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Cientistas criticam plano de reabertura do Rio: 'Mensagem errada'

5.jun.2021 - Movimentação na Praia do Leme, na cidade do Rio - Bruno Martins/Estadão Conteúdo
5.jun.2021 - Movimentação na Praia do Leme, na cidade do Rio Imagem: Bruno Martins/Estadão Conteúdo

Igor Mello

Do UOL, no Rio

04/08/2021 04h00

Especialistas na área de saúde ouvidos pelo UOL apontam problemas no plano de reabertura gradual do Rio de Janeiro, apresentado pela prefeitura da capital na última sexta-feira (30).

Para eles, as medidas são precipitadas e passam para a população a ideia de que o risco de contaminação pela covid-19 diminuiu.

O plano Rio de Novo prevê três etapas distintas de reabertura da cidade:

  • 2/9 - Liberação de eventos em espaços abertos e de 50% da capacidade de público em estádios de futebol, casas de show, boates e similares, com exigência de vacinação em duas doses;
  • 17/10 - Liberação da capacidade total de público em estádios de futebol, casas de show, boates e similares, com exigência de vacinação em duas doses;
  • 15/11 - Livre circulação na cidade, sem restrições de capacidade ou distanciamento, com obrigatoriedade de uso de máscaras mantida apenas no transporte público e em estabelecimentos de saúde.

'Desobrigar máscaras neste ano é temerário'

Para a cientista Gulnar Azevedo, professora de epidemiologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a reabertura vem antes do que indicam os índices de transmissão da covid-19 no estado do Rio —o único em alta neste momento, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, do qual o UOL faz parte.

Ainda segundo ela ter apenas 45% da população totalmente imunizada ao iniciar a retomada é precipitado.

Acho precoce. Nesse momento, o estado do Rio de Janeiro é o único que está em alta. A gente não tem nenhuma segurança. A cidade do Rio não é uma ilha. No Rio, vem e voltam todo dia pessoas da baixada e do interior do estado.
Gulnar Azevedo, epidemiologista

Ainda segundo a pesquisadora, pensar em retirar as máscaras ainda este ano é temerário. Principalmente considerando que há transmissão comunitária da chamada variante delta —muito mais contagiosa do que as cepas anteriores da covid-19— na cidade do Rio.

"Nos lugares que já vacinaram muito, como o Estados Unidos, estão tendo que voltar com as máscaras porque estão identificando surtos. O Brasil precisa seguir o mesmo caminho. Não adianta ir para frente e depois voltar para trás", defende.

O infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, diz que anunciar com antecedência tão grande medidas de retomada, inclusive o fim da obrigatoriedade de uso de máscaras, pode passar uma mensagem errada para a população.

É algo completamente especulativo e contraproducente. É desestimulante para as pessoas se protegerem.
Renato Kfouri, infectologista

Ele pondera que, embora os índices no país estejam em declínio após o pico da segunda onda, o Brasil não está nem perto de superar a pandemia. O próprio prefeito Eduardo Paes (PSD) tem adotado em suas redes sociais e em manifestações públicas o discurso de que "falta pouco" para a covid-19 ser superada.

"A comunicação tem que ser adequada com a população. Fazer a comunicação informando que em breve vamos estar livres de máscara e tudo vai voltar ao normal é uma mensagem errada. Estamos ganhando algumas batalhas, mas a guerra está longe de ser vencida", completa.

Fases de reabertura x avanço da vacinação

A prefeitura afirma no plano que as fases podem ser reavaliadas conforme a evolução da epidemia de covid-19 na cidade. Em relação ao percentual de vacinados, prevê que 45% da população esteja totalmente imunizada na primeira etapa; 65% na segunda e 75% na terceira.

Apenas em novembro o Rio deve superar a marca dos 70% de vacinados com as duas doses, percentual citado por especialistas como o necessário para frear a transmissão da doença.

Além disso, a prefeitura irá realizar uma série de eventos em setembro para marcar o início da retomada das atividades econômica e culturais na cidade.

Na segunda-feira (2), a média diária de mortes no estado do Rio era de 132 óbitos —alta de 22% em relação há duas semanas.

Neste momento, a capital acumula 399.530 casos confirmados e 30.506 mortos pela covid-19. A taxa de ocupação de leitos disponíveis na cidade chega a 87%.

O que diz a prefeitura

Em nota, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) afirma que "as medidas de proteção à vida estão mantidas no momento, e que o planejamento de reabertura, a partir de setembro, está condicionado ao cenário epidemiológico favorável, com continuidade da regressão do mapa de risco da cidade para alertas moderado e baixo; da regularidade de entrega de vacinas pelo Ministério da Saúde; e da alta cobertura vacinal".

"Em não se confirmando essas condições, como anunciado, a Prefeitura poderá rever o planejamento. O plano foi elaborado pelos técnicos do Centro de Operações Especiais para Enfrentamento da Covid-19 (COE-COVID-19), com apoio de alguns membros do Comitê Especial de Enfrentamento da Covid-19 (CEEC)", diz o comunicado.

Ainda segundo a SMS, o monitoramento da variante Delta é feito na cidade.

"Em 2021 foi estruturada ainda a Vigilância Sentinela Genômica carioca, em parceria com outros órgãos e instituições, sendo desempenhada em 12 unidades de saúde próprias atualmente. Com isso, foi possível ampliar exponencialmente a capacidade de identificação sistemática das variantes circulantes do coronavírus."