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Em meio a pandemia, academias militares mantêm alunos internados

Aviões na Academia da Aeronáutica: estudantes não podem deixar instituições de ensino - Ugo Soares/TV UOL
Aviões na Academia da Aeronáutica: estudantes não podem deixar instituições de ensino Imagem: Ugo Soares/TV UOL

Eduardo Militão e Constança Rezende

Do UOL, em Brasília

24/03/2020 04h00Atualizada em 24/03/2020 14h42

Resumo da notícia

  • Escolas e universidades suspenderam aulas por causa do coronavírus
  • Aulas seguem em academias militares, com alunos em internato
  • Pais e amigos reclamam que jovens não podem voltar para casa
  • Ministério da Defesa diz que a "tendência" é dispensar cadetes

As academias militares da Aeronáutica, Exército e Marinha têm mantido seus alunos — que vivem em regime de internato — nas instituições e não os liberam para voltar para casa. Ao contrário, escolas e universidades públicas e privadas suspenderam aulas para evitar a contaminação com a pandemia de coronavírus após ordem de decretos estaduais e municipais.

Para a manhã desta terça-feira (24), está previsto o retorno às aulas dos cerca de 700 cadetes da Academia da Força Aérea (AFA), em Pirassunga (SP). "Os cadetes continuam confinados no interior da AFA, e a previsão é de que assim seja mantido", diz e-mail divulgado ontem obtido pelo UOL.

Mães e amigos ligados aos alunos relataram à reportagem a preocupação com seus familiares, a falta de informações e o temor de que eles sejam contaminados com a covid-19. "Meu filho precisa estar com a família, assim como todos os outros", disse uma mãe ao UOL.

23.mar.2020 - Em mensagem de correio eletrônico de 23 de março de 2020, Academia da Força Aérea (AFA) informa que alunos permanecem "confinados" e que aulas presenciais serão retomadas mesmo com a pandemia de coronavírus - Reprodução - Reprodução
Aulas presenciais são retomadas para cadetes "confinados" na AFA
Imagem: Reprodução

A reportagem preservou o nome dos entrevistados para evitar represálias a oficiais, professores, alunos, servidores, amigos e familiares que aceitaram dar depoimentos. Procurados, as academias e comandos das Forças repassaram o caso ao Ministério da Defesa, que, num primeiro momento, afirmou que, gradualmente, a "tendência" seria liberar os alunos. Depois, informou que não há risco para saúde dos cadetes e que eles estariam mais protegidos dentro das academias. (veja mais abaixo).

Na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ), onde estudou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), os alunos continuavam no local, segundo informaram fontes ligadas à instituição. Uma delas disse que persistem as aulas presenciais.

Pais e comunidade se queixam nas redes sociais

Menores estão aquartelados, denunciam professores

Dois professores que lidam com alunos da Marinha contaram ao UOL que até menores de idade estão aquartelados nas instituições de ensino.

O problema é semelhante em sete instituições de ensino da Marinha, relatou a dirigente do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasef), Elenira Vilela. Ela disse ao UOL que, nesses locais, as aulas estão mantidas, incluindo no Colégio Naval e nas escolas de aprendizes.

Só na Escola de Aprendizes Marinheiros de Florianópolis (SC) há cerca de 400 pessoas na comunidade escolar. Os estudantes, em regime de internato, não podem sair: "Não, pelo contrário, estão aquartelados", denunciou Elenira.

Eles não podem deixar o local por 15 dias, segundo ela. Muitos estudantes ingressam com 17 anos, mas a maioria já seria maior de idade, segundo a sindicalista.

Nesta terça-feira (24), todos os professores, alunos e servidores deverão estar na instituição, apesar das ordens contrárias de prefeituras e governos estaduais.

Elenira gravou um vídeo na internet denunciando o caso. O sindicato diz que vai acionar o Ministério da Defesa e o Ministério Público.

Todos nós temos que batalhar pela vida, e todas as vidas importam"
Elenira Vilela, diretora de sindical

Sob anonimato, um professor do Colégio Naval, de Angra dos Reis (RJ), disse que quase 600 alunos estão aquartelados. A instituição é de ensino médio. "São quase 600 alunos em regime de internato, a maior parte menor de idade", reclamou o docente. "Estão aquartelados desde segunda-feira [da semana] passada [16] por pelo menos duas semanas."

Na Aman, uma fonte contou que as aulas presenciais prosseguem e que é impossível questionar a direção da instituição ou os Comandos Militares sem sofrer represálias.

Na Aman, educação física coletiva todo dia

Por outro lado, a Escola Naval liberou os alunos para voltar para casa. Uma fonte disse que o Instituto Militar de Engenharia (IME) tomou a mesma atitude.

Outra pessoa ligada à Aman disse que "o possível" está sendo feito para evitar a contaminação pelo coronavírus. De acordo com essas pessoas, há aglomeração de pessoas em aulas diárias de educação física, além de formaturas e refeições coletivas.

Academia da FAB já teve surto de sarampo

Uma pessoa da direção da AFA, em Pirassununga, destaca que a instituição foi vítima de um surto de sarampo há poucas semanas. Agora, o problema se repete.

Em redes sociais, a comunidade da região mencionou o problema ao criticar o confinamento em meio à pandemia de coronavírus. "Os meninos não estão seguros se ficarem presos, e todos os outros funcionários entram e saem normalmente", disse uma mulher. "Não podemos esperar acontecer igual [aconteceu com] o sarampo."

Na semana passada, os alunos da Academia da Força Aérea não tiveram aulas por receio do coronavírus. Mas agora devem retomar, de acordo com comunicado distribuído na tarde de segunda-feira pelo major Camilo Freitas, da Subdivisão de Instrução Científica.

Uma mãe de aluno garantiu à reportagem que não possui contato por celular ou computador com seu filho confinado. Moradora de São Paulo, ela afirma que tentou telefonar várias vezes para a direção, mas não recebe informações. A mãe teme pela saúde do filho: "Essa epidemia é um caos".

Visitas foram proibidas em Pirassununga

Há uma semana, a AFA proibiu as visitas aos cadetes por causa da pandemia de covid-19. "Informamos que o serviço de visitação (particular e institucional) à AFA está suspenso por tempo indeterminado", diz o comunicado, publicado em rede social. "A suspensão atende à adoção de medidas temporárias e emergenciais para a prevenção de contágio pela covid-19 (Coronavírus)."

A amiga de um aluno disse duvidar da medida tendo em vista que seu colega e os amigos dele não podem sair do local, ao contrário de professores e servidores e oficiais. "Se fosse realmente uma medida de segurança, acho que não deveria ser permitido o acesso de outras pessoas do meio de fora", escreveu ela ao UOL.

Na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar), em Barbacena (MG), houve aulas na manhã desta terça-feira (24), de acordo com fotografia enviada à reportagem por uma pessoa da instituição. A imagem mostra aglomeração de estudantes uniformizados e militares na instituição.

Não existe risco para os estudantes, garante Defesa

Por telefone, a assessoria do Ministério da Defesa contou ao UOL, na segunda-feira (23), que, "a tendência é dispensar" os estudantes. Também afirmou que algumas instituições já tinham feito isso. Segundo Elenira Vilela, a Escola Naval era a única organização de ensino da Marinha que, até agora, havia liberado os estudantes.

Nesta terça-feira (24), a Defesa enviou nota à reportagem em que garante não haver risco para a saúde dos estudantes das academias militares. A pasta disse que "compreende" a preocupação dos familiares. E afirmou que os cadetes estão mais seguros dentro das instituições do que nas casas deles.

O Ministério da Defesa tem plena convicção de que a permanência dos militares nos cursos, em regime de internato, não representa risco à saúde desses alunos, permitindo sim maior preservação da saúde do grupo"
Nota do Ministério

A pasta disse que "reitera o compromisso das Forças Armadas com a preservação da saúde de seus integrantes e com a manutenção da sua capacidade de combate".

Veja a íntegra da nota do Ministério da Defesa

"O Ministério da Defesa reitera o compromisso das Forças Armadas com a preservação da saúde de seus integrantes e com a manutenção da sua capacidade de combate, especialmente diante do desafio atual da pandemia Covid-19.

Deste modo, os diversos estabelecimentos de ensino das Forças Armadas, observando sempre as diretrizes do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), tem adotado procedimentos compatíveis com seus respectivos cursos.
De maneira geral, os cursos de formação, que são normalmente conduzidos em caráter de internato, permanecem em andamento, sendo tomadas todas as medidas necessárias a assegurar a saúde de seus integrantes.
Ressalta-se que tais cursos têm como alicerce didático, normativo e legal a modalidade de ensino sob o regime de internato, transparentemente difundido por meio de seus editais de convocação, durante o processo voluntário de seleção para ingresso.
Além disso, tanto o corpo de docentes quanto os alunos com eventual suspeita de exposição ao novo coronavírus ou com quaisquer sinais da doença são prontamente avaliados e, caso a avaliação revele que houve exposição ao vírus, são prontamente colocados em isolamento e tratados também conforme as orientações do Ministério da Saúde.
Destaca-se, ainda, que os alunos dos cursos de formação, de maneira geral, são jovens, que foram submetidos, muito recentemente, a rigorosas avaliações médicas (requisito para a própria matrícula nos respectivos cursos), representando, portanto, a parcela da população menos sujeita aos efeitos do coronavírus.
Assim, o Ministério da Defesa, apesar de compreender a preocupação de alguns familiares, tem plena convicção de que a permanência dos militares nos cursos, em regime de internato, não representa risco à saúde desses alunos, permitindo sim maior preservação da saúde do grupo, além de assegurar que as Forças Armadas possam continuar a cumprir sua missão e seu compromisso com o País, inclusive no próprio combate ao novo coronavírus.
Atenciosamente,
Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Defesa"