Coronavírus: medo de explosão de casos é o 'novo normal' em hospitais de SP
Resumo da notícia
- Médicos e enfermeiros de três hospitais de São Paulo dizem que o movimento de pacientes segue o mesmo de antes da flexibilização
- Eles afirmam que não é hora de relaxar a quarentena e temem que ocorra uma explosão de pessoas infectadas
- Ao mesmo tempo, profissionais de saúde têm menos medo de morrer, porque aprenderam a identificar a covid-19 e não faltam leitos de UTI
- Eles relatam adaptações à realidade que a pandemia impôs na rotina de trabalho, e há uma naturalização do anormal nos hospitais
A tarde está na metade e duas mulheres balançam as pernas nos bancos de concreto, no lado de fora do hospital da Vila Penteado, em São Paulo. A garrafa tem um dedo de água, e a paciência delas também está no final — estão na fila há horas, desde o período da manhã.
Cansaço é atalho para o mau humor, e Claudia Melo, 43 anos, reclama com a mãe por ela ter "inventado" de lavar o banheiro, se molhando e aberto uma porta para a doença. Dona Francisca Inacio Rodrigues, 68 anos, devolve aquele olhar de quem já ouviu esta reclamação mais vezes do que gostaria.
O clima no hospital Vila Penteado não é o mesmo da cidade que está abrindo os shoppings hoje. A situação é a do estado que bateu o recorde de mortes pelo segundo dia seguido e se aproxima de contar 10 mil óbitos. As enfermeiras do centro de triagem contam que o fluxo de pacientes é o mesmo de antes da flexibilização da quarentena — 50 casos por dia. Dizem que o momento mais movimentado do dia ocorre a partir das 17h30. Estão certas.
Como em junho escurece mais cedo na capital paulista, a luz do giroflex chama ainda mais atenção. Até porque tem meia dúzia de ambulâncias na frente do centro de triagem de coronavírus do Vila Penteado. Assim como antes da flexibilização, cerca de 20 pacientes chegam de ambulância a cada dia, e outros 30 em carros particulares e Uber. Os profissionais de saúde ficam menos preocupados quando na lataria está escrito "Tipo B", código para ambulâncias básicas e sinal de que o caso não é grave.
Mas mãe e filha não estavam lá no início da noite. Pouco depois das 15h, uma mulher de avental verde grita "Franciscaaaa". Ela se levanta sabendo que é a hora da verdade. Interrompe a caminhada para descer o meio fio com cuidado e encara o destino. Na volta, traz exames embaixo do braço e alívio no rosto. O teste rápido deu negativo.
Mãe e filha contam que é um princípio de pneumonia. O relato chama a atenção de um homem de Crocs no pé. Ele abaixa a máscara e puxa um cigarro, enquanto ouve a história.
Naturalizando a anormalidade
Os profissionais de saúde estão lidando com a pandemia há quase cem dias. O corpo chega preparado para trabalhar envelopado em aventais e calças de proteção que fazem suar. O calor deu a eles um comportamento de gato: durante o tempo livre, ficam escorados na janela sentindo o vento.
A respiração abafada por usar duas máscaras virou rotina. Nem atrapalha mais a dicção. Conseguindo se fazer entender, eles contam que mudou a maneira como encaram a covid-19. Ainda existe receio, mas o pavor do começo da pandemia foi controlado.
Uma enfermeira sintetizou o raciocínio ao dizer que agora ela e seus colegas trabalham num regime de perigo controlado. Sabem que é perigoso, mas também sabem reconhecer melhor os sintomas e não perdem tempo para buscar tratamento. O fato de não estar faltando leitos de UTI em São Paulo também ajudou a acalmar os espíritos.
É este aprendizado acumulado que leva médicos e enfermeiros a considerar a flexibilização da quarentena uma medida errada. Avaliam que as pessoas estão entendendo que, se está abrindo, é porque o pior passou. O medo é de uma explosão de casos em julho.
Para os profissionais de saúde, o tal 'novo normal' da sociedade já começou para eles. Houve uma naturalização do anormal nos hospitais. Mas eles acham que é muito cedo para estender a naturalização do anormal para toda a sociedade.
No hospital da Vila Nova Cachoeirinha o movimento de pacientes continua o mesmo de antes da flexibilização. No hospital do M'Boi Mirim, a mesma coisa. Nos três lugares, médicos e enfermeiros temem que os dias e pavor voltem.
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