Topo

Entre vírus e fome: pobres vão às ruas por doações e esperam apoio federal

Grupo de mulheres com crianças vai às ruas de Maceió para pedir ajuda, em tempos da crise gerada pelo coronavírus - Carlos Madeiro / Colaboração para o UOL
Grupo de mulheres com crianças vai às ruas de Maceió para pedir ajuda, em tempos da crise gerada pelo coronavírus Imagem: Carlos Madeiro / Colaboração para o UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

05/04/2020 04h00

Ainda era madrugada de terça-feira (31) quando um grupo com oito mulheres e três crianças pequenas saía às ruas de Maceió, em busca de ajuda. A crise gerada pela covid-19 tem levado famílias muito pobres a passar por uma dificuldade ainda maior.

Para o grupo que foi às ruas, aquilo era um pedido de socorro. "Estamos passando muita dificuldade! Tem criança pequena, somos obrigadas a sair de casa para pedir, porque lá não temos nada para comer", conta Sandra da Silva, 41, moradora do bairro da Levada e mãe de dois filhos — um deles com dois anos, que a acompanhava).

Sandra relata ser impossível manter isolamento social com fome. "Eu não tinha outra escolha, moço. Se é para tentar comida, temos de nos arriscar."

E a ajuda do governo?

As mulheres do grupo estão cientes de que existe uma ajuda emergencial, prometida pelo governo federal, de R$ 600 por três meses — a proposta estabelece que, se a mãe de família for a única trabalhadora e responsável pelo lar, terá direito ao valor de R$ 1.200 mensais. Entretanto, elas não sabem quando esse dinheiro virá.

Elas comentam que famílias inteiras perderam suas pequenas rendas e não podem aguardar mais. Sem opção, vivem hoje graças às doações que recebem.

Sandra da Silva, 41, moradora do bairro da Levada, com seu filho - Carlos Madeiro / Colaboração para o UOL - Carlos Madeiro / Colaboração para o UOL
Sandra da Silva, 41, moradora do bairro da Levada, sai com seu filho em busca de ajuda
Imagem: Carlos Madeiro / Colaboração para o UOL
Sandra vende água mineral na região do centro da capital alagoana, mas, como o comércio está fechado, não está trabalhando neste momento. "Estamos desempregados, sem suporte e sem renda", lamenta.

A realidade dela é a mesma de tantas outras famílias pobres, que vivem na informalidade e precisam de apoio para sobreviverem ao isolamento social e fechamento do comércio.

Sirleide dos Santos, 22, é vendedora ambulante. Ela e o marido vendiam quentinhas no centro de Maceió, mas foram dispensados porque o restaurante para o qual prestavam o serviço parou de funcionar.

"A nossa sorte é que algumas pessoas ajudam: uns nos dão uma quentinha, outros um alimento para fazer. Não fosse assim, a gente passaria fome", revela Sirleide, citando que a pequena aglomeração para pedir dinheiro é estratégica. "Se a gente se junta em grupos, as pessoas doam mais."

ONG disponibiliza torneiras a moradores

Por volta das 9 horas, o grupo chegou à porta da ONG Manda Ver, no bairro do Vergel do Lago, para pedir ajuda. Lá, as mulheres e crianças receberam doações de roupas que acabaram de ser entregues por um voluntário. Alimentos, entretanto, não havia.

A ONG presta uma série de serviços à comunidade da orla lagunar de Maceió. Na sede da organização, duas torneiras foram instaladas em paredes externas para que os moradores possam lavar as mãos. "Instalamos porque sabemos que as pessoas precisam se prevenir, mas não têm água em casa, nem condições de comprar material", afirma Carlos Jorge, diretor e fundador da ONG que atua na região.

Segundo ele, desde que começou a crise causada pelo isolamento social, já foram doadas 700 cestas básicas pela entidade nas favelas existentes na orla lagunar. "A meta é chegar a 1.000 até sábado", pontua.

Cortes no Bolsa Família

Entre os moradores da comunidade, há uma reclamação geral na demora do socorro prometido pelo governo.

"Aqui são 3.000 moradores, todo mundo com dificuldade e sem trabalhar, porque a lagoa parou sem gente [de fora]. A situação é crítica, estamos tendo ajuda só da ONG. É a única assistência que a gente tem, para evitar que a fome bata. Não chegou nada de governo federal, estadual e prefeitura", conta a líder comunitária Leonora Herculano Dias, 45.

"Isso tem que ser para já. Se demorar mais, a gente não aguenta e vai para rua", acrescenta.

Não bastasse a crise atual que fez com que todos perdessem a renda oriunda das vendas informais de peixes e mariscos, moradores da orla lagunar relatam que cortes nos últimos meses atingiram beneficiários do programa Bolsa Família.

"A maioria das famílias me procurou, em algum desses meses, dizendo que teve bloqueio no benefício. Fica difícil para a gente que é pobre", lamenta Leonora.

Pescador Genival dos Santos, que mora na favela Mundaú, recebe doação de cesta básica - Carlos Madeiro / Colaboração para o UOL - Carlos Madeiro / Colaboração para o UOL
Pescador Genival dos Santos, que mora na favela Mundaú, recebe doação de cesta básica
Imagem: Carlos Madeiro / Colaboração para o UOL

No barraco do pescador, Genival dos Santos, 57, que mora na favela Mundaú, diz que não havia mais comida naquela terça-feira (31). Para sua sorte, uma cesta básica doada o salvou de passar ainda mais dificuldades.

"Estou há 15 dias sem trabalhar, passando total necessidade. Com esse vírus está tudo parado. Não fosse essa doação, teria de pedir ajuda", revela o homem, que não é beneficiário do Bolsa Família. " Nunca havia precisado, mas agora preciso", finaliza.