Argentina: início da vacina Sputnik misturou segredos, acusações e atrasos
A Argentina foi o primeiro país latino-americano a apostar na russa Sputnik V para a vacinação em massa contra a covid-19.
Apesar da rápida escolha e aprovação do imunizante, começou a campanha de vacinação em meio a polêmicas, anúncios contraditórios, falta de informação sobre a vacina e atrasos na chegada das doses.
Em dezembro, o presidente Alberto Fernández disse que a estimativa era de até o final de fevereiro contar com o suficiente para imunizar 10 milhões de pessoas.
Mas, hoje, as doses de Sputnik V totalizam apenas 1,2 milhão, número que chega para apenas 600 mil pessoas. Até a última quinta (18), 243 mil pessoas tinham recebido duas doses.
Fernández recorreu ao presidente russo, Vladimir Putin, para garantir o resto do fornecimento. Não adiantou.
Então o país acelerou negociações com o laboratório chinês Sinopharm e recebeu, na madrugada de quarta (17), 580 mil doses da Covishield, vacina do Instituto Serum, da Índia, elaborada com a mesma tecnologia da AstraZeneca e da Universidade Oxford.
O primeiro a se vacinar serei eu.
Alberto Fernández, presidente argentino, ao anunciar o acordo para a importação da Sputnik
A promessa acima, feita em 10 de dezembro, não foi cumprida. Dias depois, Putin afirmou que não se vacinaria, já que o imunizante só tinha sido autorizado para pessoas com idades entre 18 a 60 anos. O russo tem 68 anos, Fernández, 61.
A informação confusa deu a entender que a vacina não funcionaria em um dos grupos mais afetados pela covid-19.
Desconfiança sobre eficácia
A situação piorou com a falta de detalhes públicos sobre a fase 3 dos estudos do imunizante, alimentando desconfiança sobre sua eficácia. Houve até uma denúncia judicial de três opositores.
Segundo estudos preliminares publicados pela revista Lancet, a Sputnik V tem eficácia superior a 91% contra a doença.
Há 20 dias, me acusaram de envenenar as pessoas e agora me pedem veneno para todos os argentinos.
Alberto Fernández, presidente argentino, em fevereiro, após a divulgação da eficácia da vacina russa
No dia 23 de dezembro, o equivalente à Anvisa local, chamada Anmat (Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica), recomendou que o Ministério da Saúde autorizasse emergencialmente o imunizante do Instituto Gamaleya.
No mesmo dia, um avião partiu de Moscou com 300 mil doses da Sputnik V rumo à Argentina, onde aterrissou na véspera do Natal.
Cinco dias depois, o primeiro político imunizado acabou sendo o governador da província de Buenos Aires, o kirchnerista Axel Kicillof, de 49 anos.
Fernández se vacinou apenas em 21 de janeiro, dois dias depois de a Anmat recomendar que o Ministério da Saúde autorizasse emergencialmente o imunizante para maiores de 60 anos.
Para Silvia González Ayala, professora de Infectologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nacional de La Plata, "o calcanhar de Aquiles" da Sputnik V foi a falta de dados científicos publicados.
"A Sputnik V foi aprovada com informação confidencial de uma comissão que esteve dez dias na Rússia e com as entrevistas com os pesquisadores do Instituto Gamaleya. O que sabíamos era a publicação das fases 1 e 2, com somente 76 pessoas, e o resto era confidencial", diz.
"A única saída era acreditar na avaliação da Anmat", afirma, explicando uma situação inédita, com a assinatura de contratos de risco por causa da pandemia e que exigiu até a promulgação de uma lei especial.
Para Daniela Hozbor, especialista em vacinas, as polêmicas se deveram à politização do tema. "As outras vacinas também demoraram, trabalharam e depois apareceram as publicações. O importante é que os entes reguladores recebam toda a informação necessária."
Segundo ela, a Anmat não podia publicar todos os dados que recebeu para não violar as cláusulas de confidencialidade do acordo.
Para Ayala, problemas de comunicação também alimentaram a desconfiança. "Cada um disse o que queria", afirma a professora.
Na opinião de Hozbor, houve interesses de opositores de criar essa imagem de origem duvidosa. "O Instituto Gamaleya tem uma história, com o desenvolvimento de vacinas para doenças graves e devastadoras, como o ebola. É preciso respeitar isso e não desprestigiar as instituições", conclui.
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