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Em homenagem a vítima da covid, lei dá direito a videochamada a internados

Maria Albani batiza lei que dá direito a contato com a família a qualquer pessoa internada no país - Acervo Pessoal
Maria Albani batiza lei que dá direito a contato com a família a qualquer pessoa internada no país Imagem: Acervo Pessoal

Beatriz Mazzei

Colaboração para o UOL, de São Paulo

20/09/2021 04h00

Após um ano e sete meses do início da pandemia no país, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou a Lei Maria Albani (14.198/21), que garante videochamada para pacientes internados em serviços de saúde e impossibilitados de receber visitas de seus familiares.

O Projeto de Lei foi sugestão da jornalista e ativista Silvana Andrade, que perdeu o pai e a mãe para a covid-19 num espaço de um mês em abril de 2020. O PL foi apresentado pelo deputado federal Célio Studart (PV-CE) e teve o apoio de um abaixo-assinado com cerca de 120 mil assinaturas da sociedade civil. Essa militância envolveu nomes dos direitos humanos como o Padre Júlio Lancelotti, a organização Vítimas e o Instituto Maria da Penha.

Batizada de Lei Maria Albani em homenagem à mãe de Silvana, a proposta original previa a possibilidade de videochamadas apenas para pacientes internados com covid-19. O Congresso aprovou versão que estende o direito para outros casos em que o paciente estiver impossibilitado de receber visitas, seja por outras doenças infecciosas ou razões financeiras e pessoais que inviabilizam o contato pessoal.

Após ter uma longa batalha com a administração do hospital, Silvana conseguiu a videochamada. Sua mãe estava inconsciente. Ela viu o momento como uma oportunidade de se despedir. A mãe morreu dois dias depois.

Eu vi a minha mãe intubada e disse tudo o que gostaria de lhe dizer. Mesmo sem uma comprovação científica de que ela estava escutando, para mim ela estava e isso basta. Eu queria ter o direito de falar que ela tinha sido a melhor mãe do mundo."
Silvana Andrade, filha de Maria Albani

O texto prevê que os serviços de saúde propiciem, no mínimo, uma videochamada diária aos pacientes internados em enfermarias, apartamentos e unidade de terapia intensiva, respeitadas as observações médicas sobre o momento adequado e respeitando os protocolos sanitários e de segurança em relação aos equipamentos utilizados.

Ainda segundo a Lei, a realização das videochamadas deverá ser previamente autorizada pelo profissional responsável pelo acompanhamento do paciente. A questão operacional e logística para o cumprimento da determinação fica à cargo dos serviços de saúde.

Outro ponto de destaque da lei, é a possibilidade de realizar chamadas com pacientes inconscientes, desde que previamente autorizadas pela família ou pelo próprio paciente quando podia responder por si. Esse foi o caso da responsável pela PL e sua mãe, Maria Albani, de 93 anos, internada em abril.

Silvana foi uma das familiares de vítimas da covid-19 que viu um ente ser internado em isolamento e, depois, ficou sem comunicação ou notícias. Após a entrada na UTI, conseguiu contato com o médico depois de inúmeras tentativas. Desde então, passou a ligar todos os dias.

No décimo quinto dia de internação, a informaram de que o quadro da paciente havia piorado e naquele momento, ela pediu para falar com a mãe.

"Pedi para que a enfermeira levasse o telefone até minha mãe. Ela disse que não estava autorizada a entrar com o celular na UTI. Sugeri, então, que não fosse seu telefone pessoal, mas um tablet do hospital ou algum aparelho corporativo. A negativa veio novamente, e aí eu desabei. A dor dessa recusa não é só minha, muitas pessoas passaram por isso", conta.

A proibição do uso de celular em unidades de tratamento intensivo é uma prática comum. Na maioria dos hospitais, o paciente não permanece com seus pertences, incluindo o aparelho. A determinação tem como objetivo evitar casos de furto ou perda e manter o ambiente controlado e silencioso, para garantir o repouso dos pacientes.

Outro motivo é relacionado a higiene. O hospital é um ambiente onde circulam muitas bactérias e vírus, que podem se fixar no celular e infectar funcionários e demais pacientes.

No caso de pacientes isolados, impossibilitados de receber visitas, a falta do celular é sinônimo de solidão.

O direito à despedida

A oportunidade de dizer adeus, mesmo que virtualmente, não foi conquistada por muitos familiares de vítimas da covid-19. Na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, a advogada Lênora Peixoto não viu mais o rosto da avó Rita Pereira dos Santos, de 81 anos, após sua internação em maio de 2020 em um hospital público no município de Caicó.

Além de problemas pulmonares, dona Rita tinha Alzheimer, condição que tornava o isolamento ainda mais desafiador.

A gente se preocupava muito com o sentimento dela. Imaginávamos que ela poderia estar confusa com o que acontecia. Passou dias sem ver um rosto familiar ou ouvir a nossa voz. O que foi mais doloroso para nós foi saber que apesar de sermos uma família muito grande, minha avó viveu seus últimos dias sozinha e sem entender o que estava acontecendo."
Lênora Peixoto não pode se despedir da avó

Rita Pereira planejou despedida, mas não pôde ter contato com a família nas horas finais - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Rita Pereira planejou despedida, mas não pôde ter contato com a família nas horas finais
Imagem: Acervo Pessoal

Segundo a advogada, durante a internação da avó, uma enfermeira mantinha a família atualizada, mas não possuía autorização para intermediar conversas entre a paciente e a família, mesmo com a singularidade do Alzheimer.

Divertida e leve em relação à morte, em vida dona Rita compartilhava com os netos como deveria ser o seu velório. Com o plano funerário pago do próprio bolso, já havia avisado aos familiares quais tipos de flores adornariam seu caixão e em qual vestido gostaria de ser sepultada.

"Levávamos na brincadeira. Mas isso deixou tudo mais triste porque nós nem sequer sabíamos se ela estava vestida. São detalhes que parecem pequenos, mas o ritual da despedida fez uma falta enorme", diz.

Casos como o de Rita e Lênora impulsionam Silvana a pedir por mais humanização em todos os tipos de hospitais. "A luta é para que todos saibam da lei e para que ela seja democratizada e usufruída não somente em hospitais particulares, mas na rede pública, por pessoas pobres, indígenas, quilombolas, entre outras. Os governos precisam criar campanhas e incentivos para que os hospitais consigam se organizar e cumprir a lei", afirma.

A lei não traz punições financeiras para os serviços de saúde que descumprirem o direito à realização das videochamadas. No entanto, a não realização pode ensejar danos morais e responsabilidade disciplinar ao responsável que se recusar a oferecer a chamada.