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Prefeituras planejam compras de kit covid após ineficácia ser comprovada

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

27/10/2021 04h00

Redenção (PA), Passo Fundo (RS), Campo Maior (PI) e Araputanga (MT). Cidades separadas por centenas de quilômetros, mas com uma coisa em comum: ainda realizam processos de compra de remédios do chamado kit covid, medicamentos ineficazes no combate à doença provocada pelo coronavírus.

Esses municípios, localizados no Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste, concluíram a partir de junho licitações na modalidade pregão, que permite a compra de acordo com a demanda assim que os contratos são assinados. Na ocasião, a ineficácia dos remédios contra a covid já havia sido comprovada e seu uso não era recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Não há dados consolidados a respeito das compras de medicamentos do kit covid realizados por prefeituras neste ano. Em uma pesquisa em dois tribunais de contas que possibilitam esse tipo de consulta (Pernambuco e Rio Grande do Sul), a organização Transparência Brasil chegou a 49 prefeituras que realizaram processos de aquisição desses remédios no primeiro semestre do ano.

No Rio Grande do Sul, foram identificadas 40 cidades —com contratos que somaram cerca de R$ 768 mil— e em Pernambuco nove, com licitações no valor total de R$ 419 mil.

Redenção: Licitação no valor de R$ 901 mil

Em Redenção, a prefeitura homologou, em 16 de junho, uma licitação que prevê a aquisição de 900 mil comprimidos de ivermectina, hidroxicloroquina, azitromicina e zinco até o fim do ano. A quantidade seria suficiente para que cada morador do município recebesse ao menos nove pílulas.

Na tarde da última sexta (22), o UOL conversou por telefone com o secretário municipal de Saúde de Redenção, João Lucimar Borges. Vereador eleito pelo PSD para seu sexto mandato e professor das redes estadual e municipal, ele disse inicialmente não se recordar bem da licitação que realizou.

"Preciso verificar, mas sei que a hidroxicloroquina não estamos mais usando. Quando houve toda a discussão em torno do remédio, sentamos com a equipe técnica e decidimos tirar do kit. A azitromicina e o zinco tenho certeza que estamos distribuindo. A ivermectina preciso checar."

Horas depois do primeiro contato, ele mudou a versão. Disse que conversou com a infectologista da pasta e que a distribuição de todos os medicamentos licitados já havia sido suspensa. Perguntado sobre quando ocorreu a decisão e quantos kits chegou a distribuir, o secretário não respondeu.

"Quando eu assumi o cargo, em janeiro, houve um pico altíssimo de casos. Todo mundo estava tentando se apegar em alguma coisa, às vezes [o kit] era até uma coisa psicológica para as pessoas. Agora, estamos evoluindo", concluiu, admitindo que fez a distribuição dos medicamentos ineficazes ao menos no início do ano.

Com valor de R$ 901 mil, a licitação concluída em junho estabeleceu a possibilidade de compra de até 500 mil comprimidos de ivermectina, 200 mil de azitromicina, 100 mil de hidroxicloroquina e outros 100 mil de zinco até 31 de dezembro. Após a homologação, o município executa as compras conforme definir —até o momento, nenhum contrato foi assinado com fornecedores.

Desde o início da pandemia, a cidade paraense que, segundo projeção do IBGE, tem 86.326 habitantes, registrou 14.627 casos de covid e 254 óbitos.

Alto consumo de cloroquina no RS

No Rio Grande do Sul, uma prefeitura que parece seguir convicta no uso do kit covid é a de Passo Fundo, com população estimada de 206.103 habitantes.

Em junho, a secretária municipal de Saúde, Cristine Pilati Pileggi Castro, autorizou a compra de 4.000 comprimidos de hidroxicloroquina, sem licitação, ao custo de R$ 5.346.

Em um dos documentos que embasaram a aquisição, a secretária relata que, em 31 de maio, o Ministério da Saúde havia suspendido a distribuição do remédio "devido à revisão dos protocolos de atendimento".

Diante disso, a própria prefeitura resolveu continuar com a distribuição. O principal motivo citado foi o alto consumo do remédio no tratamento de covid na cidade. Segundo o documento, entre janeiro e junho, foram distribuídos "33.884 comprimidos de difosfato de cloroquina 150 mg, um análogo da hidroxicloroquina".

"Esses registros evidenciados no relatório de movimentação de estoque ainda confirmam a importante adesão dos profissionais médicos ao medicamento no tratamento dos sintomas do coronavírus, não permitindo o seu desabastecimento ou falta", afirmou a secretária no documento.

Passo Fundo não só concretizou a compra sem licitação como, em julho, concluiu um pregão para a aquisição de mais 18 mil comprimidos de hidroxicloroquina ao custo de R$ 26.694. Também em julho, a prefeitura gastou R$ 45 mil com ivermectina para distribuir a pacientes com covid.

A cidade registrou 37.351 casos da doença desde o início da pandemia, com 701 mortes.

Em nota, a secretária Cristine Pilati afirmou que "nunca foi uma orientação institucional o uso ou o não uso das medicações, ficando a critério do médico e do paciente eventual uso".

"A cidade de Passo Fundo adotou um critério similar a vários outros municípios, embasado também pelas orientações dos membros do COE (Comitê de Orientação Emergencial) Passo Fundo, composto por diretores das três faculdades de Medicina do município, hospitais com atendimento e também os demais membros", acrescentou.

Licitação sim, compra não

Outra cidade que teve recentemente o resultado de uma licitação para compra de remédios do kit covid publicada em Diário Oficial, mas nega que vá adquirir os remédios, é Araputanga (MT).

Em 22 de setembro, foi publicado o resultado de um pregão que incluiu a previsão de compra de até 5.000 comprimidos de hidroxicloroquina, por R$ 13 mil, e de mil pílulas de ivermectina, por R$ 6.700, para pacientes infectados com covid.

Como é um registro de preços, a prefeitura poderá adquirir os remédios, de acordo com a demanda, até setembro do ano que vem. Mas o secretário municipal de Saúde, Hudson Cunha, disse que isso não será feito.

"Na gestão passada, é que tinham adquirido uma grande quantidade desses remédios. Então, no início do ano, tivemos que distribuir. É aquela história: casamos com a viúva, temos que balançar o filho. Não era o caminho ideal, mas era prescrito pelos médicos. Covid é um 'trem' esquisito, que a gente não tem muito parâmetro."

Com população estimada em 17.078 habitantes, Araputanga registrou 2.175 casos de covid com 55 óbitos.

No Nordeste, a Prefeitura de Campo Maior (PI), com população estimada em 46.950 pessoas, homologou em 9 de julho uma licitação para a compra de 7.500 comprimidos de hidroxicloroquina e de 10 mil de ivermectina. O valor total foi de R$ 35.850.

Desde o início da pandemia, foram registrados no município 6.161 casos de covid, com 150 mortes.

Na sexta (22), o UOL entrou em contato com a assessoria de comunicação da prefeitura, que encaminhou o número de telefone de uma assessora que faria a ponte com a secretária de Saúde, Dorilene Vidal. Na segunda (25), a assessora disse que seria a equipe de comunicação que se pronunciaria. Não houve retorno até a publicação da reportagem.