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Por que nova contagem do governo reduz muito mortes diárias divulgadas

Ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, em Brasília -
Ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, em Brasília

Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio

09/06/2020 14h17Atualizada em 09/06/2020 18h41

Resumo da notícia

  • Ministério adotará os óbitos em suas datas de ocorrência, sem incluir no número diário os registros atrasados de dias anteriores
  • Método reduzirá número de mortes diárias porque a maioria notificada é de dias anteriores
  • 61% das mortes registradas nos dias de março a maio eram de dez dias anteriores; minoria era da véspera
  • País não tem capacidade para fazer testes em 24 horas na maioria dos laboratórios para notificar mortes no mesmo dia
  • Ministério da Saúde alega que medida permite panorama mais realista da epidemia

O Ministério da Saúde decidiu mudar a forma de divulgação das mortes diárias por coronavírus no país: adotará os óbitos em suas datas de ocorrência, sem incluir no número diário os registros atrasados de dias anteriores. Isso causará queda significativa no total de mortes registrado no boletim diário, porque há atrasos nos testes no país.

O Brasil não tem conseguido entregar os resultados diários de testes em menos de 24 horas. Especialistas apontam que a minoria dos casos registrados de covid-19 nos boletins divulgados pelos estados e pelo governo federal ocorreu no dia ou na véspera do boletim.

Levantamento do Observatório Covid-BR, que reúne universidades de São Paulo, estimou que 61% das mortes por coronavírus levaram mais de dez dias para serem notificadas nos meses de março, abril e maio.

Na semana passada, quando houve recorde de registros de mortes diárias por covid-19, verificou-se um movimento no governo federal para alterar os dados de acompanhamento da epidemia. Primeiro, a divulgação foi atrasada para as 22h, após o horário dos telejornais. Depois, foi articulada a mudança de critério na contagem das mortes.

Em entrevista na sexta-feira (5), o presidente Jair Bolsonaro afirmou: "Ontem [quinta-feira], praticamente dois terços dos mortos eram de dias anteriores. Tem que divulgar o [número] do dia. O resto consolida para atrás", disse ele.

Ontem, o Ministério da Saúde informou que "a pasta, em adicional às informações divulgadas atualmente, em nova plataforma interativa, deve apresentar também os óbitos em suas datas de ocorrência. Atualmente, são divulgados os resultados laboratoriais notificados diariamente, independente do dia do falecimento do paciente. Há casos de resultados laboratoriais de mortes registradas há semanas, mas que contam para a contabilidade do dia."

Inicialmente, também seria excluído o total de casos do painel da pasta. Na noite de ontem, o Ministério da Saúde informou que, em nova plataforma interativa, deve apresentar também os óbitos em suas datas de ocorrência. O novo critério ainda não foi completamente implantado.

Queda abrupta de mortes X Dados atrasados

Um gráfico desenvolvido pelo Observatório Covid-BR mostra como há números muito mais baixos para mortes nos dias mais recentes em decorrência desse atraso. Assim, pelo gráfico, parece que a pandemia está diminuindo, quando na realidade os dados estão atrasados.

"Com essa nova metodologia, vai cair o número de mortos por dia, como alertamos antes, porque o sistema demora a contabilizar o total de óbitos devido aos atrasos das notificações. Seria importante informar que ocorreram tantos óbitos no dia e qual dado está sendo divulgado. O melhor acompanhamento é ser transparente e completo", afirmou o físico doutorando em Física Teórica pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), Rafael Lopes, que trabalhou neste gráfico.

Para se ter ideia, um boletim divulgado pelo Ministério da Saúde no dia 3 de junho, às 10h, mostra 17 mortes naquele dia, e 115 óbitos no dia anterior. Somados os dois números em um período de 24 horas, já que o boletim foi publicado pela manhã, seriam 132 mortes naquele dia. Em comparação, o ministério notificou 1.381 óbitos em 24 horas naquele boletim de 3 de junho. Ou seja, o novo cálculo do governo divulgaria um número de óbitos que representa um décimo do registrado pelo método atualmente.

Um boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, de 25 de maio, mostra que 30% das mortes registradas (cem óbitos) tinham ocorrido nos três dias anteriores. Se for considerado apenas o dia 25, foram 13 mortes. Em comparação, foram divulgados na época 327 óbitos neste dia.

O motivo para o atraso é que os laboratórios pelo Brasil não têm como entregar os resultados de testes no mesmo dia em que recebem as amostras. Em São Paulo, há a orientação de entregar os resultados entre 24 e 48 horas —e é um dos estados que têm atuado com mais rapidez.

Um exemplo é o laboratório da Unicamp, responsável por analisar exames de Campinas e de outras cidades da região, que é rápido e entrega os testes, em média, em 24 horas. Mas é impossível processar os resultados no mesmo dia.

"A gente só recebe amostra de manhã, prepara todas e roda durante o dia. Não chegam testes de domingo e de sábado. O problema é ficar recebendo teste o dia todo, porque o laboratório não anda. Para sábado e domingo é preciso fazer outro tipo de ação", afirmou Alessandro Faria, biólogo da Unicamp, que coordena a força-tarefa de covid-19 da universidade e atua no laboratório local.

Faria ainda ressaltou que, com o aumento de testagem previsto para São Paulo para conter a pandemia, os laboratórios terão um desafio extra para se manter neste prazo de 48 horas.

Ministério não diz como registrará mortes ocorridas em dias anteriores

O Ministério da Saúde não informou como registrará as mortes ocorridas em dias anteriores, cuja notificação só é feita posteriormente. Questionado pela reportagem do UOL, a pasta não respondeu.

A página do Ministério da Saúde ficou desde sexta-feira (5) sem divulgar o total de casos e mortes por coronavírus. Hoje à tarde voltou a publicar os dados acumulados de casos e mortes em decorrência do coronavírus no Brasil. Ontem, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou que o governo retomasse a divulgação total no site.

Ao justificar a mudança na contagem de mortos, em seu comunicado, o Ministério da Saúde afirmou: "O uso da data de ocorrência (e não da data de registro) auxiliará a se ter um panorama mais realista do que ocorre em nível nacional e favorecerá a predição, criando condições para a adoção de medidas mais adequadas para o enfrentamento da COVID-19, nos âmbitos regional e nacional".

A pasta também informou que "com o aumento dos testes e da capacitação de laboratórios e de profissionais, a rede pública vem aumentando sua capacidade de diagnóstico. Ou seja, os usuários da nova plataforma conseguirão visualizar quantas mortes foram notificadas no dia e a que data se refere cada óbito".

Hoje, o ministro interino da Saúde afirmou que os dados serão atualizados assim que recebidos pela pasta. "A pergunta eterna: quando os dados vão ser atualizados? 24 horas. Aqueles que não estiverem atualizados é porque não chegou a atualização. Não existe horário, se é 16h, 17h, 20h, a hora que ele chegar ele é compilado. Quanto mais cedo o dado chegar, mais cedo ele estará lá."

Em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de covid-19, os veículos de comunicação UOL, O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, G1 e Extra formaram um consórcio para trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações necessárias diretamente nas secretarias estaduais de Saúde das 27 unidades da federação.