Desconfiança e guardadores de lugar marcam fila por vacina da febre amarela
"Carteira de vacinação na mão, atestado médico quem tiver mais de 60 anos, se chamarem seu número e você não estiver, perdeu o lugar na fila". A funcionária da UBS (unidade Básica de Saúde) Boracea, no bairro da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, orientava em voz alta os mais de 100 madrugadores enquanto distribuía senhas na fila para vacinação contra a febre amarela, às 7h da manhã.
Duas unidades de saúde na região central de São Paulo visitadas na manhã desta segunda-feira (22) pela reportagem do UOL continuavam com longas filas para vacinação. A semana passada foi marcada por uma corrida às unidades de saúde pela população assustada com as notícias sobre o surto de febre amarela.
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As autoridades de saúde pediram calma para as pessoas e orientaram a tomar a vacina apenas quem mora ou se desloca para regiões que possuem indicação de vacinação. O governo do Estado antecipou a campanha com doses fracionadas, que terá início a partir do dia 25 de janeiro em 54 municípios, incluindo alguns bairros da capital.
Mas é justamente a aproximação da campanha com doses fracionadas que tem motivado muita gente a procurar a dose integral antes. "A gente não sabe se o efeito é o mesmo. E precisa tomar o reforço depois", diz a contadora Geporgia Caroline dos Santos, 31, justificando sua opção por se vacinar agora.
Estudos indicam que a dose fracionada garante imunidade por pelo menos 8 anos. Já a dose integral protege pela vida toda. Contudo, pesquisas feitas por Bio-Manguinhos, fabricante da vacina, e reconhecidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), indicam que o efeito da dose fracionada é igual ao da integral.
A dose fracionada tem 1/5 da dose integral. Para a estudante Jesica Raira Alves Machado, de 26 anos, quantidade significa confiança. "Não seria muito fã de tomar a fracionada. Fico na dúvida se vai fazer efeito ou não. É que nem remédio genérico, a gente toma só porque é mais barato", fala. E o medo explica a pressa dela por se vacinar.
"É pelo risco que está tendo agora e pelo que a mídia está falando. Não se sabe ao certo o que está acontecendo", diz Jesica. A estudante chegou à fila do postinho da rua Vitorino Carmilo, na Santa Cecília, às 7h. Já dobrava a esquina. Quando o funcionário do posto chegou até onde ela estava, por volta das 8h30, acabaram as senhas. "Vou voltar amanhã", garantiu.
Procurada, a Prefeitura de São Paulo diz que ainda está definindo como funcionará a vacinação em todos os postos de saúde da cidade a partir da próxima quinta-feira (25), quando começará a campanha.
Guardando lugar na fila
Para evitar a viagem e o tempo perdido, Jesica teria que ter acordado mais cedo. Como fez a cabelereira Irildi Carneiro, 45. Ela entrou na fila do posto da rua Boracea por volta das 5h. Enquanto esperava a unidade abrir, contou 98 pessoas na sua frente. Ao pegar a senha, seu lugar era o 107. Do ponto onde estava dava para ver a porta de entrada. Mas o inchaço suspeito da fila incomodava.
"Entram umas dez pessoas que não estavam antes. Vem uma pessoa da família e fica guardando lugar, depois vem o resto", disse a boa observadora. Ela mora na região central, que não possui indicação para vacinação no momento. As duas UBS's visitadas pela reportagem são para a vacinação de viajantes. "Vou viajar no final do ano", justificou Irildi.
Contudo, não é preciso nenhuma justificativa para receber a dose de vacina nesses postos, segundo a Prefeitura. Quem busca as unidades de saúde quer receber agora a dose da vacina que será dada para todos os moradores da cidade até o fim do ano. O Estado de São Paulo pretende vacinar toda sua população.
Irildi tentava pela terceira vez receber a dose. Na semana anterior, passou por três unidades de saúde da região central, mas desistiu por causa das filas. Alcides Antônio Neto, 28, também já tinha tentado se vacinar, sem sucesso. "Cheguei às 4h hoje, já estava virando o quarteirão. Na sexta, estava dando a volta,", disse ele.
Madrugadeiros informados
Após o bombardeio de notícias sobre a febre amarela nos últimos dias, quem estava na fila parecia bem informado. A aposentada Georgina Servilho dos Santos, 62, sabia que não podia se vacinar devido ao uso de medicamentos que implicam a contraindicação. Ela acompanhava Georgia e ajudava com duas crianças, que ainda dormiam no colo das mulheres.
"As crianças podem tomar a vacina?", pergunta o repórter. "Sim. Uma tem um ano, a outra tem dois", diz Georgia. Não podem tomar a vacina crianças com menos de 9 meses. Quem tem mais de 59 anos deve passar por consulta médica antes de se vacinar.
Vacina para 500 pessoas por dia
Pelo relato de funcionários e pessoas na fila, os dois postos visitados distribuíram cerca de 500 senhas -- o número de pessoas que conseguiu se vacinar nessa segunda. Conforme os relatos, as unidades recebiam mais doses até o início da semana passada. A prefeitura explica que a distribuição de doses para os postos ocorre sob demanda de cada unidade.
De acordo com quem estava desde cedo na fila da Vitorino Carmilo, os primeiros a chegarem já marcavam presença no local antes da meia-noite. Na Boracea não foi necessário “varar a noite”. "Cheguei às 3h. A fila começou a encher mesmo depois das 4h", contou Ricardo, um dos cinco primeiros a se vacinar. Ele tomou o café da manhã na banquinha da vendedora montada na calçada.
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