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Com ao menos 3700 em risco, RJ tem presos isolados com sintoma de corona

Vistoria em 2015 encontrou presos dormindo no chão de cela no Presídio Ary Franco - Reprodução
Vistoria em 2015 encontrou presos dormindo no chão de cela no Presídio Ary Franco Imagem: Reprodução

Igor Mello

Do UOL, no Rio

21/03/2020 04h00

Um dos epicentros no país da chegada da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, o Rio de Janeiro pode viver uma situação crítica em suas prisões: com cadeias superlotadas e insalubres, o estado já tem ao menos quatro casos suspeitos na população prisional.

Segundo dados do último Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), ao fim do primeiro semestre de 2019, o Rio tinha ao menos 3.793 detentos considerados grupo de risco para o coronavírus —idosos, gestantes e pessoas com doenças como tuberculose, AIDS, sífilis e hepatite.

Autoridades ouvidas pelo UOL dizem acreditar contudo que o número pode ser três vezes maior —superando a marca de 10 mil detentos em risco, cerca de 20% da população carcerária do Rio, que em fevereiro era de 52.920 pessoas.

Na última segunda-feira (16), quatro detentos da Cadeia Pública Milton Dias Moreira, em Japeri, na Baixada Fluminense, desenvolveram sintomas de coronavírus e foram levados para uma unidade de saúde na cidade. A informação foi revelada pelo site The Intercept Brasil e confirmada pelo UOL.

Embora não tenha sido comprovado que os presos tenham de fato a doença, eles estão sendo mantidos em isolamento. A Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) afirma que não há casos de coronavírus no sistema prisional. Até quinta-feira (19), nenhum outro detento ou funcionário da unidade teria desenvolvido sintomas, segundo uma fonte que atua no sistema prisional.

Defensoria quer presos em risco em regime domiciliar

O fato de haver transmissão comunitária no Rio —quando o vírus circula na população local e não é possível saber quem infectou um novo paciente— sinaliza para o risco da entrada em curto tempo do coronavírus no ambiente das cadeias, já superlotadas, insalubres e repletas de surtos de doenças como tuberculose, sarampo e hanseníase.

A prevenção de surtos de doenças contagiosas em prisões não visa apenas zelar pelos direitos humanos dos presos, mas também pela saúde de toda a população: especialistas afirmam que epidemias entre apenados aumentam a incidência dessas mesmas doenças fora dos muros. É o caso da tuberculose: o estado do Rio tem a segunda maior taxa de contaminados do país, em parte por conta da situação de contaminação de seus presos.

A iminência de um surto nas cadeias ligou um alerta nas autoridades. Na quarta-feira (18), a VEP (Vara de Execuções Penais) do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio) decidiu que presos que trabalham extramuros não precisam voltar às prisões para dormir por um prazo de 30 dias —a determinação é de que só deixem suas casas para ir até o emprego. Os detentos em regime aberto também poderão cumprir suas penas em regime domiciliar pelo mesmo período.

Apesar de elogiar a medida, João Gustavo Dias, subcoordenador do Nuspen (Núcleo de Sistema Penitenciário) da Defensoria Pública do Rio, diz que também é preciso afastar das cadeias os presos que têm maior risco de morrer com a covid-19. Haverá um mutirão para pedir à Justiça que essas pessoas passem para o regime domiciliar.

"A gente está fazendo um levantamento dos presos idosos e que têm doenças, que é o grupo prioritário. Estamos em um momento de caos, então temos que ter um esforço prioritário", explica. A Defensoria Pública também deve pedir medidas para beneficiar presos provisórios.

Idosos se concentram em presídio superlotado

Segundo Natália Damázio, integrante do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, as medidas recomendadas até aqui pela Seap para prevenir um surto de coronavírus são impossíveis de serem executadas nas prisões do Rio.

Presos durante revista no Presídio Ary Franco, em 2015 - Reprodução - Reprodução
Presos durante revista no Presídio Ary Franco, em 2015
Imagem: Reprodução

A superlotação torna inevitável o contato entre as pessoas. Além disso, as condições sanitárias são insalubres e o material de higiene pessoal necessário ainda não chegou nas prisões, segundo Natália.

"Não existe nenhuma medida adotada que a gente considere minimamente eficaz", enumera. "Não existe unidade salubre no Rio. Quando você coloca o dobro ou o triplo de presos em uma unidade, ela não vai suportar em termos estruturais. Não vai suportar o fornecimento de água, essencial para prevenção, por exemplo".

Segundo ela, a situação se agrava porque todos os presos idosos ficam detidos no Presídio Ary Franco, em Água Santa, zona norte do Rio. A unidade tem praticamente o dobro de presos que deveria abrigar —são 1.782 pessoas para 968 vagas, segundo vistoria feita pela VEP em fevereiro.

Além disso, a prisão tem péssimas condições de circulação de ar, celas subterrâneas, esgoto no meio das celas e problemas graves de limpeza. Esta semana, foi divulgado que a unidade tem ao menos 17 casos suspeitos de sarampo. A tuberculose também é uma realidade no Presídio Ary Franco.

"A gente não enxerga nenhuma forma de redução de danos dentro do sistema que não seja o esvaziamento e a retirada dos presos com maior risco à saúde no caso de covid", diz Natália.

Em nota, a Seap afirma que todos os presos que chegam ao sistema prisional estão sendo mantidos 14 dias em isolamento, para evitar contagiar outros detentos. Também afirma que "os equipamentos de proteção individual (luva, máscara e álcool em gel), que estão sendo adquiridos pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), chegarão às unidades prisionais da Seap nos próximos dias".