Coronavírus: Idosos acompanham enterro da filha a 20 metros de distância
A última vez que os pais viram pessoalmente a filha, a técnica de laboratório Adelita Ribeiro, 38, foi no dia 30 de março, data em que ela foi internada no Hospital do Coração, em Goiânia, com suspeita de estar com o novo coronavírus.
O resultado positivo do exame saiu na sexta-feira (3). Até ontem, ela permanecia hospitalizada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e chegou a apresentar melhoras um dia antes, mas faleceu, após sofrer parada cardiorrespiratória. Segundo a família, ela não tinha doenças crônicas.
A imagem que restou aos pais, ontem, foi do caixão da filha sendo enterrado em um sepultamento feito às pressas e visto por eles a 20 metros de distância.
O casal de idosos Ataliba Ribeiro de Oliveira e Nair Luciano da Silva Oliveira tem mais de 65 anos de idade e pertence, portanto, ao grupo de risco da covid-19.
Eles moram em Itapaci, cidade onde Adelita nasceu e que fica a 235 quilômetros de Goiânia.
Nos últimos dias, porém, estavam hospedados na casa da filha, na capital do estado, e tiveram contato com ela no período assintomático da doença.
Desde então, eles estão sendo monitorados por profissionais de saúde, mas não apresentaram nenhum sintoma. Ontem, fizeram questão de acompanhar o enterro da filha, após o choque da notícia, e foram levados por um primo de Adelita até a cidade de Goianápolis, a 48 quilômetros de Goiânia.
Todo o trâmite de liberação do corpo, documentação e acompanhamento das informações no hospital sobre o estado de saúde de Adelita, no período de internação, foi feito por uma prima, a agente de trânsito Maria Cláudia de Miranda Silva.
A tarefa foi dada a ela para resguardar os idosos da família. Ontem pela manhã, foi ela quem recebeu a notícia do falecimento, praticamente, do lado de fora do hospital.
Integrantes da equipe médica, segundo Maria, foram até a porta de vidro na entrada da unidade hospitalar para informá-la do ocorrido. "Temos de evitar entrar em hospitais nesse momento", explica ela.
Em vídeo publicado nas redes sociais, logo após a notícia, Maria Cláudia relatou o drama da família e alertou: "Não ache que esse vírus é brincadeira. Fique em casa".
Ao UOL, a agente de trânsito contou como foi todo o processo. A família precisou optar pelo sepultamento em Goianápolis, diante do interesse natural por Itapaci, por ser mais próxima de Goiânia e para evitar o tempo maior de deslocamento do caixão.
A mãe de Adelita tem parentes no município e, além disso, já existia um jazigo pronto da família.
Apesar do cumprimento da norma de manter distância do local de enterro, só os pais de Adelita e o primo que os levou puderam estar presentes. Ela era a caçula de dois irmãos, não tinha filhos e morava sozinha em Goiânia.
O irmão mais velho mora em Portugal, país que também está enfrentando período de quarentena, e ele não conseguiria, portanto, chegar a tempo.
"Foi tudo muito doloroso. Ninguém pôde vê-la, na verdade. A própria funerária estava preocupada com o procedimento. O pessoal já levou o caixão para o hospital, colocou ela dentro do jeito que estava lá mesmo, lacrou e levou para Goianápolis. Chegando lá, não passou de 20 minutos tudo. A cova já estava aberta esperando", conta Maria.
Não se sabe como foi o contágio
O último plantão dela foi no dia 27 de março. Ela chegou a ir trabalhar no dia 30, mas passou mal, teve uma queda brusca de pressão e foi internada no local. A família e os médicos não sabem identificar ao certo como ela teve contato com o novo coronavírus, se foi ou não nas unidades de saúde onde trabalhava, até porque o contexto em Goiânia, assim como no restante do país, já é de transmissão comunitária. Apesar disso, a atenção foi redobrada nos dois locais.
Na sexta-feira, a notícia recebida por ela do hospital foi de que a prima tinha apresentado melhora, aberto os olhos e tentado conversar, depois de ter sido entubada na quinta-feira (2), em virtude do acirramento do quadro respiratório.
A piora, no entanto, foi rápida. Em menos de 24 horas, ela teve parada cardiorrespiratória. Os médicos tentaram reanimá-la, mas Adelita não resistiu.
"Ela era saudável, não tinha nenhuma doença, estava fora do grupo de risco, mas, para esse vírus, não tem idade. Não é só idoso. Ele não está escolhendo idade", diz Maria Cláudia.
Essa foi a terceira morte confirmada em Goiás, em decorrência do novo coronavírus, a primeira de uma pessoa profissional da saúde. O Estado possuía, até a noite de ontem, 103 casos confirmados de pessoas com covid-19.
"Ela morreu fazendo o que gostava"
Adelita era técnica de enfermagem e de laboratório e atuava nas redes pública e privada de saúde, em Goiânia. Como técnica de enfermagem, ela trabalhava no Centro de Assistência Integral à Saúde (Cais) Novo Mundo e, como técnica de laboratório, integrava a equipe de coleta do Hemolabor, que funciona dentro do Hospital do Coração, onde ela foi internada.
No mês passado, ela participou de uma foto com colegas de trabalho, na qual cada um aparece segurando uma folha com uma palavra impressa e formando a frase: "Estamos aqui por você. Fique em casa por nós", em alusão ao momento de pandemia.
No Hemolabor, cinco colegas que integravam a equipe de Adelita foram afastados, submetidos a exames e três deles deram positivo para covid-19, embora estejam assintomáticos, até então. Eles seguem em observação. Os servidores que atuam no Cais onde ela trabalhava também estão sendo monitorados. Até ontem, um havia apresentado sintomas suspeitos da doença.
A secretária municipal de Saúde de Goiânia, Fátima Mrué, escreveu uma carta aos servidores do município, lamentando o ocorrido. "Demonstrando amor à profissão e ao próximo, ela serviu à sociedade ao exercer seu trabalho com dignidade e coragem", pontuou. E Adelita amava o que fazia. A prima Maria Cláudia conta que era até difícil de encontrá-la, pois ela trabalhava bastante. "Ela morreu fazendo o que gostava", afirma. O Sindicato dos Servidores da Saúde de Goiás (Sindisaúde/GO) também expressou o pesar por meio de nota.
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