Internação de crianças em 2021 por síndrome respiratória já supera 2020
Mesmo antes de chegar ao final de 2021, o número de internações de crianças por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) já supera os dados do ano passado. Quase 90 mil crianças foram internadas com quadros respiratórios entre janeiro e agosto deste ano, contra mais de 76 mil em 2020.
Os dados foram obtidos na plataforma Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância da Gripe), do Ministério da Saúde, compilados pelo Info Tracker (plataforma criada pelas universidades USP e Unesp para monitorar a pandemia) e depois repassados ao UOL.
As SRAGs reúnem todas as síndromes respiratórias, incluindo a covid-19. Até agosto deste ano, 89.826 crianças de 0 a 14 anos foram internadas em leitos de enfermaria ou de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em todo o país. O número já é 17% maior do que o registrado em 2020 inteiro, quando houve 76.975 hospitalizações.
A faixa etária dos zero aos quatro anos é a mais afetada, com 54.342 internações. Se comparado com todos os meses do ano passado, o aumento é de 35%. Em 2020, foram registradas 40.172 hospitalizações nesse grupo.
Em seguida, vêm as crianças de cinco a nove anos, com 24.089 hospitalizações, e, por fim, as de 10 a 14 anos, com 11.395.
Quanto disso é covid?
A maior parte das internações por SRAG não recebem classificação dos hospitais, ficando indeterminado o tipo de vírus envolvido. Mas, entre as internações em que há a classificação, a covid-19 predomina frente à influenza e outras doenças.
Segundo Wallace Casaca, coordenador do Info Tracker e professor da Unesp, 75% dos casos de internações de crianças no Brasil, de acordo com a base de dados do governo federal, não tiveram o agente causador encontrado ou o registro está em branco.
"Quando você afirma que 15% de todas as SRAG em crianças são covid, não é uma mentira, mas se omite o fato de que 75% dos casos não são devidamente apurados e classificados, ou seja, exclui-se todo o universo dos casos que não têm diagnóstico preciso", explica Casaca.
Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde informou que, de janeiro a julho deste ano, o país registrou 15.483 internações de crianças com covid de zero a nove anos. De abril a dezembro de 2020, foram 10.352. A pasta não explicou por que desconsiderou os dados de março do ano passado.
Segundo especialistas, a alta nas internações pode estar associada tanto ao aumento da circulação das crianças, com retorno às aulas e demais atividades, quanto pelo fato de a campanha de imunização ainda não atingir parte desse público.
"Se você volta às atividades coletivas, atividades presenciais nas escolas, com circulação viral ainda alta, com uma baixa cobertura vacinal de duas doses e com as crianças e adolescentes abaixo de 12 anos sem estarem vacinados, esse é o público onde o vírus vai circular mais", explica Bernadete Perez, médica sanitarista e vice-presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
Ainda que as internações infantis sejam menores frente às hospitalizações de adultos, em especial de idosos, Bernadete alerta que elas não devem ser desprezadas.
"As crianças também apresentam [formas graves], só que numa proporção menor", diz. "O risco é menor, mas elas apresentam uma síndrome respiratória multissistêmica que a gente tem visto muito nas crianças, relacionada à covid-19, que é um quadro gravíssimo que leva ao óbito."
A infecção na infância tem que ser muito bem acompanhada, não pode ser desprezada."
Bernadete Perez, médica sanitarista e vice-presidente da Abrasco
Quais as soluções?
Até o momento, apenas alguns municípios no Brasil vacinam crianças e adolescentes com mais de 12 anos. No entanto, como a vacina aplicada é a da fabricante Pfizer, o tempo entre a primeira e a segunda dose é de 90 dias, considerado longo para evitar a contaminação deste público.
"Do que a gente precisaria? Acelerar a vacinação, tem que ter estratégia de aquisição de imunobiológicos, porque a gente ainda tem escassez, tem que diminuir esses tempos. A escassez de vacina continua sendo um problema grave. E aí esse grupo é o mais exposto, que é o grupo que não está vacinado com o esquema básico completo."
A falta de uma boa cobertura de testagem também é um entrave para entender o impacto da pandemia do coronavírus nas crianças. "O Brasil é um dos países que menos testam e agora com a delta piorou ainda mais, já que os sintomas se confundem com um resfriado", diz Casaca.
A testagem sempre foi um gargalo da pandemia no Brasil, já que a premissa é simples: sem testes, sem casos."
Wallace Casaca, coordenador do Info Tracker e professor da Unesp
O Ministério da Saúde afirmou que trabalha "amplamente para divulgar todas as medidas de prevenção" contra covid. A pasta recomenda o uso de máscara de proteção, higienização das mãos e o distanciamento social —todas ações já criticadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
"Medidas que, juntamente com a ampliação da campanha de vacinação, são necessárias para acabar com o caráter pandêmico da doença", afirma a pasta.
Estudo recente publicado pela Fiocruz mostra também que o número de mortes de covid em crianças, ocorridas em 2021, já é superior aos dados registrados em 2020. "Entretanto, permanece correspondendo a uma pequena parcela dos óbitos totais (1,5%)", explica o documento.
O relatório também aponta que os dados de hospitalizações no país podem ter pouco registro dos dados. Na semana passada, o UOL informou que, após mais de um ano da pandemia, o Brasil ainda tem alta subnotificação nos dados relacionados ao coronavírus.
A fundação explicou ainda que o aumento da vulnerabilidade social, o número de crianças com "condições crônica com controle insuficiente", desafios no acesso à "atenção primária à saúde" e de qualidade "no cuidado pediátrico de maior complexidade" são motivos para o Brasil ter aumento no número de casos e internações de crianças com covid.
Em entrevista coletiva em 15 de setembro, a diretora da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), Carissa F. Etienne, disse que, "à medida que mais adultos recebem suas vacinas contra a covid-19, as crianças —que ainda não são elegíveis para vacinação na maioria dos países— representam uma porcentagem maior de hospitalizações e até de mortes".
A organização, no entanto, ressalta os impactos negativos das escolas fechadas e defende que estas deveriam ser priorizadas na abertura frente a outros serviços menos essenciais.
"A cada dia em que as crianças ficam sem estudar presencialmente, maior é a probabilidade de desistirem e nunca mais voltarem à escola", diz Etienne.
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