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Gestão Bolsonaro diz que filhas de mãe morta sem oxigênio tentam enriquecer

A professora Marlene Almeida de Oliveira morreu de covid aos 51 anos após faltar oxigênio no hospital em que estava internada - Arquivo Pessoal
A professora Marlene Almeida de Oliveira morreu de covid aos 51 anos após faltar oxigênio no hospital em que estava internada Imagem: Arquivo Pessoal

Do UOL, em São Paulo

09/01/2023 04h00

A professora Marlene Almeida de Oliveira, 51, se recuperava da covid-19 em uma unidade estadual de saúde em Manaus quando faltou oxigênio às 9h20 de 14 de janeiro de 2021. Sem o insumo, ela morreu uma hora depois.

Sob Bolsonaro, o governo federal —com o Estado e município— foi condenado a pagar uma indenização de R$ 200 mil para cada uma das três filhas da vítima.

Para tentar reverter a condenação da Justiça Federal da 1ª Região, a AGU (Advocacia Geral da União) recorreu com o argumento que as filhas buscavam "enriquecimento sem causa".

O valor de R$ 600.000 (...) é exorbitante e induz a um enriquecimento sem causa."
Trecho do recurso da AGU, que representa o governo

A indenização por dano moral não pode se transformar em fonte de enriquecimento imotivado das vítimas."

Qualquer quantia que exorbite o razoável não deve mais ser vista como indenização e, sim, como enriquecimento indevido."

Eventualmente, que o valor da indenização seja proporcional, a fim de se evitar o enriquecimento indevido."

Os principais argumentos do governo foram:

  • Epidemia imprevisível;
  • O governo federal adotou medidas suficientes;
  • A responsabilidade é do governo local, não da União;
  • Faltaram provas que relacionassem a morte à falta de oxigênio.

Procurada, a AGU não respondeu até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

'Qual o valor de uma vida?'

Uma das filhas de dona Marlene, Mayara Almeida de Oliviera, 33, diz que nunca buscou enriquecimento, embora tenha uma vida simples. Após a morte, ela recolheu objetos da mãe para mobiliar o único cômodo que alugou na periferia de Manaus.

Nós trabalhamos, assim como minha mãe trabalhava. Ela nos ensinou que, para enriquecer, precisamos arregaçar nossas mangas e trabalhar.'
Mayara Almeida de Oliveira, filha de Marlene

"Não estamos pedindo dinheiro do governo. Houve negligência: pessoas foram mortas asfixiadas, e minha mãe é uma delas", diz.

"Ela pagava seus impostos, mas quando precisou de um insumo para se curar, não teve. Qual é o valor de uma vida?"

'Defesa fria'

"É uma defesa genérica, técnica e fria", lamenta a advogada das filhas, Karina Câmara. "Dizer que existe intenção de enriquecimento ilícito tem pouco a ver com o que aconteceu. São três filhas, três famílias."

O valor é mais para responsabilizar quem causou a morte, porque nada vai trazer a mãe delas de volta. É uma satisfação para que as filhas saibam que alguém foi responsabilizado por o que aconteceu.'
Karina Câmara, advogada

As investigações ainda não estimaram quantas pessoas morreram por falta de oxigênio no Amazonas e nenhuma autoridade foi condenada até agora.

Um dos investigados é o general da reserva, ex-ministro da Saúde e deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ). Ele é suspeito de demorar para atuar, mesmo após ter sido avisado por autoridades sobre a crise no estado.