Médico que acumulou 8 empregos tem multa dobrada e vai pagar R$ 2,2 milhões
Resumo da notícia
- Médico foi condenado a pagar multa por acúmulo de funções que não exercia
- "Funcionário fantasma", ele trabalharia 106 horas sem descanso em quatro cidades de SP
- José Usan Júnior perdeu os cargos e teve os direitos políticos suspensos
O Tribunal de Justiça de São Paulo ordenou a execução da pena de um médico que acumulou oito empregos, cinco deles públicos, em quatro cidades no interior de São Paulo. Condenado a pagar R$ 1,1 milhão, os juros e correção monetária entre a condenação e a execução da sentença dobraram esse valor. Agora José Usan Júnior terá de desembolsar R$ 2.269.704,99.
Se o médico exercesse todas as funções para as quais foi contratado, ele não descansaria um único dia no mês: trabalharia 106 horas semanais em quatro cargos e oito empregos distribuídos por quatro cidades: Araçatuba, Guararapes, Birigui e Bilac.
Para a Corte, Usan Júnior era um funcionário fantasma que cometeu improbidade administrativa ao enriquecer acumulando funções que não exercia. A Constituição permite aos médicos acumular apenas dois cargos com compatibilidade de horário.
Procurada pela reportagem, a defesa do médico preferiu não se manifestar.
Na última terça-feira (3), o juiz aceitou o pedido do Ministério Público e executou a decisão tomada em junho. O médico terá 15 dias a partir da notificação para pagar os R$ 2,2 milhões, sob pena de ter os bens penhorados, se não pagar, e 10% de multa sobre o valor, um acréscimo de R$ 220 mil.
O juiz também expediu ofícios para que as prefeituras demitam o médico, que teve seus direitos políticos suspensos por oito anos, o que lhe impede de votar e receber votos em uma hipotética candidatura.
Funcionário fantasma
A denúncia partiu do MP em Araçatuba (a 522 km da capital), que desconfiou do acúmulo de funções de alguns médicos da região e pediu às prefeituras o cartão de ponto desses profissionais. Recebeu uma lista de 60 médicos com emprego fantasma. Chamados à promotoria, eles voltaram à legalidade ao devolverem parte dos salários que recebiam e renunciarem a alguns vínculos empregatícios. Um desses médicos, no entanto, preferiu resolver o caso na Justiça.
Segundo a promotoria, Usan Júnior chegou ao MP acompanhado do filho. Ao ser confrontado pelo acúmulo de empregos, chegou a chorar. Dias depois, mandou seu advogado avisar que não concordava em devolver valores nem abrir mão dos cargos.
O médico exercia pelo menos quatro funções. Em Araçatuba, recebia "o valor médio" de R$ 9.800 para trabalhar por 20 horas semanais como ginecologista em duas UBS (Unidades Básicas de Saúde) e dar plantão de 12 horas no Hospital da Mulher de sábado para domingo.
Na cidade vizinha de Guararapes, Usan Júnior foi contratado por R$ 4.500 pela prefeitura como ginecologista e obstetra. Trabalhava quatro dias por semana das 7h às 10h. Ainda assim, a mesma prefeitura o nomeou diretor de assistência médica das unidades de saúde do município, onde ele precisaria trabalhar 20 horas semanais "no período da manhã ou tarde".
Em Bilac, a 26,3 km de distância de Araçatuba, o médico era o chefe de uma equipe da Saúde da Família. Precisava dar expediente de quase oito horas de segunda a sexta em troca de R$ 8.500. Ele ainda acumulava um emprego no Hospital Beneficente da mesma cidade, uma unidade privada.
Usan Júnior ainda atuava em outras duas clínicas particulares: no Hospital Psiquiátrico Felício Lucchini, em Birigui, e, a 21 km dali, no Hospital Benedita Fernandes, em Araçatuba.
Por que R$ 2,2 milhões?
Como muitos horários coincidiam, o MP calculou em R$ 404.255,90 o valor que o médico teria recebido indevidamente e que precisaria devolver aos cofres públicos. Desse montante, R$ 372,9 mil se referiam à soma de 4.066 horas acumuladas entre as Prefeituras de Araçatuba e Guararapes e R$ 31,3 mil sobre as 341 horas entre Araçatuba e Bilac.
A defesa do médico pediu que uma perícia refizesse os cálculos, mas os especialistas acabaram calculando um rombo maior, de R$ 589.320,71. O juiz determinou que Usan Júnior deveria restituir esse valor e pagar uma multa de igual valor, totalizando R$ 1.178.641,42.
A correção monetária até novembro de 2019 elevou o montante para R$ 1,5 milhão. Com os juros equivalentes a 61 meses (a partir da data em que ele foi notificado do processo), o total chegou a R$ 2.269.704,99.
Processo no Conselho Regional em sigilo
De acordo com o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), o médico responde a um processo ético-profissional na entidade "mantido em sigilo". Após todas as etapas processuais, ele irá a julgamento. "Se comprovada culpabilidade, o médico receberá uma das cinco penas disciplinares aplicáveis, previstas em lei", diz o órgão em nota. São elas:
- Advertência confidencial em aviso reservado;
- Censura confidencial em aviso reservado;
- Censura pública em publicação oficial;
- Suspensão do exercício profissional por até 30 dias;
- Cassação do exercício profissional, que precisa ser referendada pelo Conselho Federal de Medicina, que é também o órgão máximo de recurso para solicitação de revisão das penas aplicadas pelo Conselho Regional.
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