Coronavírus: curva mais acentuada de casos do Brasil não é certeza de caos
A comparação entre a curva de casos de coronavírus nos primeiros 20 dias no Brasil com os de Itália e Espanha não é mais adequada para prever o alcance da infecção no país.
Até o último dia 17 de março, quando o Brasil completou 20 dias desde o primeiro caso confirmado de coronavírus, já havia 291 pessoas infectadas. Dentro do mesmo período, Itália e Espanha tiveram 3 e 2 casos, respectivamente. Outros países, como EUA, Coreia do Sul e Japão ainda estavam nas suas primeiras dezenas de caso, os americanos com 13 e os dois países asiáticos com 28 caso cada um
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, os países tiveram seus primeiros casos em momentos distintos da pandemia e as reações também tendem a ser diferentes. Ter mais números no início que a Europa ou outros países que apresentam uma situação complicada agora, como Estados Unidos, não necessariamente aponta para um futuro sombrio.
Atualmente, esses dois países têm dezenas de milhares de casos reportados e encontram dificuldades para conter a disseminação do vírus. Gráficos comparando as curvas de crescimento nesses primeiros 20 dias têm sido compartilhados nas redes sociais e causam alarme. Porém, é preciso cautela ao interpretar esses dados.
A Itália confirmou o seu primeiro caso no dia 30 de janeiro. Vinte dias depois ela tinha apenas 3 casos. A situação lá pirou a partir do 23º dia, quando o número de casos entrou em um crescimento exponencial. Agora o país já tem mais de 31 mil confirmações e mais de 2,5 mil mortes, segundo último boletim da Organização Mundial da Saúde. Desde o dia 9 de março o país vive uma quarentena absoluta na tentativa de diminuir esses casos.
A Espanha teve a primeira contaminação em 31 de janeiro e viu seus números explodirem nos primeiros dias de março, mas até o 20º dia só reportava 2 casos. Hoje o país tem mais de 13 mil casos e mais de 400 mortes. A expectativa é de que o país ultrapasse os números da Itália em poucos dias.
Por isso, ao analisar a curva brasileira nesse início do surto com a desses países pode parecer pessimista. Mas, de acordo com o Infectologista Natanael Adiwardana, do Hospital Emílio Ribas, mais do que olhar os números, é preciso observar o comportamento dos países nesses primeiros 20 dias e em que momento da epidemia eles estavam.
Ambos os países europeus tiveram o primeiro contágio no fim de janeiro, quando ainda se imaginava que a epidemia estava concentrada na China. No entanto, quando os primeiros casos nesses locais foram confirmados, o mais provável é que o vírus já estivesse circulando na sociedade há mais tempo. "É muito provável que os casos fossem sub-reportados", diz Adiwardana.
O especialista destaca que esses países demoraram para apresentar ações para impedir a disseminação do surto. Muitas cidades da Itália só entraram em quarentena semanas depois do primeiro caso, quando a contaminação já era alta. O Brasil, no entanto, tem tomado medidas de contenção desde antes do 20º dia.
"No Brasil há um controle extensivo dos casos desde o primeiro. Nós estamos notificando mais. Na Itália eles subestimaram alguns casos e só começaram a vigilância mais intensiva quando eles viram que 'o bicho estava pegando' e os casos estavam se multiplicando".
O infectologista da USP Eliseu Waldman explica que a taxa populacional brasileira e o tamanho do país justifica o número maior de infectados. O Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes, com muitos deles concentrados em grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro onde a propagação é facilitada. Itália e Espanha têm, respectivamente, 60 e 40 milhões de habitantes.
Caso americano
Os Estados Unidos também apresentaram uma curva inicial mais tímida que a brasileira, porém agora tem mais de 7 mil casos confirmados e 100 mortos. O primeiro contágio lá foi notificado em 22 de janeiro.
Segundo Adiwardana, o que difere o caso brasileiro do americano é a existência aqui de um sistema de saúde público e universal. Uma pesquisa publicada pelo Business Insider mostrou que metade dos americanos não podiam pagar para fazer o teste de covid-19, muito menos fazer o tratamento.
Lá, os custos de diagnóstico e tratamento do coronavírus podem variar entre 441 dólares (cerca de R$ 2.225, segundo a cotação do dia) e 1.151 dólares (R$ 5.809). "É muito difícil você conseguir uma amostragem e fazer uma vigilância quando você não provê um sistema universal de saúde", diz.
"As pessoas lá escolhem muito bem o momento de ir ao médico, diferente daqui. Ela não vai porque ela está um pouco gripada, só se realmente tiver com muita falta de ar, com muita febre, sem condições de trabalhar".
Após essa constatação, o governo americano decidiu pagar para que pessoas com menos dinheiro façam o teste e desde então os números saltaram absurdamente. No último dia 15 havia 1,7 mil contaminados, um dia depois eram 3,5 mil e dois dias depois 7,1 mil.
Exemplos da Ásia
Coreia do Sul e Japão são casos diferentes dos exemplos anteriores. Quando atingiram o 20º dia desde o primeiro contágio notificado, tinham apenas 28 casos confirmados cada um, muito distante do número brasileiro. Porém, apesar de ter visto o número crescer exponencialmente assim como todos os outros países do mundo, ambos têm tido sucesso na contenção dos contágios.
Esses países tiveram uma resposta rápida. Logo no início a Coreia do Sul testou toda a população e isolou todos que testaram positivo imediatamente. Isso impediu que o vírus se espalhasse até mesmo para as comunidades vizinhas e o isolamento se concentrou em poucas regiões.
Porém, o infectologista do Emílio Ribas destaca que essa estratégia dificilmente poderia ser aplicada no Brasil. Por ser maior e ter uma população muito grande, o teste em massa se torna inviável. Além disso, a Coreia implementou essas medidas durante a fase de contenção da doença. Segundo Adiwardana, o Brasil já passou dessa fase e entrou no período de mitigação dos danos.
Como comparar?
Ambos os especialistas concordam que a melhor maneira de avaliar o crescimento do surto no Brasil é observando os número a partir do 50º caso e não até determinado dia. O que tem ocorrido em todos os países é que, a partir do caso 50 a aceleração se torna brusca e a curva de casos se torna exponencial. Este é o cenário previsto para o Brasil daqui alguns dias.
Segundo Waldman, é esta a curva que deveria ser melhor observada. Nesse sentido, o Brasil tem sido semelhante aos países europeus. "O que está claro é que o Brasil está entrando em uma fase de aumento exponencial, há modelos feitos por alguns grupos que sugerem que lá pela primeira ou segunda semana de abril estaremos em um momento bem difícil".
Um novo cenário projetado pelo Núcleo de Operações e inteligência e Saúde, da PUC-Rio e Fiocruz mostrou que até o dia 29 de março o Brasil pode ter mais de 5 mil casos confirmados.
"O número de casos está aumentando no hemisfério sul aparentemente da forma como ocorreu na Europa e aí evidentemente aponta para semanas bem intensas", conclui Waldman. Os últimos números atualizados já mostram o início do crescimento exponencial brasileiro. No último dia 18 o Brasil teve 428 casos oficiais, no dia 19 foram 621 e no dia 20, 904 casos.
Para lidar com essa previsão de aumento brusco que deve ocorrer no país, o infectologista sugere que o melhor é considerar que estamos caminhando para o pior cenário. "Os nossos dirigentes têm que reagir como se o pior cenário fosse o verdadeiro e a população precisa aderir às recomendações, seja dos cuidados individuais, seja para ficar o máximo possível em casa".
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