Em nova diretriz, sociedades médicas do país recomendam não usar cloroquina
Resumo da notícia
- Documento assinado por 27 especialistas afirma que "não há indicação de uso de rotina de hidroxicloroquina, cloroquina" e outras substâncias
- Há ausência de resultados satisfatórios com o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, dizem os médicos
- O uso da coloroquina pode ser considerado "somente em pacientes graves ou críticos, hospitalizados"
- Jair Bolsonaro tem defendido uma mudança no protocolo do Ministério da Saúde, pois aposta no uso mais amplo do remédio
Um protocolo conjunto assinado pelas três sociedades médicas ligadas diretamente às áreas de tratamento da covid-19 informa ter chegado a um consenso para não recomendar o uso de cloroquina, hidroxicloroquina e outros medicamentos como rotina durante o tratamento de pacientes diagnosticados com o novo coronavírus.
O documento foi produzido por 27 especialistas e é chamado de "Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da COVID-19. Consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira [AMIB], da Sociedade Brasileira de Infectologia [SBI] e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia [SBPT]".
O UOL teve acesso ao documento, publicado hoje no site da AMIB, no qual são feitas 11 recomendações para não uso, em rotinas, desses fármacos, cujas aplicações são "embasadas em evidência de nível baixo ou muito baixo".
O documento é enfático, logo em sua introdução, sobre o uso da medicação. "Não há indicação de uso de rotina de hidroxicloroquina, cloroquina, azitromicina, lopinavir/ritonavir, corticosteroides ou tocilizumabe [anticorpo que bloqueia a ação de uma proteína responsável por causar inflamação crônica] no tratamento da covid-19", aponta. Na bibliografia, constam 79 publicações nacionais e internacionais de estudos e pesquisas sobre o tema.
Segundo o protocolo, uma das poucas recomendações rotineiras de medicação é o uso da heparina [um anticoagulante] "em doses profiláticas [ou seja, preventivas] no paciente hospitalizado, mas não deve ser realizada anticoagulação na ausência de indicação clínica específica".
A conclusão do estudo é de que, até o momento, "não há intervenções farmacológicas com efetividade e segurança comprovada que justifique seu uso de rotina no tratamento da covid-19".
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem defendido uma mudança no protocolo do Ministério da Saúde, pois aposta no uso mais amplo do remédio, justificando-o por sua eficácia contra outros quadros. O ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, discorda do presidente e pediu demissão do cargo na semana passada.
Também na semana passada, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, classificou como "um milagre" a suposta cura de pacientes pelo uso da cloroquina em Floriano (PI), mas o médico responsável negou a eficácia do remédio.
Sem benefício clinicamente significativo
Segundo as diretrizes, a cloroquina e a hidroxicloroquina não devem ser utilizadas como rotina de tratamento, devido à ausência de resultados satisfatórios com a droga até o momento. Não foram identificados estudos em que o uso da cloroquina tenha demonstrado "melhora clínico-radiológica ou melhores taxas de negativação viral em sete dias".
Diante dos dados analisados, "o painel de recomendações entendeu que as evidências disponíveis não sugerem benefício clinicamente significativo do tratamento com hidroxicloroquina ou com cloroquina".
"Houve entendimento de que o risco de eventos adversos cardiovasculares é moderado, em especial de arritmias. Até o momento, os estudos comparados existentes avaliaram pacientes hospitalizados somente, não havendo base para seu uso ou não em pacientes ambulatoriais", pontua o documento produzido por 27 especialistas.
Uso em pacientes graves e hospitalizados
Para os médicos, o uso da coloroquina pode ser considerado pelo médico mediante decisão compartilhada entre o profissional e o paciente, mas "somente em pacientes graves ou críticos, hospitalizados, com monitorização frequente e evitando medicamentos concomitantes", e seu uso preferencial "deve ser realizado mediante protocolos de pesquisa clínica".
O protocolo também não recomenda o uso combinado da cloroquina com a azitromicina — essa combinação vem sendo aplicada quando surgem os sintomas da covid-19.
Já quanto ao uso de antibacterianos e oseltamivir, o consenso dos médicos é de que "devem ser considerados somente nos pacientes em suspeita de coinfecção bacteriana ou por influenza, respectivamente".
Também não são sugeridos corticoides. "Não foram encontrados ensaios clínicos avaliando especificamente o uso em pacientes com COVID-19. Quatro estudos observacionais relataram que o uso de corticoides durante a hospitalização está associado a um aumento de mortalidade; esses estudos combinavam população de pacientes hospitalizados, mas com heterogeneidade na manifestação clínica", aponta.
Com as diretrizes, os médicos esperam contribuir para uma uniformização maior dos tratamentos no combate à covid-19.
"Esperamos nortear as práticas clínicas dentro do contexto nacional, reduzindo a variabilidade nas condutas tomadas. Além da evidência disponível na literatura científica, as recomendações levaram em consideração aspectos pertinentes para a realidade brasileira como, por exemplo, a disponibilidade dos medicamentos no contexto nacional (seja por fins regulatórios ou de acesso), a aceitabilidade das intervenções por parte da população e dos profissionais de saúde e custos associados à sua utilização", acrescenta o protocolo.
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