Topo

Com mais doses, Recife dribla plano estadual e vacina na frente do interior

Ponto de drive-thru no Recife para vacinação - Ikamahã/SesauPCR
Ponto de drive-thru no Recife para vacinação Imagem: Ikamahã/SesauPCR

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

05/03/2021 04h00

Enquanto cidades do interior de Pernambuco estão vacinando idosos apenas com 80 anos ou mais contra a covid-19, o Recife conseguiu antecipar, desde a sexta-feira (26), a faixa etária para pessoas a partir de 75 anos.

A medida dribla a orientação da Secretaria Estadual de Saúde de vacinar idosos entre 80 e 84 anos na atual fase da campanha.

A decisão da capital gerou um mal-estar e uma reação em cadeia de prefeituras do interior, que passaram a questionar o critério usado na distribuição de doses no estado. O argumento delas é que apenas com mais imunizantes seria possível avançar de fase na vacinação.

O UOL apurou que, até esta terça-feira (2), o Ministério da Saúde havia encaminhado 641 mil doses de vacinas (CoronaVac ou AstraZeneca) a Pernambuco. Dessas, 158 mil (ou 24,6% do total) foram encaminhadas ao Recife.

Na quarta-feira, um novo lote de 102 mil doses da CoronaVac chegou ao estado, com 23,6 mil (23%) repassadas ao Recife.

O percentual distribuído ao Recife chama a atenção porque a população da capital, estimada em 1,6 milhão de habitantes, representa 17,1% da população do estado.

A Secretaria Estadual de Saúde afirmou ao UOL que a distribuição de vacinas seguiu uma "distribuição de forma equânime para todas as cidades pernambucanas" e negou qualquer vantagem à prefeitura da capital, que é comandada por João Campos (PSB), aliado do governador Paulo Câmara (PSB).

Vacina no Recife - Rodolfo Loepert/PCR - Rodolfo Loepert/PCR
Imagem: Rodolfo Loepert/PCR

Segundo a pasta, o critério adotado para distribuição leva em conta o público-alvo da campanha de vacinação, ou seja: idosos, indígenas aldeados e profissionais de saúde que atuam contra a covid-19.

Nesse caso, afirma a secretaria, Recife recebeu mais doses porque concentra um número maior de profissionais de saúde e população idosa do que a média de outras cidades.

Os dados para cálculo, diz, tiveram como base o número de profissionais vacinados na campanha de Influenza de 2020 e de população do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Sobre a vacinação de idosos fora da orientação da faixa etária da pasta, a secretaria informou que cada município pode fazer sua estratégia de vacinação, dividindo as doses como quiser (desde que entre o público-alvo).

Ao UOL, a Prefeitura do Recife garantiu que que "nenhum grupo foi preterido" da vacinação e que o avanço na faixa etária foi possível porque "investiu em tecnologia".

Até a quarta-feira, 19.440 idosos entre 75 e 79 anos tinham sido vacinados com a primeira dose na capital, maior número entre todas as faixas etárias.

"O Recife foi a primeira cidade do Brasil a garantir o cadastro e agendamento dos usuários de forma 100% digital, através da plataforma Conecta Recife (aplicativo ou webapp). Ou seja, a pessoa só vai ao local de vacinação com data, horário e local marcados, evitando aglomerações. Isso permitiu que a Prefeitura do Recife fosse capaz de fazer a gestão de toda a vacinação na cidade e ampliar os grupos contemplados", diz.

O avanço na vacinação foi comemorado pelo prefeito em redes sociais, que afirmou, no sábado, ter vacinado mais da metade dos idosos acima de 75 anos da cidade. Na quarta, anunciou a ampliação da vacinação para trabalhadores de saúde de 55 a 59 anos.

Municípios questionam

O avanço do causou reação em outras cidades do interior, que alegam não terem doses para ampliar a faixa etária dos imunizados, como ocorre com o Recife.

É o caso de Petrolina, no sertão, que tem a segunda maior população do interior. "De acordo com a chegada de doses, a Secretaria Estadual de Saúde faz o direcionamento. Estamos na fase de 80 a 85 anos. Não temos doses [para ampliar]", alegou, na terça-feira, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde.

Situação idêntica ocorre no maior município do interior, Caruaru, no agreste do estado. Mesmo recebendo mais 2.800 doses ontem, a Secretaria Municipal de Saúde informou que atinge apenas 85% do total para vacinar o público de 80 a 84 anos.

Recife 2 - Ikamahã/SesauPCR - Ikamahã/SesauPCR
Recife disponibiliza nove centros de vacinação e cinco pontos de drive-thru
Imagem: Ikamahã/SesauPCR

"Existe, sim, uma preocupação com as doses. Temos acompanhado [essa distribuição] com certa estranheza. A gente não entende como há uma distribuição de forma proporcional, considerando queo Recife baixou em cinco anos a faixa etária. Como ela está conseguindo isso? Deixando de vacinar profissionais de saúde? Tendo mais doses? Não reservando a segunda dose?", questionou o secretário de Saúde do município, Breno Feitoza, na quarta-feira.

"Há a necessidade de um detalhamento dos critérios [na distribuição]. Não tem uma justificativa plausível, a princípio, para esse percentual [enviado ao Recife]. Nós aqui seguimos a recomendação do estado, temos perda zero, e não temos doses para ampliar [a faixa etária] hoje", completa.

Sem querer se identificar, outra gestora que coordena a vacinação em um município do agreste também questionou a distribuição. "Com as doses que tenho não cubro nem todos com mais de 80 anos, como vou vacinar quem tem menos? Essa conta não fecha", diz.

A inclusão na vacinação de idosos acima de 75 anos também foi abordada pelo Cosems (Conselho de Secretários Municipais de Saúde) de Pernambuco. Em nota ao UOL, a entidade disse que "questionou a decisão do Recife".