Análise: STF, Congresso e cientistas devem assumir tarefa de salvar Brasil
Diante de uma inação do governo federal no combate à pandemia, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional, a população brasileira e a classe científica devem puxar para si a tarefa de salvar o Brasil de um colapso nacional do sistema de saúde. A sugestão é dos infectologistas e pesquisadores David Uip, Natalia Pasternak e Miguel Nicolelis. Eles participaram hoje do UOL Debate, sob mediação do colunista do UOL Leonardo Sakamoto.
Os três especialistas concordaram que é urgente que o STF, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal assumam as rédeas da condução da pandemia no país, orientando governadores e prefeitos a adotarem medidas de restrição e ampliar dramaticamente a vacinação no país.
Governo federal não quer participar? Problema do governo federal. Há outros poderes na República. A sociedade civil, científica, o Supremo e o Congresso têm que assumir a tarefa de salvar o Brasil de um colapso jamais visto.
Miguel Nicolelis, infectologista
Nicolelis foi enfático a fazer uma previsão da pandemia. "Pode se transformar não só na maior tragédia sanitária do Brasil, mas na maior tragédia sanitária do mundo. Estamos chegando a níveis de óbito considerados como genocídio pela ONU [Organização das Nações Unidas]. Entramos no território de genocídio", disse.
"[A orientação de ações na pandemia] Não vai vir do governo federal, está muito claro. A única maneira seria ter uma coordenação aproveitando o pacto federativo que deu, graças ao STF, autonomia para os estados decidirem como conduzir a pandemia. Que eles se organizem dentro desse pacto federativo para dizer: 'Nós vamos fazer, sim'", afirmou Pasternak.
Pior mês da história do Brasil
O novo pico da pandemia teve início por volta de novembro, após o relaxamento das medidas de restrição em diversos estados, seguido de feriados nacionais. Com as festas de final de ano, a curva de óbitos voltou a crescer, atingindo recordes desde o final de fevereiro. Em uma análise sobre o que esperar do pior momento da pandemia no Brasil, Pasternak e Nicolelis declararam que falta planejamento para que o Brasil supere a crise sanitária e que março tende a ser o pior mês da história do país na pandemia.
Na visão de Pasternak, o governo brasileiro tem sido omisso e joga contra o avanço da pandemia no país. "Durante o ano passado, fomos testemunhas de diversas tentativas do governo de boicotar medidas restritivas que poderiam ter um efeito positivo na contenção da pandemia", disse ela. A microbiologista relembrou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desaconselhou pessoalmente o uso de máscaras e de lockdown, dando "maus exemplos".
Como reflexo desse cenário e pela falta de vacinas suficientes para imunizar toda a população brasileira, Nicolelis prevê que março deve ser o pior mês por conta do avanço da covid-19 no país.
"Não podemos depender de duas vacinas somente. Precisamos conjugar esse lockdown nacional com um aumento dramático da vacinação e precisamos de uma campanha de informação nacional, clara, direta, para deixar claro para população que, afora o genocídio indígena da colonização europeia e escravidão, essa é a maior crise humanitária da história do Brasil e março pode ser o pior mês da história do Brasil em termos de perda de vida", disse Nicolelis.
Sopa de variantes
A microbiologista Natalia Pasternak ainda alertou que o avanço da pandemia da covid-19 pode fazer com que o Brasil vire uma "sopa de variantes". A segunda onda no país se mostra mais mortal do que a primeira. Em média, 1.540 pessoas foram vítimas fatais da covid-19 por dia no Brasil ao longo desta semana, segundo dados do consórcio de imprensa que o UOL faz parte. O número é o maior de toda a pandemia, após dez dias seguidos de recordes na média móvel de mortes.
"Corremos risco de virar uma grande sopa de variantes", disse Pasternak. A especialista também fez críticas sobre a gestão da pandemia pela equipe do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e alegou que o presidente deveria compreender que ele é um funcionário do Brasil.
Nicolelis completou a fala da microbiologista dizendo que o impacto da pandemia não será sentido só na saúde, mas na economia, principalmente. "Vou dizer a todos empresários que dizem: 'Não podemos fechar'. Seus produtos não vão ser vendidos fora do Brasil. Ninguém vai comprar soja brasileira, carne brasileira, porque as autoridades sanitárias de fora do Brasil são responsáveis suficientes para testar essas coisas que chegam nos outros países e vão mostrar que estão infectadas, porque vão estar. O Brasil vai colapsar em todas as dimensões".
Não faz sentido abrir escolas
Pasternak ainda disse que "não faz sentido" ter mantido as escolas fechadas durante o ano passado, quando o sistema de saúde estava sob controle, e abrir agora, no pior momento da pandemia de covid-19 no Brasil.
A gente manteve escolas fechadas enquanto todo o resto do comércio estava aberto. Então enquanto a escola estava fechada, tinha aberto restaurante, shopping, academia, igreja. E escolas fechadas e alunos penalizados. A gente resolve falar de abrir escolas no pior momento da pandemia, onde a gente precisa de um lockdown geral. Agora vocês falam de abrir escola?
Natalia Pasternak, microbiologista
A fundadora do IQC (Instituto Questão de Ciência) ressaltou que, antes de abrir o comércio, mesmo com índices melhores, é obrigação do governo garantir ventilação nas salas e máscaras de proteção de qualidade para os professores.
"Se você consegue manter essa taxa de transmissão comunitária controlada, fechando outros estabelecimentos, você pode e deve priorizar escolas, mas também priorizar dentro da capacidade de cada escola de funcionar com segurança. 'Funcionar' não é fazer teatro de higiene: 'ah, tenho álcool em gel em toda sala'. Não. 'Funcionar' é ter ventilação adequada, espaços adequados, mascaras PFF2 para todos os professores, é ter estrutura daquela escola para funcionar", disse.
Membro do Centro de Contingência ao Coronavírus em São Paulo, David Uip disse que parte da culpa dessa piora na pandemia é da população, citando pessoas que se aglomeram em festas, desde a periferia até a alta sociedade.
"A população se cansou, está exausta. O que temos hoje? Distanciamento social, o uso de máscaras e a higienização de mãos, e 12 milhões de vacinas. Mas houve irresponsabilidade da sociedade, tenho conhecimento de inúmeras festas, e aí vão desde a periferia até a alta sociedade, casamentos, encontros, festas oficias, clandestinas, no consultório chega uma hora que falo: 'é inaceitável'. Os jovens chegam, eu pergunto de quais cidades vieram, qual festa, qual praia, isso que esta acontecendo. O aumento de número de casos explodiu em jovens, eles se responsabilizaram porque acabaram contaminando pais e avós", disse o médico.
Desde o início da pandemia, houve 266.398 óbitos causados pela covid-19 em todo o país. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde ontem, 32.321 casos foram confirmados da doença, totalizando 11.051.665 infectados.
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