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Garoto de 14 anos é 1º morto por raiva humana no Rio desde 2006

Rio de Janeiro volta a registrar morte por raiva humano após 14 anos; menino foi mordido por morcego - Thierry Falise/LightRocket via Getty Images
Rio de Janeiro volta a registrar morte por raiva humano após 14 anos; menino foi mordido por morcego Imagem: Thierry Falise/LightRocket via Getty Images

Herculano Barreto Filho e Marcela Lemos

Do UOL, no Rio, e colaboração para o UOL, no Rio

17/06/2020 11h35Atualizada em 17/06/2020 14h55

O Rio de Janeiro voltou a registrar um caso de morte por raiva humana após 14 anos. A vítima foi um adolescente de 14 anos, morador de uma comunidade rural, em Angra dos Reis. Ele morreu em março, mas o caso só se tornou público nesta semana com a divulgação de um relatório da Secretaria Estadual de Saúde. A doença é considerada controlada no estado.

De acordo com a secretaria, o menino foi atacado por um morcego após encontrá-lo no chão e chutá-lo, no final de janeiro. Os sintomas só apareceram em 22 de fevereiro. Em 7 de março, a vítima foi internada e posteriormente, transferida para a UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ), na capital, já com suspeita de raiva humana. O diagnóstico foi confirmado em 20 de março e o jovem morreu dez dias depois.

A evolução do caso

Segundo informações da prefeitura de Angra dos Reis, o adolescente foi atendido inicialmente no Hospital da Japuíba, onde recebeu soroterapia. No entanto, embora orientado, ele não retornou à unidade para fazer as doses de vacinas indicadas. Quase dois meses depois, o paciente retornou ao hospital apresentando paralisia flácida aguda nos membros inferiores. "O quadro evoluiu rapidamente para insuficiência respiratória aguda", indicou a prefeitura.

O jovem foi entubado e transferido para o hospital da UFRJ, na capital, que é referência no tratamento da doença, mas não resistiu.

O que é a raiva?

A raiva é uma antropozoonose transmitida ao homem pela inoculação de vírus do gênero Lyssavirus presente na saliva ou em secreções de um mamífero infectado, principalmente pela mordedura. "Em caso de ataque de algum animal que possa estar infectado, a assistência médica deve ser procurada o mais rápido possível. Quanto ao ferimento, deve-se lavar abundantemente com água e sabão e aplicar o soro antisséptico", destaca o setor de Epidemiologia da prefeitura.

O documento alerta para os principais cuidados a serem seguidos: manter em dia a vacinação de animais domésticos, evitar qualquer contato com animais silvestres (em especial morcegos) e prestar atendimentos de profilaxia imediatos, em caso de mordida ou ferimento, meios pelos quais o vírus é transmitido.

A raiva é uma doença rara, mas perigosa. Segundo a secretaria, 99,9% das vítimas morrem após o início dos primeiros sintomas. O documento ressalta ainda que a doença não tem cura estabelecida e há apenas cinco casos de recuperação reconhecidos no mundo - dois deles no Brasil. A única forma de prevenção é por meio da vacina.

O último caso registrado de raiva humana no estado do Rio foi em São José do Vale do Rio Preto, há 14 anos.

Um levantamento feito pela Prefeitura do Rio de Janeiro constatou as mortes de 16 morcegos transmissores do vírus em 14 bairros da capital fluminense em 2019. Entre 2017 e 2018, foram apenas três casos. A Comissão Especial de Saúde Animal da Câmara de Vereadores pede agora o retorno das vacinas em massa, que não ocorrem desde 2018.

"Precisamos voltar com a vacinação em massa contra a raiva sob o risco de vermos um vírus que já estava erradicado voltar a fazer vítimas entre os animais e na população", alerta o vereador Dr. Marcos Paulo, presidente da Comissão de Saúde Animal da Câmara do Rio de Janeiro.

Desabastecimento de vacinas

No documento enviado às prefeituras, a Secretaria de Saúde recomenda aos municípios que adotem medidas de prevenção. Em reunião com representantes de 92 municípios na semana passada, a pasta reforçou a importância da adoção de protocolos de segurança e capacitação de equipes. Em nota, a pasta informa que há indicativo de envio de vacina do Ministério da Saúde até novembro.

No ano passado, o governo federal não repassou vacinas antirrábicas para estados e municípios. Com isso, a Prefeitura do Rio aplicou apenas 30 vacinas em animais da sua reserva técnica —a média é de 500 mil por ano.

O documento "Alerta Raiva 001/2020 - Medidas de Prevenção da Raiva Humana Dirigidas à População do Estado do Rio de Janeiro" diz que "o vírus da raiva continua presente no estado, causando a doença em número significativo de bovinos e equinos, que são infectados por morcegos hematófagos. O morcego, no momento, vem sendo fator de grande preocupação, já que ações antropogênicas levaram a alterações no ecossistema, e à urbanização desta espécie, inclusive".

Sintomas e tratamento

De acordo com o Ministério da Saúde, após o período de incubação do vírus, o indivíduo pode apresentar os seguintes sintomas

  • Mal-estar geral
  • Pequeno aumento de temperatura
  • Anorexia
  • Cefaleia
  • Náuseas
  • Dor de garganta
  • Entorpecimento
  • Irritabilidade
  • Inquietude
  • Sensação de angústia

Em relação ao tratamento da doença, o documento da Secretaria Estadual de Saúde destaca a necessidade de vacina antirrábica e se necessário, o uso de soro antirrábico.

"A demora para iniciar a profilaxia e a não infiltração das lesões com soro antirrábico humano (SARH)/imunoglobulina antirrábica humana (IGARH) são falhas frequentes na profilaxia antirrábica humana", informa.

A infectologista Ana Frota, do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ), onde o menino recebeu o primeiro atendimento, explicou que os sintomas da raiva podem demorar até um ano para aparecer, o que enfatiza a necessidade de busca por atendimento imediato em caso de ataque por animal.

"Esse vírus leva um tempo para se multiplicar, há o período de incubação que é longo e se a pessoa demora para buscar atendimento, pode até nem mais se lembrar de mencionar o ocorrido, o que pode tornar o diagnóstico difícil. A média para aparecer os primeiros sintomas é de até 90 dias, mas pode demorar um ano".

No caso do adolescente que morreu em março, a médica explica que ele foi mordido no pé, por um morcego que estava no chão. "Morcegos não ficam no chão, só quando estão doentes e perdem o senso de direção. Ou seja, ele foi mordido por animal já doente e em uma área do corpo sensível, com muita irrigação. Neste caso, foi um morcego, mas é importante destacar que a raiva pode ser transmitida por animais domésticos como cães e gatos, por exemplo".

Frota explicou ainda que após o primeiro atendimento, o paciente deve retornar para realizar as demais vacinas. A quantidade de doses é estipulada pelo médico responsável e leva em consideração o tipo de animal que causou o ferimento, a profundidade da ferida, entre outros pontos. De acordo com a médica, o primeiro atendimento realizado em 24 horas e as demais vacinas tornam o tratamento eficaz contra a doença.

A infectologista faz um alerta para a população ficar atenta. "Ano passado não tivemos vacinação de animais domésticos, isso cria uma situação que favorece o cenário de infecções".

A manifestação da doença acontece em fases, começa com sintomas comuns como aumento da temperatura, cefaleia e acaba provocando aumento da saliva, dor de garganta, alterações no comportamento, depressão, fobia para beber líquido, dificuldade em se manter em áreas com muita luz e falta de ar.