Saúde não exigiu experiência em vacinas de empresa contratada por R$ 62 mi
O Ministério da Saúde contratou a empresa IBL (Intermodal Brasil Logística) sem exigir documentos que comprovassem a experiência prévia da empresa no transporte e armazenamento das vacinas pediátricas da Pfizer. Para o serviço, a IBL foi contratada, sem licitação, por R$ 62,2 milhões.
O UOL teve acesso aos três atestados de capacidade técnica apresentados pela firma ao governo —nenhum deles prova que a IBL já havia feito algum serviço semelhante ao da contratação feita pelo ministério. Agora, a pasta está apurando as informações contidas nos documentos.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que "não houve prejuízo a nenhuma vacina pediátrica entregue aos estados e ao Distrito Federal". Sobre o processo de contratação da IBL, que está sob sigilo, a pasta disse que ocorreu uma seleção em que concorreram diversas empresas de mercado.
Já a IBL informou que "apresentou todos os documentos exigidos pelo projeto básico de dispensa de licitação, assim como foi visitada por técnicos do Ministério da Saúde".
Brecha em exigência
De forma genérica, o Ministério da Saúde pediu apenas que a empresa atestasse a "prestação de serviço na área de armazenagem e transporte de vacinas e/ou insumos para saúde" —sem explicitar experiência com imunizantes que requerem temperaturas entre -90º C e -60º C.
A IBL apresentou três atestados de fornecimento de insumos para as empresas Beckman Coulter do Brasil, Chiesi Farmacêutica e Libbs Farmacêutica, mas nenhum deles se assemelha ao serviço contratado pela Saúde. Mesmo assim, foram assinados dois contratos com a IBL —um de R$ 34,1 milhões para o transporte dos imunizantes e outro de R$ 28,1 milhões para a armazenagem.
O UOL apurou que a Coordenação-Geral de Logística de Insumos Estratégicos de Saúde só interpelou a Chiesi e a Libbs, além da própria IBL, após uma empresa derrotada no processo de contratação —a VTCLog, que distribui vacinas contra covid e foi um dos alvos da CPI da Covid— questionar os atestados.
Até o momento, apenas a Libbs respondeu —ela confirma a veracidade do documento emitido para a IBL, mas informa que os serviços de armazenagem de insumos eram de "no máximo 4 a 5 dias" e que as temperaturas variavam entre 2º C e 8º C, inadequadas para armazenar as vacinas da Pfizer.
Em nota à reportagem, a Libbs confirmou que a IBL é sua fornecedora e que, em 2020, emitiu, a pedido da empresa de logística, atestado de capacitação técnica sobre os serviços prestados na ocasião. Conforme documentos aos quais a reportagem obteve acesso, o serviço não se assemelhava às condições de armazenamento das vacinas da Pfizer exigidas atualmente.
Em nota, a IBL diz que há anos tem "experiência na cadeia fria". Segundo a empresa, "os imunizantes são entregues no Centro de Distribuição da empresa, em Guarulhos, e vão imediatamente às câmaras frias, em freezers que mantêm temperaturas exigidas pelo fabricante".
Ainda sobre sua contratação, a IBL diz que "completa todo esse conjunto de informações [enviadas ao ministério] a realização de uma due diligence, processo que investiga a empresa como um todo, de questões financeiras, legais, aspectos envolvendo o negócio, até as operações [de] gestão de recursos humanos e ambientais".
Mamede Said Maia Filho, professor em Direito Público da UnB (Universidade de Brasília), defendeu a importância de uma análise rigorosa dos atestados de capacidade.
"Há certidões e atestados que demonstram a capacitação do licitante. A administração pública se rege pelo princípio da eficiência. Se a empresa agiu com desídia, de forma a prejudicar, ainda mais numa área tão sensível como a saúde, tem que sofrer as punições cabíveis previstas em lei."
Críticas à contratação sob sigilo
O TCU (Tribunal de Contas da União) também apura supostas irregularidades na contratação da empresa pela Saúde. O processo está em andamento, sem decisão nem prazo para apreciação pelo plenário, informou o tribunal. A Folha de S.Paulo apontou a falta de experiência da IBL e mostrou que estados como Santa Catarina, Paraná, Pernambuco e Paraíba se queixaram das condições em que os imunizantes chegaram.
"A pasta prestou toda assistência aos entes federados no processo de envio das doses, realizado em tempo recorde para que a imunização infantil tivesse início", afirma a Saúde.
O ministério justificou o sigilo no processo de contratação, dizendo que a publicidade dos documentos poderia trazer "vantagem competitiva a terceiros". O UOL acessou os atestados técnicos por meio de processos secundários referentes à contratação.
"O sigilo é descabido. Sua aplicação sobre todo o processo contraria a Lei de Acesso à Informação, segundo a qual os órgãos públicos devem usar o critério menos restritivo possível para classificar informações em sigilo e devem garantir o acesso às partes não sigilosas de documentos. O processo trata de uma contratação pública de um serviço essencial de saúde, ou seja, é improvável que tudo nele seja sigiloso", afirma Marina Atoji, da Transparência Brasil e do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.
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