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Covid: Conselho vai apurar fala de médico sobre supernotificação de óbitos

Hospital Espanhol, em Salvador - Reprodução/Google Maps
Hospital Espanhol, em Salvador Imagem: Reprodução/Google Maps

Aurelio Nunes

Colaboração para o UOL, em Salvador

15/06/2020 17h21

O Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) instaurou sindicância para apurar declarações do infectologista Roberto Badaró que apontariam suposta supernotificação de óbitos por coronavírus no Hospital Espanhol.

Diretor da unidade, Badaró disse, em entrevista à Rádio Metrópole no dia 10 de junho, que 40% dos pacientes que recebe no Espanhol não têm covid-19. "Não tem Covid. E morrem. E no atestado de óbito está lá, covid. Porque tem três campos no atestado de óbito, então ele vem com suspeita de Covid, então ele entra na estatística de Covid. É preciso que se veja isso com bastante critério", afirmou.

No dia seguinte, o médico se retratou em nota publicada pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. "Venho a público dizer que a forma como expressei-me não reflete corretamente o que acontece no Hospital Espanhol, do qual sou Diretor Médico, nem faz justiça ao trabalho primoroso que vem sendo realizado pelo Governo do Estado e Prefeituras no enfrentamento da pandemia", diz, segundo o documento.

Mesmo depois da retificação de Badaró, o urologista Modesto Jacobino protocolou sua denúncia. "Eu não acredito no desmentido. O Dr. Badaró vai ter de explicar o que ele disse antes e está gravado em vídeo. E eu vou cobrar do Hospital Espanhol a comprovação através de exames de todos os óbitos registrados por Covid-19", afirmou.

Vereador em Salvador pelo PRTB, o cirurgião Cézar Leite disse que denunciou Badaró ao Cremeb e ao Ministério Público Federal. "A questão mencionada pelo Dr. Badaró foi uma fraude, que precisa ser apurada. A retratação dele não muda nada, foi uma nota escrita com o timbre do Governo do Estado e sem assinatura."

"Eu espero que o Cremeb e o MPF façam o seu trabalho de investigar os protocolos de atendimento do Hospital Espanhol, de conversar com os colegas médicos e com o Dr. Badaró, uma pessoa sincera, que naquela entrevista falou a verdade. Não sei o que motivou essa mudança de discurso", acrescentou Leite.

Procurado pela reportagem do UOL para comentar as denúncias no Cremeb, Roberto Badaró não atendeu o telefone, tampouco respondeu às mensagens deixadas via aplicativo de celular. Ainda na nota publicada no dia 11, o diretor do Hospital Espanhol pontuou que "cabe registrar que a Vigilância Epidemiológica, de modo assertivo, só contabiliza as declarações de óbito classificadas como casos suspeitos de coronavírus após investigação e/ou resultado laboratorial confirmatório".

Governo diz que investiga a causa dos óbitos

A reportagem do UOL solicitou junto à assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) uma entrevista com o secretário Fábio Vilas-Boas.

A Sesab alega que o boletim epidemiológico diário emitido pelo órgão contabiliza todas as Declarações de Óbito de pacientes com coronavírus e que, conforme explicado em carta do próprio diretor médico do Hospital Espanhol, as Declarações de Óbito com a classificação de suspeito não são contabilizadas até que haja uma investigação pelas vigilâncias municipais e estadual e/ou confirmação laboratorial.

"Até o momento desconhecemos manifestação do Cremeb a respeito do caso e, caso haja, a unidade possui responsável técnico para esclarecer quaisquer dúvidas. No que tange ao perfil dos pacientes que foram a óbito, divulgamos diariamente os mesmos, cumprindo o que a legislação preconiza", argumenta.

"O Código de Ética Médica evidencia no Capítulo IX, Artigo 75, a proibição em 'fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente'. Ainda no Artigo 73, parágrafo único, a divulgação permanece proibida 'mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido'. Os interessados podem ler, na íntegra, no site do CFM", acrescenta o comunicado.

"O respaldo dessa medida de não divulgação também está na Lei de Acesso à Informação (art. 31, & 1º, I da Lei nº 12.527), norma que garante 100 anos de sigilo para informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem", finaliza a Secretaria de Saúde.

Como será feita a sindicância

Segundo o corregedor do Cremeb, o anestesiologista José Abelardo Garcia de Meneses, 66, ao abrir sindicância, constatou a admissibilidade das denúncias a partir da identificação dos denunciantes e da averiguação de que existe ato médico a ser apurado.

O próximo passo será a designação de um conselheiro-sindicante, que irá prover os atos necessários ao esclarecimento dos fatos. Ao final da apuração, ele elabora um relatório circunstanciado que é apresentado à câmara de sindicância, que pode ter 10 ou 11 integrantes, a depender da câmara da qual ele faz parte.

A depender do voto da maioria dos integrantes da câmara, as sindicâncias podem levar a quatro resultados distintos: arquivamento por falta de provas, estabelecimento de um termo de ajustamento de conduta (TAC), conciliação entre as partes ou instauração de processo.

Nos casos em que o réu é considerado culpado, são cinco as penas cabíveis determinadas pela lei 3.268 de 1957: advertência confidencial; censura confidencial; censura pública; suspensão do exercício profissional por até 30 dias e cassação do registro profissional, que só tem validade quando referendada pelo Conselho Federal de Medicina.