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Com pandemia, vacinação de bebês fica 20% abaixo da meta em 2020

Em 2020, a vacinação de crianças foi a menor dos últimos anos - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em 2020, a vacinação de crianças foi a menor dos últimos anos Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

03/02/2021 04h00

"É melhor vacinar nossa filha na pandemia ou ficar em casa e esperar pela vacina da covid-19?"

Essa pergunta tirou o sono da administradora Aline Soares Alves, 28, durante todo o ano passado. Depois de muita conversa com o marido e pediatras, ela decidiu que o melhor era não tirar de casa a pequena Lívia, hoje com 1 ano e três meses.

"De um dia para o outro, eu perdi pessoas da minha família para o coronavírus. Eu me pergunto: o que é pior?", conta Aline, que, depois de "pesquisar muito", decidiu cuidar da filha em casa com o marido, ambos trabalhando em home office.

Assim como Aline, muitos pais e mães tiveram receio de vacinar seus filhos em 2020 e pelos mesmos motivos, afirma a pediatra Flávia Bravo, presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações) Regional do Rio de Janeiro.

O índice de vacinação de crianças no Brasil, que já vinha registrando queda nos últimos anos, despencou em 2020, durante a pandemia, confirmou o Ministério da Saúde.

Embora a meta anual brasileira seja vacinar 95% das crianças com até um ano de vida, esse índice não passou de 72% entre janeiro e dezembro do ano passado, ou 19,3% abaixo da meta.

Em 2015, a média de cobertura das nove principais vacinas indicadas a essa faixa de idade atingiu a taxa de 97%. Nos anos seguintes, esse percentual começou a cair. Ficou em 88%, em 2016, e 87% em 2017. Em 2018, subiu para 90%, mas em 2019 a média não passou de 83%.

Vacinação em 2020

Em 2019, apenas uma vacina atingiu a meta: a tríplice viral D1, que imuniza contra sarampo, caxumba e rubéola. No ano passado, nenhuma delas chegou lá.

A que mais se aproximou foi a pneumocócica (contra pneumonia), com 77,8% de cobertura. A de hepatite B foi a que mais caiu: fechou o ano de 2020 em 59,1%.

Segundo o Ministério da Saúde, os dados de coberturas vacinais de 2020 "são preliminares" e só estarão consolidados em 2021.

No ano passado, a OMS (Organização Mundial da Saúde) já havia alertado que a pandemia tinha afetado a vacinação em pelo menos 68 países, colocando em risco 80 milhões de bebês. A entidade citou Brasil, Venezuela, Bolívia e Haiti como exemplos na América Latina de lugares em que a imunização vem caindo nos últimos anos.

Quando a vacinação está abaixo da meta, cresce o risco de retorno de doenças já erradicadas, como aconteceu com o sarampo em 2018, quando houve cerca de 10 mil casos no país. Em 2020, o Brasil confirmou 8.442 registros dessa doença.

"O retorno dessas enfermidades seria dramático porque, sem a cobertura vacinal de base, doenças muito piores para as crianças do que a covid-19 podem voltar", diz Marco Safadi, presidente do departamento de imunização da SPSP (Sociedade de Pediatria de São Paulo).

Seria desastroso o retorno de doenças como rubéola, difteria, coqueluche e paralisia infantil. A vacinação é uma atividade essencial e não pode ser postergada mesmo durante a pandemia.
Marco Safadi, presidente do departamento de imunização da Sociedade de Pediatria de SP

Por que a taxa de vacinação tem caído

A queda nos índices de vacinação nos últimos anos é motivada por "diversos fatores", diz a pediatra Flávia Bravo, que cita problemas temporários no fornecimento de imunizantes e queda dos índices de confiança do brasileiro em vacinas.

Ela lembra que as mães, ainda responsabilizadas pela imunização dos filhos, trabalham fora hoje em dia. "Quem tem trabalho não quer faltar ou não tem dinheiro para o transporte", diz. "Os postos atendem em horário comercial, alguns fecham para almoço, não funcionam aos finais de semana e feriados."

"E muitos estados reduziram suas equipes de agentes de saúde e fecharam Clínicas da Família, restringindo o acesso à vacina", afirma.

Além disso, as novas gerações não conhecem o risco real dessas doenças porque há tempos estão controladas. "Eles se perguntam: 'Por que eu vou tomar uma injeção se estou saudável e não conheço essa doença?'", diz a pediatra.

Aline, que não vacinou a filha em 2020, diz que "algumas amigas acharam estranha sua decisão". "Algumas não concordam, mas isso depende de cada um. A gente segurou o quanto pôde. Agora com a vacina da covid, ela será vacinada em breve."

Safadi lembra que quem deixou de vacinar o filho no primeiro ano de vida, como Aline, ainda pode fazer isso. "Mesmo que a vacina esteja atrasada, ela não perdeu a oportunidade. Basta ir ao posto."

O que diz o governo

Não foi apenas a vacinação entre crianças que diminuiu. Segundo pesquisa da Heads In Health, empresa focada em análise de dados para saúde, a cobertura vacinal no ano passado incluindo todas as idades caiu 8,58% se comparada ao mesmo período de 2019.

Os maiores de 60 anos, por exemplo, representaram apenas 15% de quem se vacinou contra o Influenza (a gripe comum), frente aos 45% um ano antes.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que "a circulação de notícias falsas, o medo de eventos adversos e a sensação de segurança decorrente da eliminação de doenças são fatores que vêm contribuindo para a queda das coberturas vacinais no Brasil".

A pasta "reitera a importância da vacinação" e afirma que tem "ampliado as estratégias de conscientização da população, bem como ações junto a profissionais de saúde, com o objetivo de manter as altas e homogêneas coberturas vacinais e, consequentemente, reduzir os riscos de introdução e transmissão de doenças imunopreveníveis no país".