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Mães se acorrentam ao STJ em ato por tratamento de filhos com deficiência

Ativistas dizem que pacientes vão morrer caso terapias deixem de ser cobertas - Eduardo Militão/UOL
Ativistas dizem que pacientes vão morrer caso terapias deixem de ser cobertas Imagem: Eduardo Militão/UOL

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

23/02/2022 12h25Atualizada em 23/02/2022 15h11

Um grupo de mais de cem mães e outras pessoas se acorrentou em frente à grade do STJ (Superior Tribunal de Justiça) na manhã de hoje. Elas protestavam contra um julgamento em que planos de saúde pedem para limitar terapias a uma lista desatualizada da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), o que prejudicaria o atendimento de crianças com deficiência físicas e pacientes de doenças terminais ou degenerativas, como o câncer.

A retomada julgamento na Segunda Seção do STJ está prevista para esta tarde. Ele foi iniciado no ano passado, quando o ministro relator, Luís Felipe Salomão, votou a favor de limitar a lista a um rol taxativo, como querem os planos de saúde. O ministro abriu, porém, algumas exceções. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista de Nancy Andrighi.

Sem tratamento

Lista de algumas terapias ameaçadas, segundo os ativistas:

  • integração sensorial, para crianças autistas ou com paralisia cerebral
  • análise do comportamento aplicado, para autismo e paralisia
  • metodologia Cuevas, para autismo e paralisa
  • bombas de morfina, para doenças ósseas e musculares crônicas
  • imunoterapia para câncer
  • cirurgia para fetos que nascem com medula fora da coluna
  • algumas cirurgias reparadoras após cirurgia bariátrica
  • tratamentos realizados em residência, o "home care", inclusive com uso de respiradores pulmonares
  • limitação de quantidades e tempos de duração de tratamentos já aceitos, como quimioterapias contra o câncer

Fontes: Associação de Acolhida à Pessoa com Paralisia Cerebral e Instituto Lagarta Vira Pupa

A ação é movida pela Unimed contra um paciente que tenta obter um tratamento para depressão. Mas o recurso tem efeito em casos de todo o país para várias doenças. A Unimed negou o temor das mães. "O julgamento não significará a restrição de coberturas nem retirará a obrigação das operadoras de cobrir todo o rol e suas futuras atualizações", disse a assessoria do plano de saúde em nota ao UOL (veja mais abaixo).

Tratamentos exigem até 40 hora semanais

As mães vieram de várias partes do país, algumas de ônibus, como Sarita Melo, de 28 anos. Ela saiu ontem de Guarulhos (SP). Ela contou ao UOL que tem que levar sua filha de três anos de idade para 40 horas de terapia por semana usando medicamento derivado da maconha. "Tenho uma filha com autismo e deficiência intelectual, que faz uso de canabidiol custeado pelo plano", explicou ela.

Na cadeira de rodas, Luciana Trindade, 42 anos, de São Paulo - Eduardo Militão/UOL - Eduardo Militão/UOL
Na cadeira de rodas, Luciana Trindade, 42 anos, de São Paulo
Imagem: Eduardo Militão/UOL

Na cadeira de rodas, Luciana Trindade, 42 anos, de São Paulo, enfrenta uma distrofia muscular desde que nasceu. Ela tem 14% de capacidade respiratória e utiliza ventiladores mecânicos dentro de casa. "Caso o rol taxativo seja aprovado, eu vou morrer", disse ela ao UOL. Isso porque o plano não pagaria mais pelos equipamentos. Se tentar buscar auxílio no SUS (Sistema único de Saúde), Luciana acredita que as filas impedirão o acesso rápido aos tratamentos, o que resultaria em morte. "A gente não está falando de dinheiro, mas de vida."

A terapeuta ocupacional Nara Saboia, 37 anos, mora em Goiânia (GO). Ela veio a Brasília porque tem filha com paralisia cerebral de 7 anos e dois sobrinhos autistas, um de três e outro de cinco anos de idade. Diretora da Associação de Acolhida à Pessoa com Paralisia Cerebral, Nara disse que 58 milhões de pessoas que tem planos de saúde podem ser atingidos com a medida.

Além disso, sem a cobertura, a terapeuta acredita que o SUS vai ficar lotado de pacientes e não dará conta de atendê-los. Um dos tratamentos que ela entende que é importante para os autistas é a integração social e a análise de comportamento aplicado.

De acordo com Nara, a lista de tratamentos autorizados pela ANS deveria ser atualizada sempre. "Como não é, a lista deve ser exemplificativa", afirmou. "Os médicos poderão, dessa forma, indicar o tratamento e a terapia de acordo com a particularidade do paciente."

Nara Saboia, 37 anos, terapeuta ocupacional de Goiânia (GO), tem filha com paralisia cerebral e dois sobrinhos autistas - Eduardo Militão/UOL - Eduardo Militão/UOL
Nara Saboia, 37 anos, terapeuta ocupacional de Goiânia (GO), tem filha com paralisia cerebral e dois sobrinhos autistas
Imagem: Eduardo Militão/UOL

Paciente com câncer não pode esperar, diz ativista

A ativista e jornalista Andrea Werner, fundadora do Instituto Lagarta Vira Pupa, de São Paulo, disse que a atualização da lista da ANS, a cada dois anos ou seis meses, é insuficiente para garantir um tratamento adequado. É o caso dos pacientes com câncer. "Se você precisa da imunoterapia agora, você não pode esperar nem seis meses", afirmou Andrea.

Patricia Almeida, 56 anos, servidora pública de Brasilia, enfrentou 4 cânceres e tem filha com síndrome de Down - Eduardo Militão/UOL - Eduardo Militão/UOL
Patricia Almeida, 56 anos, servidora pública de Brasilia, enfrentou 4 cânceres e tem filha com síndrome de Down
Imagem: Eduardo Militão/UOL

Patrícia Almeida, 56 anos, servidora pública de Brasília, faz parte da Frente Nacional das Mulheres com Deficiência. Ela enfrentou quatro cânceres nos últimos anos e tem filha com síndrome de Down. Segundo ela, se o rol taxativo estivesse em vigor, ela não estaria viva hoje.

Segundo Andrea Werner, se o STJ julgar a favor do rol taxativo, "eles vão cortar a possibilidade de acionar a Justiça" para obter tratamentos fora da lista da ANS.

Decisões têm sido a favor dos pacientes

Boa parte das decisões judiciais têm sido a favor de considerar a lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar apenas como exemplificativa. No entanto, no Superior Tribunal de Justiça, duas turmas têm tido posições diferentes, apurou o UOL.

A 3ª Turma do STJ tem seguido a mesma postura da maioria dos tribunais de Justiça do país afora. É lá que atua a ministra Nancy Andrighi, que trará seu voto-vista hoje.

A 4ª Turma, do ministro Luís Felipe Salomão, tem decidido de modo contrário. Os magistrados dela têm votado favoravelmente a uma lista taxativa, mas que permitiria algumas exceções à relação, como recomendações e pareceres do Conselho Federal de Medicina.

Como há divergência entre essas turmas, a Segunda Seção, que reúne os dez ministros dos dois colegiados, vai decidir qual é a definição para o tema. Em tese, nove magistrados votarão. O presidente da 2ª Seção, Antonio Carlos Ferreira, só vota em caso de desempate ou impedimento de algum colega dele.

Tratamentos precisam de evidências científicas, diz Unimed

Na nota ao UOL, a Unimed disse que tratamentos novos ou não autorizados pela ANS precisariam ser comprovados com evidências científicas e estarem à disposição de todos os usuários dos planos. A empresa tem 18,5 milhões de clientes.

Para fazer essa análise é preciso esperar um processo conhecido como "avaliação de tecnologia em saúde" (ATS). "Esse processo deve ser pautado em evidências científicas e padrões rigorosos de segurança, eficácia, ganho terapêutico comprovado e custo-efetividade, de modo que as novas coberturas possam ser oferecidas a todos os beneficiários que necessitarem, com equidade no acesso. Também o Sistema Único de Saúde e os sistemas de saúde de diversos países adotam listas de cobertura, que são atualizadas a partir dos critérios da ATS", disse a Unimed.

Sem isso, haveria risco nos cálculos das despesas para garantir o equilíbrio financeiro dos planos, argumenta a empresa. Haveria aumentos nos preços dos contratos. "Tais situações penalizam [sic] tanto os beneficiários e a população que deseja ter acesso ao plano de saúde, quanto as próprias operadoras, além de trazer sobrecarga ao sistema público", afirmou a Unimed.