Guillain-Barré: Risco é pequeno de Brasil ter surto que custa caro ao Peru

O Peru declarou no domingo (9) uma emergência nacional de saúde após a morte de quatro pessoas em razão de um surto de Guillain-Barré, uma doença rara, com tratamento caro e que já atingiu no Nordese em 2015 após um surto do vírus Zika.

Como a doença não é transmissível, o surto no país vizinho não deve cruzar a fronteira e chegar ao Brasil.

O que aconteceu?

Emergência após quatro mortes. São 182 casos da síndrome registrada no Peru este ano, com quatro mortes, 31 pacientes ainda internados e 147 com alta hospitalar. Como o remédio é caro (entenda abaixo) e o Peru precisa importá-lo, o Ministério da Saúde declarou emergência nacional. Com a medida, o governo poderá gastar dinheiro público para comprar 5.000 frascos do medicamento, em um tipo de autorização parecida com a emergência declarada no Brasil na pandemia de covid-19.

O conceito de surto depende da incidência nos anos anteriores. "Se você tem uma doença com dez casos por ano e tem cinco em um curto espaço e tempo, pode-se dizer que há um surto", explica o neurologista Glauco Filellini, do Hospital Rede D'Or São Luiz Morumbi.

Surto em 2019 foi maior. Os números estão muito abaixo do surto de 2019 no país, quando foram registrados 900 casos provocados pela bactéria Campylobacter jejuni. Em 2020, foram 448 doentes e, no ano passado, 225. Neste ano, o agente causador ainda não foi identificado.

De branco, ministro da Saúde, César Vásquez Sánchez, visita paciente com Guillain-Barré
De branco, ministro da Saúde, César Vásquez Sánchez, visita paciente com Guillain-Barré Imagem: Ministério da Saúde do Peru/Divulgação

Crise política também motivou emergência. Em junho, a então ministra da Saúde do Peru, Rosa Gutiérrez Palomino, renunciou ao cargo após 248 mortes provocadas por um surto de dengue.

Novo ministro tenta conter a crise. Mesmo com um surto de Guillain-Barré menor do que em anos anteriores, o novo ministro, César Vásquez Sánchez, tenta aplacar o medo da população ao declarar a emergência nacional e anunciar a compra do remédio para a doença, que pode ter sido ocasionada justamente pela dengue, que derrubou a ministra anterior.

Sánchez acabou de assumir depois de uma crise com mortes. Ele precisa dar uma resposta para acalmar a população e mostrar quem manda.
Acary Souza Bulle Oliveira, neurologista da Associação Paulista de Neurologia

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Surto vai chegar ao Brasil?

Apesar dos países dividirem fronteira, a doença não deve chegar ao Brasil, diz o Ministério da Saúde.

A síndrome não é transmissível de pessoa para pessoa e, por isso, considera-se baixo o risco para o Brasil. Não há necessidade de restrição de turismo, comércio ou circulação de pessoas.
Ministério da Saúde, em nota

Embora não haja notificação compulsória sobre a doença no Brasil, a pasta diz que "monitora casos de surtos epidêmicos, como ocorreu em 2015 na Bahia".

O que é a síndrome de Guillain-Barré?

Músculos perdem a sensibilidade. Trata-se de uma fraqueza muscular que aparece de repente: dor e diminuição da sensibilidade começam pelos pés e mãos e podem se espalhar pelos braços, pernas e outras partes do corpo. Se chega aos pulmões, a síndrome enfraquece os músculos respiratórios, obrigando o uso de ventilação mecânica.

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Rara, a doença acomete cerca de duas pessoas a cada 100 mil habitantes por ano no mundo. Com mortalidade em torno de 7,5%, a doença recebeu esse nome em homenagem aos neurologistas franceses Georges Guillain e Jean Alexandre Barré, que descreveram a doença em 1916 com o fisiologista André Strohl.

Uma doença autoimune ativada por infecção. O trio descobriu que a doença é causada pelo próprio sistema de defesa do corpo quando ativado por alguma infecção. O organismo ataca os próprios nervos, reduzindo a comunicação deles com o cérebro.

Cerca de 75% dos casos ocorrem devido a um processo infeccioso, causado por bactérias e outros agentes, como os vírus da dengue, Zika, chikungunya, sarampo, influenza A, enterovirus D68, hepatite A, B e C, HIV, entre outros, [como vacinação].
Ministério da Saúde

Anticorpos atacam a "capinha do nervo". Os nervos motores são revestidos por uma substância gordurosa feita de lipídios e proteínas chamada mielina. Suas várias camadas criam a "bainha de mielina" ao redor dos chamados axônios, responsáveis por conduzir os impulsos que transmitem as informações dos neurônios para as células nervosas.

A gente não sabe porquê, mas o organismo produz anticorpos que destroem a mielina, resultado em perda de força física.
Glauco Filellini, neurologista

Fake news tentam associar a vacinação da covid-19 ao surto de Guillain-Barré. "Tanto a vacina quanto a própria covid estimulam o sistema imunológico e podem causar a síndrome, mas não tivemos nenhum surto no Brasil mesmo depois de milhões de doses aplicadas", diz Filellini.

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Tratamento custa caro

Milhares doam sangue para fazer remédio. O tratamento é feito por meio de imunoglobulina, uma medicação que se obtém de um jeito caro: "Milhares de pessoas doam sangue, que é centrifugado até sobrar apenas os glóbulos brancos", explica Acary Souza Bulle Oliveira, da Associação Paulista de Neurologia e professor da Unifesp.

Essa parte é administrada na veia. O que se pretende é bloquear o anticorpo que ataca o organismo. Como o nervo pode se recuperar se o diagnóstico for precoce, o paciente começa a melhorar ao longo das semanas.
Acary Souza Bulle Oliveira, neurologista

O frasco com 5 gramas do remédio é vendido no Brasil por cerca de R$ 3.500. Os médicos explicam que, por cinco dias, uma pessoa em tratamento precisa receber 0,4 grama da imunoglobulina por quilo. Um paciente com 70 quilos precisará de 5,6 frascos diariamente ao custo final de R$ 19,6 mil, fora os custos da internação.

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