Covid: Registros de casos somem, reaparecem e expõem subnotificação no país
No último sábado (18), o Brasil bateu recorde de novos casos de covid-19. Dois dias depois, o país registrou números negativos de diagnósticos. Ao menos 15 estados recentemente relataram instabilidades na inserção de dados no sistema nacional. Mais de um ano após o início da pandemia, o Brasil ainda tem alta subnotificação nos números, em especial de casos leves da doença.
Segundo levantamento do UOL, Acre, Amazonas, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e Tocantins notificaram problemas para lidar com a plataforma e-SUS Notifica, onde são registrados todos os diagnósticos e casos leves de covid-19.
No dia 8 de setembro, o sistema passou por uma atualização, segundo informou o Ministério da Saúde. A pasta não entrou em detalhes sobre quais foram as mudanças e citou apenas a inclusão automática dos dados de vacinação, "permitindo a análise de casos em pessoas já vacinadas", e mais campos relacionados à testagem.
A alteração se deu na chamada API (sigla para Application Programming Interface) que é um padrão de programação que permite a comunicação entre sistemas. Por meio da API, os estados conseguem coletar os dados de casos de covid-19 inseridos pelos municípios e hospitais.
Porém, desde a mudança, as secretarias estaduais de saúde alegam instabilidade no sistema e passam dias inserindo números baixos de casos, até que ocorre uma "explosão", devido ao represamento. Também há relatos de dados duplicados, que exigem limpeza e revisão dos números para baixo.
Porém, um problema mais recente identificado após as mudanças do e-SUS foi com dados sendo "encontrados" pelas secretarias. Com a antiga API, alguns casos registrados pelos municípios simplesmente não apareciam para os estados. Com a atualização, eles surgiram.
O exemplo mais gritante aconteceu no Rio de Janeiro no último sábado, quando "encontrou" mais de 92 mil casos não computados pelo sistema estadual. Desses, cerca de 38% ocorreram em 2020.
Dias antes, em 9 de setembro, o estado já havia notificado outros 17.736 casos represados das semanas anteriores devido às mudanças no e-SUS.
A inserção dos números retroativos do sábado levou o país a registrar 125.053 diagnósticos naquele dia, o maior número de toda a pandemia. Até então, o recorde havia sido em 23 de junho, com 114.139.
São Paulo foi o estado que mais notificou problemas, inclusive com outro sistema: o Sivep-Gripe, que registra os casos graves e mortes. No último dia 20, a secretaria estadual de saúde informou que o balanço de óbitos estava "inferior ao esperado devido a uma instabilidade no serviço do Sivep".
Até o último dia 22, duas semanas após as mudanças no sistema, mais dois estados relataram dificuldades: Santa Catarina e Acre. O primeiro registrou mais de 15 mil diagnósticos "que haviam sido notificados pelos municípios, mas que não estavam sendo contabilizados no sistema nacional".
Já o Acre, além de identificar problemas no e-SUS, reportou ter encontrado 18 óbitos registrados nos municípios no SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), mas que não constavam na contagem estadual.
A Bahia relatou instabilidade nos dias 11 e 21 de setembro e em ambos os registros ressaltou que a falha é "recorrente desde o lançamento da nova versão, em 8 de setembro de 2021".
Ao UOL, o Ministério da Saúde disse que as alterações no e-SUS são para "melhor atender as ações de vigilância". A pasta disse ter realizado um treinamento remoto com os profissionais que trabalham com a extração de dados por meio do sistema e se colocou à disposição para prestar suporte a quem tivesse problemas.
"No entanto, até o momento, o ministério não foi procurado por nenhum estado relatando problemas", finaliza. À reportagem, porém, diversos estados disseram ter informado os problemas para a pasta.
Números negativos e duplicidades
Dois dias depois do recorde artificial, no dia 20, o país registrou mais de 2.000 casos negativos de covid-19. Isso porque o Ceará retirou 12.028 diagnósticos que estavam registrados no IntegraSUS, a plataforma de saúde do estado.
Com isso, o país teve 2.389 retirados dos mais de 20 milhões de diagnósticos. O Brasil nunca havia registrado números negativos de casos desde a criação do consórcio de veículos de imprensa.
Ao UOL, o Ceará justificou com duplicidade de dados. "Foram detectados diagnósticos positivos para covid-19 no e-SUS Notifica em pessoas cadastradas no mesmo período com nomes diferentes na base de dados do Sivep-Gripe. Essas pessoas estavam contabilizadas como dois casos positivos", informou em comunicado.
O Pará também relatou ter encontrado duplicidades em fichas de pacientes. "Nas últimas semanas, tivemos algumas dificuldades com o Sistema e-SUS como frequente instabilidade no sistema e duplicidade ao salvar fichas e, ainda, também tivemos instabilidade ao acessar o Sivep"
O Maranhão chegou a identificar casos quadruplicados de um mesmo paciente, que teve suas duas doses de vacinas inseridas tanto no SI-PNI quanto no e-SUS. "Quando as doses de um cidadão são inseridas no SI-PNI, em regra, o e-SUS deveria bloquear automaticamente a inclusão dos mesmos dados no seu sistema."
As duplicidades são constantemente apontadas pelas secretarias de saúde e também pelo Ministério da Saúde como a causa para as diferenças nos dados a nível municipal, estadual e federal.
Segundo Domingo Alves, pesquisador do Laboratório de Inteligência em Saúde, da FMUSP-RP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto), essa bagunça nos dados atrapalha a observar o comportamento da pandemia no Brasil.
Ainda assim, já é possível ver o início do aumento dos casos, possivelmente ligado à disseminação da variante delta. "É possível notar já, mesmo com toda essa bagunça de dados, nesta segunda quinzena de setembro, um aumento significativo do número de casos", diz.
E completa: "Essa mudança de comportamento bate com as previsões da disseminação da delta aqui no Brasil, mas ainda está bem aquém do que estava previsto para os números de infecções".
Muito provavelmente isso já são consequências dessa bagunça de dados, que pode ter uma motivação maior aí, no sentido de tentar mostrar de que a pandemia já está sob controle. Mas só vão conseguir enrolar por um tempo limitado porque, se as nossas previsões com a delta estiverem corretas, esses números devem explodir ainda em setembro e começo de outubro."
Domingo Alves, pesquisador
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