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"Pena que não briguei antes", diz médico que teve ataque de fúria no ES

Lais Rocio

Colaboração para o UOL, em Vitória (ES)

25/05/2018 04h01

Era mais uma manhã na Unidade de Saúde de Jardim América, em Cariacica, Espírito Santo, quando Aurédio José do Couto perdeu a paciência. Em um ataque de fúria, o médico chutou cadeiras e derrubou gavetas, e as imagens daquele 15 de maio ganharam as redes sociais.

Uma semana depois, o profissional diz não se arrepender, mesmo tendo sido afastado do trabalho pela prefeitura e ter sido interrogado pela polícia, que apura danos contra o patrimônio público. “O chute que eu dei naquelas duas cadeiras, elas vão me desculpar. Mas elas ajudaram a população a reagir”, disse ao UOL.

Segundo o médico, após o vídeo ter viralizado, ele recebeu demonstrações de apoio de colegas e pacientes. Sociedades médicas capixabas também se manifestaram contra a falta de condições de trabalho no estado.

É uma pena que eu não tenha tomado a decisão de brigar pela saúde antes. Mas isso vai servir de aprendizado para muitas outras pessoas. Que Cariacica possa dar esse exemplo para todos” 

Aurédio Couto, médico

Há 46 anos na rede municipal de Cariacica, cidade de 400 mil habitantes na Região Metropolitana de Vitória, Couto conta que o estopim daquela manhã foi estar, mais uma vez, sem local para atender os pacientes – a unidade de saúde passa por reforma.

“Fiquei um tempo no balcão perguntando pelas salas e não sabiam onde me colocar. Os pacientes vinham perguntar o que estava acontecendo, fiquei com vergonha da situação”, relembra os momentos antes de protagonizar as cenas que rodaram o país.

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“Já não tenho um ambiente de trabalho meu quando chego, [nem] luminosidade. Não tenho ventilador, sem falar no estetoscópio, no aparelho de pressão para que a gente possa fazer o mínimo de atendimento”, afirmou.

Médico Aurédio Couto, que teve ataque de fúria no Espírito Santo - Lais Rocio/Colaboração para o UOL - Lais Rocio/Colaboração para o UOL
"As cadeiras vão me desculpar, mas ajudei a população a reagir", diz Aurédio, que é clínico geral
Imagem: Lais Rocio/Colaboração para o UOL

Revolta de longa data

Couto começou a trabalhar na saúde pública como auxiliar de enfermagem, em 1971. Ele diz que o descontentamento com as condições laborais não é de agora.

“Cariacica nunca teve nada. Um exame de raios-x era difícil de conseguir, hoje já tem ressonância magnética. Não tinha postos de saúde na periferia, e vários que foram fundados já estão fechados hoje”, diz o clínico geral.

“As coisas vão se juntando, passei muito tempo discutindo, questionando e minha voz não era escutada. Fundei aquela unidade de saúde, será que não sou capaz de denunciar isso? Não chutei as cadeiras contra ninguém, não agredi ninguém”, se defende.

Segundo o médico, profissionais e pacientes sofrem com falta de itens básicos e remédios. Ao UOL, a Secretaria de Saúde de Cariacica nega a falta de medicamentos. A pasta também diz que os materiais de trabalho estão no almoxarifado central da Saúde e devem ser solicitados à supervisão da unidade.

Jornada dupla

Contratado para trabalhar 30 horas por semana na unidade de saúde em que protagonizou as cenas de quebradeira, Couto também é médico do trabalho em um consultório simples no centro da cidade.

Antes, já havia sido cirurgião e médico de atletas – sempre em paralelo ao cargo como servidor municipal.

Em 1996 e no ano 2000, Couto foi vereador na cidade pelo então PL (Partido Liberal). Agora, ele diz não ter mais pretensões de disputar eleições. “Só entraria [na política] se fosse em um movimento da sociedade civil organizada, com técnicos de todas as áreas para fiscalizar como chegam e saem as verbas”, diz.