Número de médicos na rede pública da cidade de São Paulo cai 11% desde 2012
Embora a demanda por serviços de saúde tenha aumentado na cidade de São Paulo nos últimos 11 anos, o número de médicos na rede municipal caiu 11% entre 2012 e 2022, revela levantamento inédito da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) feito a pedido do UOL.
Na terça-feira, a categoria suspendeu uma greve que começaria ontem após a Justiça proibir a paralisação. Os médicos municipais pedem a contratação de 1.300 a 1.500 profissionais apenas para o atendimento básico. Uma manifestação foi realizada ontem em frente à prefeitura.
Em 2012, havia 14.402 médicos concursados e contratados por OS (Organização Social) trabalhando na rede municipal. O número de profissionais empregados variou desde então, mas nunca voltou a patamar de 2012. Hoje, são 12.757 médicos, segundo o pesquisador responsável pelo levantamento, o professor de medicina da USP Mario Scheffer.
Procurada, a Prefeitura de São Paulo respondeu em nota que o número atual de médicos é de 13.962, sendo 1.871 concursados e 12.091 atendendo por meio de organizações sociais. O número informado diverge do Painel de Informações de Gestão de Pessoas da Prefeitura, que mostra o número informado pela pesquisa da USP: 12.757 médicos contratados.
Mesmo com a redução de médicos nos últimos dez anos, a demanda por serviços de saúde aumentou. Entre 2010 e 2021, a cidade ganhou 1,1 milhão de habitantes, segundo estimativas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Os serviços municipais de saúde passaram de 891, em 2011, para 983 unidades atualmente, incluindo novas UBS (Unidades Básicas de Saúde), AMA (Atendimento Médico Ambulatorial), ambulatórios de especialidades, hospitais e UPA (Unidade de Pronto Atendimento).
"Ter 1.645 médicos a menos do que em 2012 é incompatível com a expansão da rede e da população", afirma o professor da USP. "É por isso que os médicos ameaçaram greve. Eles ficam esgotados, principalmente em meio à pandemia."
Ainda em nota, a prefeitura diz que "2,5 mil [médicos] foram admitidos durante a pandemia além de ter antecipado a entrega de 10 hospitais, 16 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 17 Unidades de Pronto Atendimento (UPA), 14 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), entre outros, para garantir o atendimento aos paulistanos".
"Além dos investimentos na estrutura física e presencial, a Secretaria Municipal de Saúde aplicou recursos para ampliar e intensificar o atendimento remoto, modernizando e tornando mais ágil o atendimento aos mais de 7,5 milhões de SUS dependentes na cidade de São Paulo", diz a nota.
"Não dá mais"
Os médicos que ameaçaram a greve de ontem pedem a contratação de 1.500 médicos para o atendimento básico na prefeitura:
- De 500 a 600 para repor médicos afastados por quadros respiratórios ou burnout (disturbio emocional após exaustão no trabalho);
- De 800 a 900 médicos (um a dois por UBS) para atender apenas doentes com sintomáticos respiratórios.
"Chegamos num ponto que não dá mais", afirmou ao UOL a médica Vanessa Araújo, representante do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo). "Todo mundo adoecido, quem não está afastado por covid ou burnout, está pedindo demissão. Não tem como não estimar colapso."
Sobram médicos formados
Ainda segundo a pesquisa, não faltam médicos formados para contratação na cidade de São Paulo. São 5,6 profissionais por mil habitantes na cidade, contra a média brasileira de 2,3 por mil habitantes.
"São Paulo tem uma das maiores concentrações de médicos do mundo, e mesmo assim falta médico na rede municipal", diz Scheffer. "Eram 46 mil médicos formados na cidade em 2012. Hoje são 70 mil, aumento de 52%."
Faltam 90 médicos só para atender pacientes com Aids."
Mário Scheffer, pesquisador e professor de medicina
OS contrata menos?
Para Scheffer, a substituição de médicos concursados por contratados por OS (Organizações Sociais) também responde pela redução desses profissionais nos últimos anos. Enquanto os médicos ligados a essas empresas correspondiam a 48% em 2012, hoje eles formam 71% da mão de obra.
Criadas nos anos 1990 para prestar serviços de saúde para prefeituras e estados, essas entidades sem fins lucrativos estão entre as maiores empresas do país. Elas movimentaram R$ 22,9 bilhões entre 2009 e 2014, segundo estudo publicado em 2018 pela Universidade Federal de Pernambuco.
Ao contratar médicos e enfermeiros por meio de OS, as prefeituras se livram de contabilizar o gasto como despesa com pessoal e driblam a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe as cidades de gastar mais de 60% do que arrecadam com recursos humanos.
Segundo o pesquisador, a redução de médicos concursados gera "alta rotatividade de profissionais e piora nas condições de trabalho", uma vez que é cada vez mais comum que as OSs contratem seus médicos como pessoa jurídica (profissional admitido como empresa) ou mesmo entregue a tarefa de recrutar profissionais a empresas de recursos humanos.
"O vínculo do médico concursado permite a permanência do profissional, que faz carreira", diz. "Hoje eles não têm vínculo e ficam menos tempo no serviço."
O professor diz ainda que cada OS tem metas e salários próprios, "o que tira o padrão homogêneo de atendimento que se espera da rede pública de saúde".
Procurada, a Ibross (Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde) afirma em nota "que desconhece a metodologia do estudo em questão, e por isso não pode comentá-lo".
Diz, no entanto, que as contratações pelas instituições atendem ao plano de trabalho "definido exclusivamente pelas administrações municipais".
"Às OSS não cabe a formulação de políticas públicas tampouco a definição dos planos de atendimento, e sim a execução e cumprimento dos contratos de gestão, com metas determinadas pelos gestores", afirma. "A vantagem do modelo é que a remuneração dos médicos é feita pela média do mercado privado, sem as limitações de teto da administração pública, que no geral paga valores inferiores."
Sobre a contratação por PJ, afirma que "é permitida pela legislação nacional quando constatada dificuldade ou escassez desses profissionais".
"São os próprios médicos quem escolhem a forma jurídica de contratação como PJ, em detrimento do regime CLT", afirma a entidade, que elogiou "a rápida contratação" de pessoal pelas OSs durante a pandemia, sem o qual "o poder público teria enorme dificuldade para garantir o acesso dos pacientes infectados à assistência nas unidades do SUS (Sistema Único de Saúde)".
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