Covid mata 55% dos negros e 38% dos brancos internados no país, diz estudo
Mais da metade dos negros que se internaram em hospitais no Brasil para tratar casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), com confirmação de covid-19, morreu.
Esta é a constatação de uma nota técnica assinada por 14 pesquisadores do NOIS (Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde) da Puc (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, em que foram analisados 29.933 "casos encerrados" de covid-19 (ou seja, com óbito ou recuperação). Dos 8.963 pacientes negros internados, 54,8% morreram nos hospitais. Entre os 9.988 brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.
O estudo foi feito com base nos dados divulgados pelo Ministério da Saúde até o dia 18 de maio. Há também indígenas (54 internados, sendo 38 óbitos) e amarelos (305 internados, com 146 óbitos); 10,6 mil pessoas tiveram a raça ignorada ou não preenchida no momento da internação.
A maior diferença ocorre entre pessoas de 30 a 39 anos, em que negros têm 2,5 vezes mais chances de morrer em uma internação por SRAG do que brancos internados. Entre idosos com mais de 90 anos, a diferença de mortalidade é a menor: apenas 5% a mais entre negros.
Para Silvio Hamacher, coordenador do NOIS, há duas hipóteses que podem ajudar a explicar essa diferença de letalidade: "questões biológicas ou ambientais e socioeconômicas", diz o pesquisador.
"Nós acreditamos que a segunda hipótese é prevalente, mas as questões biológicas também podem responder por uma parcela do excesso da letalidade de pardos e pretos. Nossa opinião é corroborada por alguns estudos científicos", afirma Hamacher, citando um artigo publicado na revista científica The Lancet, intitulado "Aprimorando o foco global em etnia e raça na época da covid-19".
Para a doutora em Saúde Pública e professora e pesquisadora da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Emanuelle Góes, vários contextos contribuem para que o novo coronavírus seja mais letal entre negros. "Negras e negros sofrem o impacto do racismo estrutural, e com isso apresentam os piores indicadores sociais e de saúde. Neste sentido o cenário já é desfavorável", explica.
Outro dado que chama a atenção na pesquisa é que, entre os brancos, somente a partir dos 70 anos é que a internação por covid-19 resulta em mais mortes do que cura dos pacientes. Entre os negros, isso ocorre já a partir dos 60 anos.
Escolaridade e IDH
Hamacher pondera que a pesquisa também fez análises conforme outros subtipos, como escolaridade da pessoa e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do município onde foi internada.
"As chances de morte pela covid-19 em hospitais em municípios de IDH médio é de 64,3%, enquanto que nos municípios com o IDH mais elevado cai para 32,9%. A diferença é ainda maior em relação à escolaridade: as chances de morte para uma pessoa sem escolaridade [71,3%] são quase três vezes maiores que para pacientes com nível superior [22,5%]", explica.
De acordo com a nota técnica publicada pela PUC-Rio, pretos e pardos apresentaram maior percentagem de óbitos em relação aos brancos em todos os níveis de escolaridade. "Pretos e pardos sem escolaridade mostraram uma proporção quatro vezes maior de morte do que brancos com nível superior (80,35% contra 19,65%)."
"Infelizmente, [a pesquisa] confirma o que já sabemos: a desigualdade social tem impacto direto nos óbitos entre os mais pobres e com menor escolaridade", comenta Hamacher.
A doutora Góes argumenta que pretos e pardos estão mais expostos, o que contribui para maior letalidade. "Eles são maioria no mercado informal e no trabalho de serviços gerais e domésticos. A população negra também apresenta as maiores proporções de doenças do grupo de risco, a exemplo da diabetes e da hipertensão", finaliza.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.