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Covid: Com apagão, país desconhece total de internados há mais de um mês

Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

06/01/2022 04h00

O dia 29 de novembro é o último de dados constantes do Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe), usado para que municípios reportem casos graves, internações e mortes por Influenza ou covid-19.

A falta de informações se mantém há 38 dias em um momento em que emergências brasileiras estão lotadas por conta dos surtos de gripe e da variante ômicron. O apagão atinge números de casos, internações e mortes de covid-19 e gripe e até da vacinação contra o coronavírus. Na prática, hoje o país não sabe quantos doentes de covid ou gripe têm infectados e internados pelo Brasil.

Sem dados, o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, de 1º de janeiro, não traz números de internados por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). O boletim InfoGripe, produzido semanalmente pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), também não usa dados referentes à semana 48, de 28 de novembro a 4 de dezembro, prejudicando análises e projeções.

SRAG é uma das formas de manifestação grave de gripe ou covid-19. Os pacientes necessitam de internação para tratamento intensivo e, por isso, são o parâmetro para indicar a pressão sob os sistemas de saúde.

"Os dados de SRAG estão fora do ar, então não temos estratos de faixa etária, nem temos os agentes causadores para entender a proporção de influenza e covid", afirma Isaac Schrarstzhaupt, analista de dados e coordenador na Rede Análise Covid-19.

Sistema do sistema para acesso ao Sivep-Gripe estava fora do ar até a noite de ontem, ao menos Imagem: Reprodução

Segundo o Ministério da Saúde, o apagão ocorreu após um ataque hacker do dia 10 de dezembro. Como os dados do Sivep-Gripe levam alguns dias para serem inseridos no sistema, no dia do ataque a atualização que estava no ar era do dia 29 —o que explica a falta de dados nesse período. "O Sivep tem um delay com os dados, pois demoram para digitar", explica Schrarstzhaupt.

Os dados do Sivep-Gripe trazem, por exemplo, Informações de internações de pacientes graves. Eles são mais detalhados em comparação ao número de mortos e casos informados diariamente pelas secretarias estaduais de Saúde, que abastecem o consórcio de imprensa.

Apenas com o Sivep seria possível saber, por exemplo, se um paciente internado com SRAG no país está com covid-19, e não com gripe ou outro vírus respiratório. Isso é considerado crucial para medir o tamanho das duas epidemias que ocorrem simultaneamente no país.

A pasta disse, 13 dias depois, que os sistemas foram reestabelecidos, mas a maioria dos dados são inconsistentes ou mesmo seguem fora do ar.

Segundo o secretário-executivo do Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), Mauro Guimarães Junqueira, o sistema do ministério está "voltando aos poucos." Ele afirma que os municípios têm tido dificuldades para preencher o sistema por uma série de motivos e prevê ao menos mais 15 dias para que os números sejam atualizados.

"A dificuldade é o sistema voltar 100%, e os municípios atualizarem em tempo real. É uma questão que depende dos dois lados: dos municípios preencherem e do ministério prover um sistema que dê conta. Existe uma instabilidade hoje do sistema: uma hora fica fora do ar; outra a página demora a responder", alega Junqueira.

Mais dados atrasados

Além dos dados sobre SRAG, os números de casos e óbitos do ministério que estão no site estão defasados. "São dados referentes até 21 de dezembro; mas mesmo assim, quando olhamos, vemos uma queda abrupta do dia 9 para frente", conta Isaac Schrarstzhaupt.

Novos casos computados por dia aparenta ter dados inconsistentes a partir do dia 9 Imagem: Reprodução

"Mesmo os dados das secretarias estão com uma queda abrupta após apagão, o que indica que alguns estados dependem do sistema federal para divulgar e tabular seus dados
Isaac Schrarstzhaupt, Rede Análise Covid-19

O dia 9 de dezembro, aliás, é o mesmo que está indicada no Painel Coronavírus, mantido pelo ministério.

Já no caso da vacinação, os dados oficiais estão com informações apenas referentes ao dia 7 de dezembro. Os dados mais atuais são referentes aos obtidos pelo consórcio de imprensa.

Isaac ainda alega que, quando o sistema voltar ao ar, muitos casos represados vão entrar ao mesmo tempo. "Aí vai parecer um aumento, mas pode ser que tenha um aumento real —que estamos vendo nos relatos— misturado com esse represamento, confundindo ainda mais", completa.

"Boeing sem GPS"

João Gabbardo, coordenador-executivo do Centro de Contingência do Coronavírus do governo de São Paulo, afirma que, sem os dados, não há como saber o grau das epidemias.

A sensação que nós temos é que estamos conduzindo um boeing com sei lá quantas pessoas dentro e não temos GPS, nem temos radar
João Gabbardo, Centro de Contingência do Coronavírus

Ele explica que todos os casos confirmados são encaminhados diretamente dos municípios para o Ministério da Saúde, que faz consolidação. "O estado busca na plataforma do Ministério da Saúde as informações necessárias para gerenciamento da pandemia", diz.

Ainda segundo ele, os municípios continuam mandando alguns dados, mas com dificuldade. "O sistema não funciona adequadamente, e o estado fica impossibilitado de buscar essas informações", completa.

"Essa questão do apagão talvez seja a manifestação mais evidente do processo de desconstrução do SUS que a gente está enfrentando. O estado de São Paulo confiou no Ministério da Saúde", diz.

Hospitais estão novamente ficando cheios com demanda de pacientes Imagem: AFP

"Lamentável e preocupante"

O virologista e coordenador da Rede Corona-ômica Fernando Spilki, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, classificou a situação como "lamentável e preocupante." especialmente agora que a gente nota nitidamente —ainda que os dados possam ter alguma alguma falha— que teremos semanas de uma elevação do número de casos", diz

Para ele, o apagão prejudica a avaliação em vários cenários. Primeiro, porque dificulta entender a velocidade com que o vírus está se disseminando.

E a gente não vai ter uma dimensão adequada do quanto há queda ou não no volume percentual de internações, justamente porque não está conseguindo consolidar os dados de casos de maneira adequada, com casos de infecções em relação ao número de internações
Fernando Spilki, virologista

No caso da variante ômicron, estudos têm sugerido que a infecção causa uma infecção mais branda, com menores riscos de hospitalização e morte. Entretanto, não se sabe exatamente se isso se deve às mutações do vírus ou à infecção ocorrida em populações majoritariamente vacinadas.

"Essa falta de dados no Brasil é ruim para entender o processo que estamos entrando dessa nova onda e até prever cenários. Nos outros países o que aconteceu foi uma onda relativamente mais curta, de uma dimensão muito grande, e nós termos isso sem os dados atualizados corretamente é difícil da gente saber quais são os cenários e movimentos futuros no curto prazo", completa.

Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde não respondeu a previsão para retorno dos sistemas e atualização dos dados.

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