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SP: Morte que suspendeu testes da Coronavac não teve relação com a vacina

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

10/11/2020 11h17Atualizada em 10/11/2020 12h33

O secretário de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, disse hoje que o "evento" que levou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a suspender os testes com a Coronavac teve fator externo, sem nenhuma relação com a vacina. Segundo ele, o imunizante contra a covid-19 desenvolvido pelo laboratório chinês Sinovac se mostrou seguro até agora.

"Nesse caso, tivemos evento externo que colaborou para haver notificação ao órgão regulador", disse o secretário durante entrevista coletiva concedida nesta manhã. "Quero me solidarizar com família e amigos frente ao ocorrido e tranquilizo a todos voluntários que essa vacina é segura."

Na nota emitida na noite de ontem, a Anvisa citou todos os efeitos adversos graves previstos para uma interrupção de testes, mas não especificou qual foi verificado no caso em questão.

Ao longo da entrevista, os especialistas evitaram dar detalhes sobre o caso, e o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, se negou a responder se se tratava de uma morte. No entanto, o secretário-executivo do comitê de contenção do coronavírus de São Paulo, João Gabbardo, admitiu tratar-se da morte de um voluntário, mas sem relação com a vacina, fato que foi repetido diversas vezes durante a coletiva.

Covas afirmou que transformou-se um fato normal em um fato anormal e que é "impossível" que o caso do voluntário em questão tenha relação com a vacina.

Foi um óbito sem nenhuma relação com vacina. Estamos tratando de um evento adverso grave que não tem relação com a vacina
Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan

"Quando fazemos teste clínico, é esperado que tenham reações adversas e efeitos adversos. É uma distinção importante. Nesse estudo clínico, existiram reações adversas. Eu mesmo já apresentei aqui esses dados. Reações que foram leves. Mas não tivemos reações adversas graves. Uma reação adversa tem relação com a vacina", prosseguiu o especialista. "Eu digo a vocês que a conclusão do relatório é exatamente isso. O evento foi analisado e não tem relação com a vacina."

"Sempre respeitaremos os dados do paciente em questão, entendendo que evento adverso grave é todo aquele que envolve pessoa que está no estudo. Por exemplo um atropelamento é um evento grave para a pessoa, mas não está relacionado com vacina. Dessa maneira, nesse caso tivemos evento externo que colaborou para haver notificação ao órgão regulador", explicou Covas.

Caso foi notificado à Anvisa no dia 6

Segundo Dimas Covas, o Butantan já havia informado a Anvisa sobre o caso no dia 6. Mas foi notificado ontem à noite pela agência, por e-mail, sobre a suspensão dos testes, mesmo com relatório detalhado de que o caso não teria relação com a vacina. Ele disse que a Anvisa noticiou a suspensão 20 minutos depois, embora uma reunião entre as partes estivesse agendada para hoje.

"Essa informação está disponível para a Anvisa desde o dia 6, quando foi notificado o efeito adverso grave. O que se espera diante de um comunicado desses? Ok, vamos nos reunir e ver causas. Se está dizendo que não tem relação, vamos apurar. É isso que a gente espera. Foi isso que aconteceu? Não", detalhou Covas.

"Esse encaminhamento foi feito no dia 6. Ontem, dia 9, às 20h40, encaminham um e-mail ao Butantan dizendo que haveria uma reunião hoje para tratar do evento adverso grave, mas ao mesmo tempo anunciava suspensão do estudo. 20h40 da noite. Vinte minutos depois, essa notícia estava em rede nacional. Eu fiquei sabendo pela rede nacional. Estava na bancada da TV Cultura quando recebo um Whatsapp dizendo: 'você tem notícia disso?' Não recebi nenhum telefonema da Anvisa. Da mesma forma que nossos responsáveis não receberam aviso."

A suspensão dos testes é uma prática comum para esclarecimentos quando um efeito adverso grave é detectado. Outros testes de vacinas contra o coronavírus, como a desenvolvida em parceria entre a Universidade de Oxford e o laboratório sueco Astrozeneca, também já passaram por breves interrupções por eventos similares e foram retomados.

"Indignação" com comportamento da Anvisa

Os secretários e o diretor do Butantan criticaram a forma como a Anvisa conduziu a situação.

"Se vocês pudessem ter as informações que temos, poderiam identificar quão injusta está sendo essa penalidade, essa suspensão da continuidade dos estudos da fase 3 dessa vacina. Não existe absolutamente nenhuma relação da causa da morte desse ou dessa paciente com suposta vacina. Nem sabemos se tomou vacina ou placebo. Sabemos que não tem nexo causal, relação de causa e efeito. O que nos choca é que, enquanto todos estão correndo para que tenhamos vacina, algumas pessoas pensam e apostam no contrário", disse João Gabbardo.

Dimas Covas, por sua vez, disse que a situação causa "indignação".

Suspenderam estudo, causaram medo nas pessoas, fomentaram ambiente que já não é muito propício ao fato de essa vacina ser feita em associação com a China. Fomentar isso a troco de quê? Não seria mais justo ligar e falar que a reunião estava marcada para esclarecer isso? Não seria mais justo, ético e compreensível?", questionou.

Interromper estudo clínico causa sofrimento, dor e insegurança nas pessoas que já foram submetidas ao estudo. Causa dificuldades para quem está na fila para receber vacina. São voluntários que se dedicaram paa esse estudo, para trazer esperança da vacina. Por que toda essa polêmica?
Dimas Covas

Bolsonaro critica Doria

Pela manhã, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usou as redes sociais para atacar o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Um usuário perguntou se o Brasil poderia comprar e produzir a vacina. Em resposta, o presidente citou três dos efeitos listados hipoteticamente pela Anvisa e ainda recordou uma de suas desavenças com Doria, sobre a obrigatoriedade ou não dos imunizantes.

"Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la. O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha", escreveu.

O governador não participou da entrevista coletiva desta manhã nem respondeu diretamente aos ataques do presidente.

Fase 3 dos testes da Coronavac

A Coronavac está na fase 3 de testes, a última para comprovar sua eficácia.

Nesta fase, os voluntários são divididos em dois grupos: um recebe a vacina e outro, placebo —uma substância sem efeito. Somente um comitê internacional sabe quem tomou ou não o imunizante. Os voluntários são monitorados por este grupo porque é preciso que 61 deles sejam infectados pelo novo coronavírus.

Os testes do imunizante desenvolvido pela Sinovac ocorrem em outros países, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), como Indonésia e Turquia.

A suspensão dos testes pela Anvisa ocorreu no mesmo dia em que João Doria anunciou que o primeiro lote da Coronavac chegaria a São Paulo no dia 20 de novembro. A aplicação de qualquer medicamento ou imunizante, porém, depende de aprovação da agência nacional reguladora.