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Prefeito de Manaus: 'Tive medo de decretar lockdown e sair desmoralizado'

Alex Tajra e Carlos Madeiro

Do UOL, em São Paulo e em Maceió

18/05/2020 16h19

O prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), afirmou hoje que ficou com "medo de decretar lockdown" —medidas restritivas radicais para manter o isolamento e tentar reduzir a curva de contaminação da covid-19— na cidade e "sair desmoralizado".

Em participação hoje no UOL Entrevista, Arthur Virgílio relatou resistência do comércio para o fechamento de estabelecimentos não essenciais e citou o crime organizado ao justificar o porquê de não ter adotado o bloqueio radical.

"O governador Flávio Dino (PCdoB) [Maranhão] diz que não dava resultado imediato. Tudo que eu sabia, e não fiz lockdown, porque aqui tem um tráfico de drogas pesado, com predomínio do Comando Vermelho sobre as demais, o PCC quase se retirou. Eu não sei o que eles não fariam para provocar um confronto de mortes civis."

O estado vive um embate entre diferentes facções criminosas por conta das disputas relacionadas a rotas do tráfico. O Comando Vermelho, que atualmente rivaliza com o PCC (Primeiro Comando da Capital), fez uma aliança com a FDN (Família do Norte). Uma divisão na FDN, no entanto, a afastou do CV —a cisão na facção teria provocado a morte de 55 detentos em maio de 2019.

Na pandemia, a capital amazonense foi uma das primeiras a enfrentar colapso no sistema de saúde. O problema atingiu os cemitérios municipais, que abriram covas após registrarem uma média de sepultamentos quatro vezes maior do que a média histórica de 30 sepultamentos por dia.

Segundo Virgílio, quase todos os leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do estado e da capital estão ocupados, mas Manaus tem, no momento, uma situação "menos complicada".

"Quando você vê o interior do interior do AM, vê pessoas que estão em outro mundo. É uma covardia não fazermos bem para essas pessoas. Eu estranho esses dados. Pra mim, a tendência é morrer muito mais gente no interior", explicou. Segundo o prefeito, casos afastados dos centros representam a maior parcela das subnotificações.

Falo ao governador [Wilson Miranda Lima, do PSC]: o interior vai explodir

A prefeitura também tem adotado uma forma diferente de outras capitais para informar às pessoas o número de vítimas do novo coronavírus. Diariamente, publica um "informe funerário", que mostra todas as mortes registradas nos cemitérios públicos e privados. Ontem, houve 65 mortes nos cemitérios, sendo que apenas nove pessoas tiveram no atestado a confirmação para covid-19.

A gente fez tudo, sem o condão de adivinhar de que seria uma coisa tão feroz. Nossos primeiros enterros foram atabalhoados, mas oferecemos o hospital de campanha, e as pessoas mais ricas querem ir para lá. A gente cometeu erros, mas com boa intenção

Virgílio ainda contou que fez uso de publicidade "para chocar" a população e tentar convencê-la a ficar em casa. "Procuramos sempre o caminho do convencimento, até com peças muito duras. 'Você pode ser esse aqui'; 'Você saiu sem máscara?' e do lado um caixão. Uma coisa muito dura", disse.

Bolsonaro 'corresponsável' por mortes e 'teste fajuto'

Na entrevista, o prefeito de Manaus afirmou que o presidente Jair Bolsonaro, por conta de seu discurso contrário ao isolamento, é "corresponsável" pelas mortes causadas pela covid-19.

"Acho que ele é corresponsável, sim. Se ele fez as pessoas irem para a rua e a maior defesa é o isolamento social", disse. "Ele colaborou para entupir hospitais, para mortes de pessoas", acrescentou.

Sem apresentar provas, Virgílio contestou o teste para covid-19 realizado pelo presidente, apresentado após uma ação judicial movida pelo jornal O Estado de S. Paulo.

"Aqui para nós, eu desconfio muito desse teste dele, me pareceu fajuta. É sangue de outro ali. (...) Ele hesitou demais [em apresentar o exame]. Se perguntar pra mim, você tem covid? Eu falo não, já fiz mil testes e não tenho covid. É muito esquisito o presidente da República, que deve dar o exemplo da coragem e da transparência, não dar o exame dele", disse o prefeito de Manaus.

Cloroquina não é 'panaceia'

Questionado sobre o uso da cloroquina no tratamento para a covid-19, substância que vem sendo alvo de disputa entre Bolsonaro e os ex-ministros da Saúde que trabalharam durante a pandemia (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich), o prefeito de Manaus se mostrou cético ao tratamento. O presidente, mesmo sem qualquer estudo demonstrando a eficácia da substância, defende o uso dela contra o coronavírus.

"Ela é muito boa para lúpus e para malária. Mas não tem nenhuma comprovação de que ela é uma coisa realmente boa para isso aí [covid-19]. (...) Eu não vejo que seja a salvação da lavoura, acho que outros ingredientes que estão sendo utilizados [podem ajudar], a começar pelo tomógrafo", disse Virgílio.

Veja a seguir a íntegra da entrevista de Arthur Virgílio ao UOL: