Polícia apura suposto uso de nebulização de hidroxicloroquina; idosa morreu
A Polícia Civil do Amazonas investiga o suposto uso de nebulização com comprimidos de sulfato de hidroxicloroquina diluído em soro dado para uma idosa, de 71 anos, que estava internada com covid-19 no hospital regional José Mendes, em Itacoatiara (AM).
Segundo a polícia, a filha da idosa procurou a DIP (Delegacia Interativa de Polícia) para registrar um BO (Boletim de Ocorrência), na última sexta-feira (23), no qual relata que descobriu no prontuário médico da mãe no hospital que a vítima foi submetida a tratamento experimental, sem autorização da família, usando nebulização com hidroxicloroquina.
A filha prestará depoimento nesta quarta-feira (28), quando entregará cópia do prontuário. As identidades da filha e da mãe não foram divulgadas. O uso de nebulização com hidroxicloroquina não é recomendado pelas autoridades médicas e não tem comprovação científica contra a covid-19.
A idosa foi internada em 6 de fevereiro, passando 32 dias internada na unidade hospitalar, mas o estado de saúde piorou e, em 10 de março, ela foi transferida para o hospital Dephina Aziz, referência para doentes com covid-19. Ela morreu em 13 de março.
A mulher informou à polícia que a mãe recebeu inalação por dez dias durante sua internação, mas que as equipe médica e de enfermagem não comunicaram à família a administração do medicamento.
No boletim de ocorrência, a filha da idosa relatou que a mãe não estava em estado crítico de saúde, o que chamou a atenção da família após a morte, e foi ao hospital para verificar o prontuário da mãe.
De acordo com a filha, o documento indica que a vítima recebeu nebulização duas vezes ao dia, durante dez dias, com o medicamento atrovet e dois comprimidos de hidroxicloroquina diluídos em soro usando um aparelho chamado Bipass.
"Ela descobriu que foi aplicada na mãe a nebulização com hidroxicloroquina, que tomou conhecimento que o tratamento não era indicado, e procurou a delegacia para registrar a ocorrência", informou o delegado Paulo Barros, titular da DIP.
A Polícia Civil solicitou às secretarias municipal e estadual de Saúde notas técnicas que recomendem o uso do fármaco para tratamento de pessoas com covid-19. O delegado informará o caso ao Cremam (Conselho Regional de Medicina do Amazonas) para que as condutas dos médicos que assinam o prontuário sejam investigadas. Ainda não se sabe quem receitou o procedimento.
Secretaria abre sindicância
Em nota enviada ao UOL, a SES-AM (Secretaria do Estado de Saúde do Amazonas) afirmou que "não compactua com a prática de qualquer terapêutica experimental sem comprovação científica". A secretaria abriu sindicância para apurar o caso e destacou que a Prefeitura de Itacoatiara tem gestão plena em saúde do hospital regional José Mendes.
O UOL tentou contato com a direção do hospital, mas ninguém atendeu as ligações telefônicas feitas na tarde de hoje. A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura de Itacoatiara e com o Cremam, mas até a publicação deste texto nenhum deles se posicionou sobre o assunto.
Entidades alertam para perigo de fármacos
A hidroxicloroquina é usado no tratamento de malária e não existe comprovação científica que cure pessoas doentes com covid-19. A SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) alerta que o uso de cloroquina e hidroxicloroquina "não apenas apontam para falta de efetividade da referida droga, como também sugerem riscos de efeitos adversos em pacientes predispostos". A instituição afirma que "não endossa o uso de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina ou azitromicina como agentes profiláticos ou terapêuticos contra o coronavírus".
A Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia alega que a inalação de comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina macerados e diluídos em soro fisiológico é uma prática danosa ao sistema respiratório da pessoa acometida pela covid-19. "Cabe lembrar que o comprimido tem na sua composição talco que é um silicato e outras substâncias agressoras. Quando inaladas essas substâncias podem causar broncoespasmo e se depositam no pulmão e vias aéreas causando uma reação inflamatória. Essa inflamação aguda se somando à inflamação pulmonar pela infecção viral tem o potencial de agravar o quadro", destaca, informando que o uso contínuo da droga, a longo prazo, pode causar insuficiência respiratória crônica.
O CRF-PB (Conselho Regional de Farmácia da Paraíba) destaca que a hidroxicloroquina é um antiparasitário usado para tratara doença malária. "Os medicamentos contendo o fármaco estão registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso oral", mas que a administração do fármaco por via respiratória não está "descrita em bula aprovada pela Anvisa é um uso não aprovado (off label)".
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