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"Busca por um espirro": um dia na triagem de hospital em tempos de covid-19

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coronavírus, hospital Imagem: iStock

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió (AL)

21/03/2020 04h00

Em menos de uma semana, a vida de uma técnica de enfermagem que atua na triagem de uma das maiores unidades de saúde de Maceió mudou. A pandemia de covid-19 fez com todos ligassem o alerta e também mudou que o perfil de pessoas que buscam atendimento.

"Quatro pessoas foram testadas para saber se tem covid-19 ontem no meu plantão", conta ela, que pediu para não ser identificada por estar na linha de frente na unidade.

Em depoimento ao UOL, a técnica relata como foram as 12 horas de plantão. Fala do medo que sente, das precauções adotadas e das curiosas buscas de pessoas por atendimento por puro alarmismo.

"Um jovem procurou o serviço porque espirrou no trabalho. Segundo ele, todos se afastaram nesse momento, e o chefe dispensou ele e pediu que ele fosse lá pedir atestado para afastamento do serviço", conta.

Confira o relato:

O "extremismo" de alguns

O movimento não mudou muito, em média 300 pacientes por dia. O perfil também não mudou muito porém, observei em alguns casos um certo extremismo. As mães com crianças e adolescentes são os menos temerosos.

Pessoas que antes faziam uso de algum paliativo em casa [para gripe] não estão fazendo mais: estão buscando a urgência de imediato, apesar de todas as orientações de que só busquem em casos mais graves —inclusive orientados por mim na triagem.

E está havendo uma rispidez da população quando sugiro que fiquem em casa, porque cada um acha que seu caso é urgência.

São muitos idosos. Muitos! O maior problema é hipertensão arterial entre os idosos.

O hospital está cheio de avisos pedindo para as pessoas ficarem em casa e procurarem as urgências somente em último caso. Mas as pessoas sempre acham que seu problema é urgente. Pessoas que antes usavam alguma medicação em casa sempre vão lá sem sequer tentar algo.

Busca por exames

Alguns jovens buscam o serviço para fazer o teste, mesmo assintomáticos, porque foram informados que o serviço era referência

Um jovem procurou o serviço porque espirrou no trabalho. Segundo ele, todos se afastaram nesse momento, e o chefe dispensou ele e pediu que ele fosse lá pedir atestado para afastamento do serviço.

Ele mesmo reconheceu que foi apenas um espirro comum, e não entendeu o pedido do chefe. Nem foi atendido porque, segundo ele, não tinha nem o que falar para o médico, não estava sentindo nada. Outra, uma jovem que disse trabalhar na mesma sala de uma amiga que havia iniciado uma quarentena ontem, mas nem sequer soube informar o nome dessa amiga.

Chegou também uma turma de jovens que tinha ido a um evento, uma rave no Rio Grande do Norte. Relataram que viajaram no mesmo ônibus com pessoas de outros estados e queriam fazer o teste, mas todos assintomáticos

Uma senhora que relatou que tinha chegado dos EUA domingo foi internada lá para tratar uma pneumonia, referindo sintomas de covid-19. Foi atendida e a conclusão foi pneumonia não curada.

Fora isso, há os casos de pessoas que se dizem trabalhar com turistas estrangeiros querendo fazer o teste para coronavírus, porque atuam com muitos turistas de Rio, São Paulo. Mas eles são tratados de acordo com os sintomas. Não tem teste para todos. Passo a informação para enfermeira da classificação, que repassa para o médico, que decide quem faz o exame.

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Reclamação da demora

Alguns idosos, por volta das 13h, reclamaram da demora no atendimento. Justamente na hora que os médicos estavam enviando os dados dos pacientes das coletas. Tem uma certa burocracia a ser seguida, e demora um pouco. Mas logo depois os ânimos se acalmaram e todos foram atendidos. Alguns desistiram do atendimento antes mesmo de entrar no serviço, quando eu dizia que o atendimento estava demorando um pouco, porque estávamos com casos suspeitos dentro do serviço.

Medo e precaução

Inicialmente, na semana passada, a disponibilização de máscaras N95 era só para quem iria fazer algum procedimento com paciente suspeito. Porém, ontem já foi disponibilizado para todos os funcionários.

O fato de estar no setor de triagem esse mês específico dá medo, sim.

Sempre soube e sempre me protegi por saber que nosso público não tem diagnóstico. Mas, diante dessa situação, o medo e a preocupação aumentam exponencialmente.

Meus pais são idosos, então estou restringindo minha visita aos dois. Reservei em casa uma área suja próximo à porta de entrada para colocar sapatos e roupas de trabalho assim que chego do trabalho. Muitos colegas preocupados, com medo por terem crianças, por morarem com os pais idosos e sem saber como os proteger