cidades brasileiras que participaram das pesquisas clínicas da vacina possuem soroprevalência de 74%.
Há também um fator relacionado à idade. A chance de já ter sido infectado pela dengue é maior quanto mais velha é a pessoa. E vacinar crianças menores do que 9 anos é ilegal.
Os especialistas lembram também que a eficácia da vacina é considerada baixa em comparação com outras vacinas (a da febre amarela protege em 90% dos casos, por exemplo). Por isso, o uso de uma vacina com eficácia que não é a ideal precisa ser acompanhado da garantia que ela está sendo inserida em regiões com as melhores características para maximizar seus benefícios.
Para a OMS, fazer testes com todos os candidatos a tomarem a vacina em políticas de vacinação em massa acarretaria um aumento grande nos custos, o que poderia inviabilizar as campanhas. Por isso, as áreas devem ser bem analisadas antes da aplicação da vacina. Para quem quer tomar a vacina em clínicas particulares, é possível realizar o teste.
A vacina deve ser dada em três doses. No Brasil, o valor de cada dose varia entre R$ 132 e R$ 138. Nas clínicas, o preço é maior devido aos custos de aplicação e armazenamento.
A vacina é eficaz onde há grande incidência de dengue
"Segundo a Sanofi Pasteur, fabricante da vacina Dengvaxia, o estudo publicado na Science “confirmou os benefícios para a saúde pública da vacina em áreas com alta incidência da doença”. A farmacêutica afirma que “OMS concluiu que a vacina deveria ser utilizada em ambientes endêmicos, em população com idade de 9 anos ou mais, independentemente de sua exposição prévia à dengue (condição sorológica)”.
A farmacêutica também afirma que “a vacina contra dengue não aumenta a gravidade dos casos ou hospitalizações” e que “a OMS não recomenda testes sorológicos antes da vacinação dentro da indicação”. “A Sanofi Pasteur está alinhada com a recomendação da OMS”, diz a empresa.
Por fim, a Sanofi diz que “a vacina é indicada para quem teve e quem não teve dengue, sendo a eficácia superior em quem já teve a doença, alcançando o índice de 82%”. “Não observamos aumento de dengue grave e hospitalizações em 29 mil indivíduos vacinados com a vacina contra dengue da Sanofi Pasteur. Observamos a segurança desta vacina em soropositivos e soronegativos, portanto, não consideramos um fator limitante à vacinação.”
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